quinta-feira, 20 de setembro de 2012

EDITORIAL: UM PAÍS RESSABIADO

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)


 Este último, a meu ver, infeliz, caso da escritora Maria Tereza Horta, distinguida com o Prémio Dom Diniz pelo romance “As luzes de Leonor, instituído pela Fundação da Casa de Mateus, se recusar a receber o prémio das mãos do Primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho (PPC), conforme estava agendado, era o último lampejo de dor necessário para um país que agoniza em depressão profunda.
Não queria dar muita atenção à escritora, porque, a meu ver, é tal a falta de educação e respeito para um líder partidário que foi eleito pela maioria do povo português que só me apetece corresponsabilizar a entidade criadora do prémio. Se a Fundação Casa de Mateus fosse desprovida de alinhamento ideológico e, pela obrigação testamentária, primasse nos valores que, com gestos destes, contribuem para o esboroar de princípios que enquanto povo sempre nos regeram o que tinha a fazer era impor um ultimato à escritora: “as regras são estas. A senhora aceita assim ou, não aceitando, passa o prémio para o segundo classificado?”. Sempre gostava de ver se a posição desta senhora continuava a ser a mesma. Que treta é esta a da premiada escritora dizer que é de esquerda e sempre lutou pela liberdade? E os de direita não lutaram? Era bom questionar esta senhora onde começa e acaba o seu conceito de liberdade. Tristeza!
Antes de continuar, como ressalva gostaria de salientar que não votei neste Governo. Por acaso Pedro Passos Coelho não me convenceu a fazê-lo, sobretudo quando começou aos arremedos e com as peripécias do PEC 4, e não mereceu a minha confiança para gerir o futuro do país. Porém, não votei eu mas votaram outros. Foi eleito, é obrigação de todos os cidadãos considerarem a sua função política institucional. O não gostar das suas medidas –eu não gosto-, isso é outra coisa.
O que se assiste actualmente no comportamento dos portugueses raia a esquizofrenia, e esta forma de estar de Tereza Horta é apenas uma amostra. Primeiro, verifica-se um unanimismo contra o Governo que faz impressão –vi isto mesmo com José Sócrates quase no final do seu mandato e pouco antes de se demitir. A meu ver, sobretudo por parte da maioria de dirigentes Sociais-democratas, a ladainha envenenada, é simplesmente degradante. O que dá impressão, sem conseguirem disfarçar, a começar em Manuela Ferreira Leite, é que tinham contas para ajustar com PPC. Ressabiados, guardaram-nas enquanto durou a aura de luz e agora, que o homem atravessa o deserto, em metáfora, todos saltam de galochas em punho para se vingarem. E isto é transversal desde o barão, como por exemplo João Jardim, até ao simples político de assembleia municipal de uma qualquer cidade de interior. Já para não falar de Mário Soares e outros que, gerindo fundações, vendo os seus interesses em perigo disparam os seus canhões de humilhante provocação política.
Pode ser mania minha, mas quando vejo a imprensa a embarcar toda no mesmo navio desconfio. Quando, por parte dos analistas políticos, não vejo ninguém a fazer contraditório, suspeito que estamos perante opiniões de uma política de terra queimada. Vale tudo desde que seja para pôr o Governo a baixo. Volto a repetir que de modo algum estou de acordo com as medidas deste executivo de coligação. Gostaria de lembrar que este sentimento de rejeição pelos governos já vem de longe e até noutras épocas em que não havia crises. Habitualmente, começa na imprensa escrita, a seguir na falada, seguem manifestações do Bloco de Esquerda e do PCP e, em pouco tempo, pelo desgaste, o governo cai. Claro que, como é hábito, com o beneplácito e falta de jeito sempre do primeiro-ministro. No caso deste Governo os deslizes, a começar com Relvas, foram imensos.
O que me leva a questionar se, de facto, aceitaremos um qualquer governo mesmo de salvação nacional, como é o caso de Itália e em que, naquele país, consegue obter as simpatias de mais de 50 por cento dos italianos.
É certo que também se as forças vivas da sociedade apontam as metralhadoras ao executivo, também não é menos certo, que esta coligação ministerial está completamente divorciada do país. Isto mesmo aconteceu com Cavaco Silva e com Sócrates ao obterem maiorias absolutas. Penso que ao consegui-las foram tomados do espírito do imperador. Ou seja, imaginaram-se divindades, todo-poderosos de plenos poderes, senhores de todos os destinos, e transformaram-se em autistas insensíveis. Os resultados estão à vista, basta olhar para a história recente.
Por outro lado, acho uma coisa incrível, esta facilidade de passar de bestial a besta. E neste Governo, sem os enumerar, há vários. O que me leva a pensar que entrar num qualquer governo é queimar uma reputação –daí talvez se entenda os lugares de “cunha” a seguir propostos aos ex-ministros. E a pergunta surge assim: num futuro próximo quem vamos ter na política? Apesar de ainda não termos atingido um estado apoplético, já se verifica uma mediocridade acentuada. Se, tal como se pretende, se baixarem os salários a quem exerce serviço público quem ousa, nestas condições, aceitar ser incinerado na praça pública?
Talvez valha a pena pensar nisto.



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