terça-feira, 25 de setembro de 2012

A ÚLTIMA MONTRA



 Naquele frio inverno de há dois anos assisti ao seu parto difícil, como difícil é materializar algo que se imaginou durante anos, dias e noites sempre a fio. Se fosse fácil realizar o sonho provavelmente ninguém perderia tempo a sonhar, nem acordado nem a dormir. Idealizar acordado é um exercício da vontade, em pensamento racional e na ambição do querer; fantasiar a dormir é uma experiência incontrolável, da imaginação do inconsciente. Segundo Freud, os sonhos noturnos são gerados na busca de desejos, ou medos, reprimidos. Não se sabe ao certo, mas especulo que a realização de algo apetecido e engendrado durante muito tempo será sempre uma mistura na confluência da noite e do dia, e quanto mais amargo e difícil for a sua concretização, e o desejo se alongar, mais doce será o seu alcançar.
Naquele novembro passado, nasceu na Rua do Corvo mesmo em frente à Ricarlina. Aquele estabelecimento era uma “menina” traquina, de olhos vivos, doces, e muita, muita, cor. Se lhe pudéssemos escolher uma graça, um nome, poderia ser Primavera símbolo de vida e regeneração-, Sol –modelo de luz e multiplicação-, Lua –paradigma da beleza e do amor eterno. Mas não, a sua “mãe”, a Andreia Ferreira, uma jovem que ousava acreditar nas estrelas, escolheu um nome invulgar: Maquarie –o que também não conflitua, tendo em conta a analogia à ilha no Pacífico. Afinal, produzir uma ideia, no fundo, é uma ilha no oceano societário. Aquele “rebento” para a sua criadora era a alma do seu viver. Era uma extensão do seu ser em cordão umbilical. Em espírito, um pouco como o seu primeiro filho. Era o mostrar ao mundo que o homem sonha e obra nasce, e é nesta grandiosidade de coisa que o humano mostra a sua utilidade social. Uma construção feita em tijolo e argamassa, idealizada nos interstícios da mente, de uma jovem que, durante muitos anos, foi empregada num grande centro comercial e tantas vezes pensou: “um dia vou ter o meu negócio!”
Mas o sonho não durou. Aquela outrora montra brilhante, onde se “encontravam peças de autor e de artistas de criatividade ímpar, criadores que amavam o que faziam, artesãos que aliavam saberes e técnicas tradicionais e modernas, pessoas que se empenham no perfeccionismo dos pequenos detalhes”, nesta última semana, apareceu forrada a papel pintado à mão e representando flores e passarinhos a voar. Nesta imagem apologética, em palavras de silêncio, a quem tiver um minuto de olhar, quer dizer que a “Maquarie pretendia promover a consciencialização e sensibilização comum para o valor real de cada objecto” e, como quem parte sem escolher o seu destino, “se despede com a consciência de tudo o que ainda há por fazer e sentimento do dever não cumprido.”
Na porta principal, a ilustrar que as palavras escritas podem perpetuar a dor eterna, um poema rima assim: “Sentes um tempo que acabou/primavera de flor adormecida/ qualquer coisa que não volta, que voou/ que foi um rio, um ar na tua vida”. “Sabes o desenho do adeus/ é fogo que nos queima devagar/ e no lento cerrar dos olhos teus/ fica a esperança de um dia aqui voltar.”
Se vivêssemos numa sociedade mais justa e perfeita, menos individualizada e egoísta, submissa ao sucesso, e que fosse mais preocupada com a vida do que com a morte, certamente que no empreendedorismo, nas escolas públicas, na Universidade, se apoiariam totalmente os iniciados que dão os primeiros passos nos trilhos do futuro e da esperança. Mas infelizmente é o contrário. Aos principiantes, como prova de competência apriorística e absurda, que são examinados sem terem tempo de mostrar o que valem, fecham-se todas as portas, liquidam-se todas as quimeras. Aos outros, que caminham erectos e insensíveis na solidariedade humana e apenas com os olhos postos no seu enormíssimo ego, abrem-se portões, janelas e alçapões. Como se fosse pouco, ainda se idolatra o seu percurso, mesmo que o êxito tenha sido à custa da exterminação de muitos. Quantos sonhos se enterram vivos, cheios de pujança, com tanto para dar, e sem direito a epitáfio? Será que, neste aceitar pacificamente sem questionar, não somos todos coveiros?


4 comentários:

Anónimo disse...

Muito obrigada Sr. Luís!

Está fantástico, mal me conhece, mas devo ser "transparente" porque conhece e exprime melhor que eu toda a minha essência.
Muito obrigada por tudo.

Beijinhos Andreia

Anónimo disse...

Muito obrigada Sr. Luís!

Está fantástico, mal me conhece, mas devo ser "transparente" porque conhece e exprime melhor que eu toda a minha essência.
Muito obrigada por tudo.

Beijinhos Andreia

Anónimo disse...

Muito obrigada Sr. Luís!

Está fantástico, mal me conhece, mas devo ser "transparente" porque conhece e exprime melhor que eu toda a minha essência.
Muito obrigada por tudo.

Beijinhos Andreia

Anónimo disse...

Muito obrigada Sr. Luís!

Está fantástico, mal me conhece, mas devo ser "transparente" porque conhece e exprime melhor que eu toda a minha essência.
Muito obrigada por tudo.

Beijinhos Andreia