terça-feira, 18 de setembro de 2012

DEPOIS DA ARRUADA PARAR PARA PENSAR



 "No dia 15 de Setembro o país tomou as ruas para dizer BASTA!, naquelas que foram as maiores manifestações populares desde o 1º de Maio de 1974. Exigimos o rasgar do memorando da Troika e a demissão deste governo troikista.

Se o governo não escuta, que escute o Presidente da República e o seu Conselho de Estado.

Não é não! 

Não queremos apenas mudanças de nomes, queremos mudanças de facto. A 21 de Setembro iremos concentrarmo-nos junto à Câmara Municipal (Coimbra) para demonstrar que 15 de Setembro não foi uma mera catarse colectiva, mas um desejo extraordinário de MUDANÇA DE RUMO!"




 Recebi este convite do João José Cardoso para participar numa manifestação, no próximo dia 21, junto à Câmara Municipal de Coimbra. Como se sabe, esta data é a da convocação do Conselho de Estado pelo Presidente da República (PR) para analisar a situação política do país.
No meu entendimento é um erro fazer esta concentração neste dia. A meu ver é ilegítimo pressionar este órgão consultivo do Estado. Goste-se ou não do estilo de Cavaco Silva, do ponto de vista da cidadania responsável, é imoral obrigar o PR a tomar decisões. É bom lembrar que é o futuro da Nação que está em jogo. Depois do resultado das manifestações populares, estando o sinal de cartão amarelo dado, esta forma de coacção não cai bem. É preciso acreditar nas instituições. Aníbal Cavaco Silva fez o que tinha a fazer. Agora é preciso confiar e aguardar serenamente as medidas a tomar pelo Chefe de Estado.
Vamos por partes. Os protestos do passado dia 15, organizados pela esquerda através das redes sociais, foram um sucesso indiscutível. Mais, a abstenção de bandeiras partidárias ou sindicais, a renúncia da direita radical em provocar ou enveredar pela violência gratuita foi uma lição de cidadania. Igualmente, a PSP deu um ensinamento a todos na sua pacífica postura –e, já agora que ninguém nos ouve, também na contabilização da manifestação.
Agora, depois do estrondoso sucesso, com medidas avulsas de intimações pontuais, é preciso não deitar tudo a perder. E, a meu ver, esta convocação é uma medida avulsa. Porque, antes de mais, tem de se conseguir entender o que levou pessoas de todos os estratos sociais e sem filiação ideológica ou partidária a participar nos protestos. E já agora, afinal, o que levou o povo para a rua? Teria sido o querer rasgar o memorando da Troika? Teria sido a exigência da demissão do Governo?

PRETENDE-SE DAR O DITO POR NÃO? 

 A meu ver nenhuma destas duas medidas passa pela cabeça da maioria dos cidadãos. No tocante ao rasgar o memorando, estou convencido que o cidadão comum, maioritariamente, sabe que o que se assinou –mal ou bem, embora eu pense que mal- é um contrato, e um contrato é um acordo entre duas ou mais partes que deve ser sempre cumprido –salvo se nas suas condições atentar contra a lei geral e, numa série de premissas, possa ser considerado ilegal. Se foi legal a sua ratificação, no estrito conceito da boa-fé, nenhuma das partes o pode renegar. Pode é haver razões não previstas no acto da celebração que levem a um conjunto de alterações. Mas alterar não é anular. Trata-se simplesmente de renegociar o mesmo tratado, mas agora à luz dos novos acontecimentos e que na altura da assinatura, em princípio, não eram adivinháveis. O povo português, apesar da erosão dos valores, creio que nas questões contratuais continua a ser conservador. Ou seja, quer cumprir o acordo com a Troika mas exige mais prazo para poder pagar, uma vez que as condições conjunturais, em que entram as várias medidas aplicadas pelo Governo, levaram ao aumento de desemprego e, em subsequência, à diminuição de rendimentos da população. Por outro lado exigem um tratamento fiscal equitativo, não penalizando sempre os mesmos, e mostrando que é urgente tributar o grande capital, baixar as grandes reformas para níveis médios e subir as mínimas. Está de ver que se repudia a contínua desvalorização dos salários e, em paradoxo, os produtos essenciais ao bem-estar, como água, energia, comunicações e combustíveis, continuam a subir em flecha. Salvo melhor opinião, estas são as verdadeiras razões que levaram milhares de pessoas para a via pública a tomar partido no presente para, em seu nome e nos seus descendentes, resistirem e todos terem lugar no futuro.

