domingo, 9 de setembro de 2012

LEIA O DESPERTAR...




LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
 

Para além  do texto "Um homem avança e recua", deixo também "A paixão, segundo Santana Alho", "Rostos nossos (Des)conhecidos -"A última tremoceira" e "Reflexão: um vive, dois morrem".


UM HOMEM AVANÇA E RECUA

 À dias tive um inesperado encontro numa rua da Baixa da cidade. Passei por ela e não liguei. De repente, deu-me um baque. Aquela mulher, já velhinha, que acabou de passar por mim, era nem mais nem menos do que a Maria –evidentemente que este nome por mim utilizado é truncado. Senti uma necessidade enorme de a cumprimentar e voltei atrás ao seu encontro. Pareceu não me reconhecer. É certo que também não entrei em grandes pormenores, mas, aparentemente, gostou muito de me ver e agradeceu imenso o facto de, propositadamente, a ir saudar. Esta mulher, há mais de quarenta anos, foi muito importante na minha vida. Talvez ela, mesmo, se acaso lembrasse, nem imaginasse o quanto foi uma pedra de toque na minha adolescência. Bem sei que você estará a arder de curiosidade sobre o que teria acontecido, mas como sou um pouco sádico, vai desculpar, mas vai ter mesmo de esperar. Só lá para o fim do texto desvendarei o que aconteceu assim de tão marcante para eu nunca me esquecer.
No meu entender de “sociólogo” e “psicólogo” formado pela universidade empírica, o Homem, em sentido literal, tem várias fases ao longo da sua vida. Diria que a primeira, a infância, até aos 12 anos de idade, é a de longe aquela que estará sempre presente no nosso inconsciente, quer pelos momentos marcantes, de alegria ou tristeza, que nos ficarão para sempre assinalados na mente. Curiosamente, será pelos traumas mais profundos –que poderá ser provocado por uma separação de alguém que se gosta muito, avô, avó, ou violência física ou psicológica que ficarão marcados em dor lancinante de sangue na alma para toda a vida-, que nos tornará mais sensíveis, ou até sensitivos, à arte e a tudo o que nos rodeia e fará de nós escritores, poetas, pintores, artistas de uma maneira geral.


Embora todas as outras etapas posteriores sejam importantes, no sentido lato de que o sujeito aprende, molda e aperfeiçoará o carácter durante toda a sua existência, é aqui, com esta vivência da puberdade, que se formará a sua intrínseca personalidade. Digamos que será aqui que se constituirá a coluna vertebral da individualidade.
O segundo estádio irá dos 12 até aos 20 anos. Será a fase da afirmação, em que tudo e todos, numa mimética continuada, procuramos copiar o melhor e o pior.
O terceiro irá dos 20 até aos 50 –embora aos quarenta se note uma queda abrupta no caminho, assim como se descêssemos umas escadas e, de repente, nos faltassem os degraus e nos estatelássemos ao comprido. É neste ciclo de vida que, talvez pelo casamento e pela vinda dos filhos –evidentemente que refiro um tempo que passou quase de moda-, o homem se torna obreiro, apenas preocupado em mudar o mundo, construir o futuro, e, aparentemente, fixado apenas no objetivo de vencer a qualquer custo. Passará por cima de tudo e todos, atendendo para si mesmo que se encontra em estado de necessidade, como se em guerra estivesse consigo e com todos à sua volta, e não olhará para a terra onde coloca os pés.
 E vem a quarta etapa, e última, que começa a partir do meio século. A partir desta altura o homem apercebe-se que carrega consigo um saco incomensurável de memórias que lhe pesam assustadoramente. Não sabe muito bem o que fazer a tantas recordações. Sabe apenas que, de um momento para o outro, passou a lembrar melhor o que aconteceu há quatro décadas do que no ano transato. Sendo incompreensível para si, nota que há um sentimento misturado entre o prazer da vitória, por ter alcançado feitos, e o sofrimento da derrota por, pelos caminhos que pisou e passou, em muitos casos, ter deixado angústia e dor –sobretudo a tentar entender a razão de tanto se ter esforçado para dar um bom futuro à família e não ter valido a pena tanta transpiração. Ou por não ser reconhecido por esta no seu empenho ou a conjuntura económica se encarregar de deitar abaixo tantos sonhos idealizados e materializados nos bens conquistados a pulso e agora em vias de se esfumarem.
Então o resto, no tempo que lhe sobra de vida, porque se tornará mais sábio, irá fazer a desconstrução dessas imagens gravadas a fogo tentando, a todo o custo, entender porque foi assim e, ao mesmo tempo, conseguir explicação e dar-lhe forma existencial. Haverá, provavelmente, uma catarse, um encontro consigo mesmo numa purificação psicanalítica. Um desmistificar, um dissecar do “cogito logo existo”. Este homem não tem dúvidas de que pensa e existe, mas porque existe? Que razão estará na origem da sua existência? Porque veio ao mundo? O que veio fazer? Veio por acaso ou traria uma finalidade traçada, um Karma ou destino previamente escrito?
E então, à procura de sinais justificativos que o esclareçam, este sujeito no epílogo da sua passagem terrena, deixando de visionar a riqueza como objeto master e colocando de lado a ambição, passará a olhar permanentemente para trás. Atente-se que dará por si, facilmente, a lacrimejar perante uma memória que num lapso lhe saltou aos olhos
Dando resposta ao início do texto, aquela velhinha que passei hoje, a Maria, foi a mulher que, teria eu cerca de 13 anos, me iniciou e ensinou tudo no campo sexual. Foi ela que, com vinte anos a mais em relação à minha idade, durante algumas noites, gratuitamente, me fez homem. Num tempo em que apenas se fala da pedofilia, poucos se lembram que, às vezes, entre um adolescente e um adulto pode haver muito mais do que parece. Talvez valha a pena, nem que seja por um minuto, pensar nisto.


