Naquele frio inverno de há dois
anos assisti ao seu parto difícil, como difícil é materializar algo que se
imaginou durante anos, dias e noites sempre a fio. Se fosse fácil realizar o
sonho provavelmente ninguém perderia tempo a sonhar, nem acordado nem a dormir.
Idealizar acordado é um exercício da vontade, em pensamento racional e na
ambição do querer; fantasiar a dormir é uma experiência incontrolável, da
imaginação do inconsciente. Segundo Freud, os sonhos noturnos são gerados na busca
de desejos, ou medos, reprimidos. Não se sabe ao certo, mas especulo que a
realização de algo apetecido e engendrado durante muito tempo será sempre uma
mistura na confluência da noite e do dia, e quanto mais amargo e difícil for a
sua concretização, e o desejo se alongar, mais doce será o seu alcançar.
Naquele novembro passado, nasceu
na Rua do Corvo mesmo em frente à Ricarlina. Aquele estabelecimento era uma
“menina” traquina, de olhos vivos, doces, e muita, muita, cor. Se lhe
pudéssemos escolher uma graça, um nome, poderia ser Primavera símbolo de vida e
regeneração-, Sol –modelo de luz e multiplicação-, Lua –paradigma da beleza e
do amor eterno. Mas não, a sua “mãe”, a Andreia Ferreira, uma jovem que ousava
acreditar nas estrelas, escolheu um nome invulgar: Maquarie –o que também não
conflitua, tendo em conta a analogia à ilha no Pacífico. Afinal, produzir uma
ideia, no fundo, é uma ilha no oceano societário. Aquele “rebento” para a sua
criadora era a alma do seu viver. Era uma extensão do seu ser em cordão
umbilical. Em espírito, um pouco como o seu primeiro filho. Era o mostrar ao
mundo que o homem sonha e obra nasce, e é nesta grandiosidade de coisa que o
humano mostra a sua utilidade social. Uma construção feita em tijolo e
argamassa, idealizada nos interstícios da mente, de uma jovem que, durante
muitos anos, foi empregada num grande centro comercial e tantas vezes pensou:
“um dia vou ter o meu negócio!”
Mas o sonho não durou. Aquela outrora
montra brilhante, onde se “encontravam peças de autor e de artistas de
criatividade ímpar, criadores que amavam o que faziam, artesãos que aliavam
saberes e técnicas tradicionais e modernas, pessoas que se empenham no
perfeccionismo dos pequenos detalhes”, nesta última semana, apareceu forrada a
papel pintado à mão e representando flores e passarinhos a voar. Nesta imagem apologética,
em palavras de silêncio, a quem tiver um minuto de olhar, quer dizer que a “Maquarie
pretendia promover a consciencialização e sensibilização comum para o valor
real de cada objecto” e, como quem parte sem escolher o seu destino, “se
despede com a consciência de tudo o que ainda há por fazer e sentimento do
dever não cumprido.”
Na porta principal, a ilustrar
que as palavras escritas podem perpetuar a dor eterna, um poema rima assim:
“Sentes um tempo que acabou/primavera de flor adormecida/ qualquer coisa que
não volta, que voou/ que foi um rio, um ar na tua vida”. “Sabes o desenho do
adeus/ é fogo que nos queima devagar/ e no lento cerrar dos olhos teus/ fica a
esperança de um dia aqui voltar.”
Se vivêssemos numa sociedade mais
justa e perfeita, menos individualizada e egoísta, submissa ao sucesso, e que
fosse mais preocupada com a vida do que com a morte, certamente que no
empreendedorismo, nas escolas públicas, na Universidade, se apoiariam totalmente os
iniciados que dão os primeiros passos nos trilhos do futuro e da esperança. Mas
infelizmente é o contrário. Aos principiantes, como prova de competência
apriorística e absurda, que são examinados sem terem tempo de mostrar o que valem,
fecham-se todas as portas, liquidam-se todas as quimeras. Aos outros, que
caminham erectos e insensíveis na solidariedade humana e apenas com os olhos
postos no seu enormíssimo ego, abrem-se portões, janelas e alçapões. Como se fosse
pouco, ainda se idolatra o seu percurso, mesmo que o êxito tenha sido à custa
da exterminação de muitos. Quantos sonhos se enterram vivos, cheios de pujança,
com tanto para dar, e sem direito a epitáfio? Será que, neste aceitar
pacificamente sem questionar, não somos todos coveiros?
4 comentários:
Muito obrigada Sr. Luís!
Está fantástico, mal me conhece, mas devo ser "transparente" porque conhece e exprime melhor que eu toda a minha essência.
Muito obrigada por tudo.
Beijinhos Andreia
Muito obrigada Sr. Luís!
Está fantástico, mal me conhece, mas devo ser "transparente" porque conhece e exprime melhor que eu toda a minha essência.
Muito obrigada por tudo.
Beijinhos Andreia
Muito obrigada Sr. Luís!
Está fantástico, mal me conhece, mas devo ser "transparente" porque conhece e exprime melhor que eu toda a minha essência.
Muito obrigada por tudo.
Beijinhos Andreia
Muito obrigada Sr. Luís!
Está fantástico, mal me conhece, mas devo ser "transparente" porque conhece e exprime melhor que eu toda a minha essência.
Muito obrigada por tudo.
Beijinhos Andreia
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