QUER-SE A DEMISSÃO DO GOVERNO?

 Por outro lado, a meu ver, estas manifestações maciças dos portugueses também não pretenderam a demissão do Governo. Antes sim, quiseram alertar com veemência que as suas políticas estão a provocar o empobrecimento contínuo da classe média, a miséria e a morte dos mais carenciados e endividados –nunca se assistiu a tantos suicídios como actualmente.
Mais ainda, acima de tudo não se pretendeu a demissão deste Governo porque não se considera um próximo, liderado por António José Seguro, uma opção credível. O Partido Socialista esteve no anterior executivo, é um dos responsáveis pelo quadro financeiro e económico, e contribuiu para esta situação. Pode até Seguro vir a revelar-se um grande líder, mas as pessoas que vão constituir o seu executivo, provavelmente, serão as mesmas que acompanharam José Sócrates nos últimos seis anos, e os eleitores sabem isso.
Em resumo, se a esquerda, no convite e na organização desta grande demonstração de repúdio pelas políticas governamentais seguidas, esteve muito bem e aparentou uma grande maturidade e responsabilidade cívica, agora, depois do sucesso, se quer continuar a ter o povo ao seu lado, tem de insistir a mostrar que é credível e não pretende instrumentalizar o colectivo. É bom não se pensar, embandeirando em arco, que por se ganhar esta primeira batalha, juntando cerca de um milhão de portugueses, agora, por dá cá aquela palha, vai sempre acontecer o mesmo. Os objectivos terão de ser muito claros e sem que se vislumbre manipulação. O povo não é estúpido e sabe muito bem o que quer.

(PAUSA PARA BEBER UM CAFÉ)

O QUE AINDA NÃO SE DISSE

 Não preciso de escrever o que se vê a olhos largos: que não percebo patavina de nada. Escrevo estes disparates para não estar quieto. Ou seja, o que quero dizer é que a minha voz de burro não chegará ao céu. Em boa verdade também não quero que chegue, porque nem sou asno nem existe céu. Mesmo assim, como se a minha opinião contasse para alguma coisa, como se me colocasse em bicos de pés, vou escrevendo o que penso e o que me vai na alma.
O que mais se tem lido na imprensa, e sobretudo de reconhecidos “opinion makers”, é que este Governo é ultra liberal e mais nada. A discussão, a meu ver, tendenciosa e de pouco conteúdo analítico, acaba aqui. Será assim? Não se aproveita nada, nada, deste executivo?
Sob o meu vesgo olhar, este Governo está a ser vítima das circunstâncias. De certa maneira aconteceu o mesmo com Sócrates, mas, talvez por que este, na legislatura passada, tivesse margem de manobra, foi intervalando com uns aumentos à populaça aqui e ali, e as coisas foram passando. O problema desta governança é querer e ter de fazer reformas sociais, económicas e políticas em cima do joelho –também porque está obrigado pela Troika- que não se fizeram durante o último século. Em metáfora, é como um indivíduo que durante toda a sua longa vida nunca foi ao médico. Agora, já com muita idade, gordo que nem um texugo e cheio de vícios alimentares, vai ao clínico pela primeira vez. Este, perante o quadro alargado de doenças, da diabetes, do colesterol, da hipertensão, da ansiedade, para além de lhe aconselhar uma brutal dieta, receita-lhe uma carrada de medicamentos. Acontece que os efeitos de uns fármacos colidem com outros e podem provocar-lhe a morte precocemente. Como é que se faz? Toma tudo e vai desta para melhor ou toma só alguns e morre na mesma por não ser medicado por outra enfermidade fatal. Qual é aqui o mal menor?
Continuando, e depois desta analogia para se entender melhor, este Governo está certo na forma mas errado na substância –receitou ao doente os medicamentos que, entre si, provocam reações alérgicas e que conduzem à morte.
Todas estas reorganizações políticas deveriam ter sido feitas há uma década atrás e faseadamente. Ao levá-las agora para a frente, sobretudo com a desvalorização do rendimento do trabalho, inevitavelmente, nem que seja pelo insucesso, ficarão muito aquém. E, se calhar, mais uma vez, pelo caminho.