A PAIXÃO, SEGUNDO SANTANA ALHO

 Apareceu de surpresa esta semana a dar-me um abraço. Apesar de estar há quase dois anos em terras de Vera Cruz, continua a ser a mesma pessoa humilde e simples, como só alguém modesto consegue transparecer. Escrevo sobre o Manuel Santana Alho. “Alho” para os amigos e conforme assina todas as suas obras escritas e pictóricas.
Apresentando um pouco da sua história, o “Manel” foi aluno da Casa Pia, onde aprendeu a arte de relojoaria. Como pássaro pronto a voar sozinho, há muitas décadas, veio a instalar-se na Rua Direita, em Coimbra, com uma pequena oficina de concertos e venda de relógios. Ali construiu o seu ninho. Ali casou e multiplicou a prole. Como pessoa sensível que é, sempre teve uma inclinação desmesurada para as belas artes, incluindo, naturalmente, a literatura –publicou vários livros. Mas o bichinho que roía a sua alma sempre foi a pintura e era com a paleta e pincéis que, em catarse, descarregava tudo o que não compreendia neste mundo. Talvez por acaso ou por destino foi “descoberto” por Alberto Hébil –um nome grande nas cores matizadas, um grande artista que conheci bem e que um dia destes falarei dele. Estava dado o grito de Ipiranga de Santana e, sempre visionado por Alberto Hébil, o resultado foram muitas exposições individuais e colectivas.


Naquelas reviravoltas que a vida dá, no trambolhão das emoções, o barco familiar do meu amigo foi abalroado e, como marinheiro sem embarcação em alto-mar, à deriva, Alho teve de se aguentar à maresia e às intempéries de uma separação. Há cinco anos, através da Internet, viria a conhecer a sua atual esposa no outro lado do mundo, no Brasil. “Foi um acaso, com coincidências felizes. Começámos a teclar e vim a saber que a Benedita Paixão, a minha mulher, tinha familiares em Aveiro”, conta-me em confidência. Foi uma paixão dobrada. Casaram e, embora vivessem em Coimbra uns tempos, há cerca de dois anos entenderam que era melhor levantar ferro deste lago imprevisível e assentarem arraiais em terras de Cabral, mais especificamente em Chapada dos Guimarães, Mato Grosso. Agora regressaram para tratar de uns cartões e outras papeladas e, sensivelmente, daqui a três meses, voltarão à sua pátria –segunda e já amada para o Santana. “Estou muito feliz. Se aqui os meus quadros eram valorizados, lá são muito mais. Embora esteja sediado numa zona do Brasil profundamente rural, as pessoas compram. Estou a vender mais lá do que aqui. Chapada dos Guimarães é uma terra espectacular. É como uma aldeia em ponto grande. A maioria dos edifícios é de rés-do-chão e com um pequeno quintal. Raramente se vê um prédio com primeiro-andar. Vive essencialmente da agricultura e do turismo. Todos anos se realizam lá o “Festival de Inverno”, de música, com muitos nomes famosos do Brasil. Tens de lá ir, pá! Aquilo é fantástico!”


ROSTOS NOSSOS DESCONHECIDOS

“A ÚLTIMA TREMOCEIRA”


Já escrevi muito sobre senhora Maria Adelaide no meu blogue. Sempre que a vejo na Praça 8 de Maio é como se recebesse uma lufada de coragem. Numa relatividade imediata, interrogo-me se, perante este quadro vivo de luta pela vida, tenho alguma legitimidade em lamentar-me por coisas que não valem um cêntimo.


Adelaide tem 88 anos e, mesmo contra todas as dores do mundo e sobretudo as que ela sente no seu corpo, continua, diariamente, a estar de plantão junto ao café Santa Cruz a alienar pistachos, tremoços, amendoins, e pinhoadas no verão e, com o seu inconfundível carro azul, a vender castanhas assadas no outono, há mais de meio século. O trabalho para esta velha senhora é assim uma espécie de droga que a ajuda a manter viva. Várias vezes me tem dito que quando deixar de estar ali e lhe faltar aquele contacto com as pessoas morre- em contrapartida, repete, anualmente, até à exaustão que “este é mesmo o último ano” porque já não pode, já não aguenta tanta dor.

Esta mulher é um ícone vivo de resistência. Já escrevi imensos textos sobre ela no meu blogue. Certamente pelos caminhos de escolhos que teve de percorrer, tornou-se seca, dura e fria no falar. No entanto, misturado com uns palavrões de fazer corar o mais pudico, conserva uma subliminar e fina ironia acerca de tudo o que a rodeia. Acho-lhe uma graça sem limites.
Em metáfora, e plagiando em parte o título de Paulo Coelho, poderíamos escrever: “Adelaide recusa morrer!”


REFLEXÃO: UM VIVE, DOIS MORREM

 Esta semana, com pompa e circunstância, abriu uma nova grande superfície no Fórum Coimbra, o Primark. Ao mesmo tempo, na Baixa, encerraram o Salão Brazil e a Livraria 115, na Praça 8 de Maio –lembro que esta grande firma livreira continua a sua atividade na Casa Castelo, na Rua da Sofia.
O que gostaria de pedir aos leitores é apenas um pensamento de reflexão. Em especulação, se na última década fecharam, no mínimo, dois estabelecimentos, por cada loja aberta numa grande área comercial, como é o caso presente, para onde caminham as cidades, considerando que o comércio tradicional é parte intrínseca, a alma, da sua convivência?






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