VAMOS VER ALGUNS CASOS: A TSU

 Por exemplo, estas alterações nas contribuições da Segurança Social (SS) estão erradas? Não, estão certíssimas. O problema foi o “timing” escolhido –por isso escrevo que está certo na forma e errado na substância. E porque é que estão certas? Porque era (é) imoral um patrão pagar 23,75 para a SS e um seu empregado contribuir apenas com 11 por cento. Se não vejamos, o patrão cria emprego, paga ordenado e, em caso de falência, não tem direito a subsídio de desemprego; o funcionário, pagando menos de metade tem mais prerrogativas do que o empregador

O REGIME DE ARRENDAMENTO URBANO

 O caso das alterações das rendas habitacionais e comerciais é outra amostra do desleixo político de mais de um século. Será justa esta mexida que entrará em vigor no próximo Novembro? É, sem dúvida. Porém, por estar fora de tempo útil e vindo num momento de grave carência económica dos assalariados e dos pequenos operadores comerciais, é imoral e, curiosamente, passa de necessária a injusta. Mais ainda, pelos danos colaterais previsíveis, pode provocar na sociedade muita tensão, se não tumultos muito graves.

CÓDIGO DO TRABALHO

 Por muito que se espingardeie contra as recentes alterações laborais, em face da acentuada queda da economia a partir de finais de 2001, eram absolutamente necessárias. Não se podia continuar a levar empresas para a falência só porque não era possível reduzir o quadro de pessoal, a não ser contra altíssimas indemnizações aos despedidos. Por causa desta dureza e insensibilidade dos governos nacionais, após atentados das torres gêmeas, teriam falido centenas, senão milhares de empregadores em Portugal. Estará certo ter sido feita agora? Penso que não. Peca por tardia e leva a constantes abusos sobre a parte mais vulnerável, os empregados. Já se fala em escravidão laboral.

CORTE DE SUBSÍDIOS

Antes de analisar a justeza da medida convém esclarecer que os 13º e 14º meses foram sempre uma forma encapotada de esconder os baixos salários. Estes subsídios sempre foram uma compensação por uma retribuição de miséria, comparativamente com os restantes países europeus. Nunca houve coragem para progressivamente elevar os salários e cortar definitivamente com os suplementos.
O que este Governo fez está de todo errado? Formalmente não, na filosofia adjacente, mas completamente errado na substância e na altura. Ao retirar os subsídios a retribuições salariais de miséria sem a justa compensação, como disse, é uma afronta, mas aumentando os escalões de IRS, o IVA e agora a TSU passa a ser um confisco. Isto é, o Governo, através deste ataque aos rendimentos das famílias, está a contribuir para a escravidão social e perda de dignidade colectiva.

APOSENTAÇÕES

 Muito se tem metralhado o Governo por causa de ter retirado os subsídios aos reformados. Tal como o que escrevi atrás, é meu entendimento que esta medida, mais uma vez, peca por tardia, está fora do contexto de actualidade e, sobretudo as baixas reformas porque não foram acauteladas por compensação, acentua as assimetrias sociais.
E porque digo que peca por tardia? Porque, apesar do contraditório e mesmo alegando que se descontou sobre 14 meses, não faz sentido um reformado receber num ano 14 prestações –já para não falar nas acumulações. Mais uma vez, repito, estes subsídios para as aposentações baixas eram um disfarce para esconder o pouco, uma espécie de esmola para quem trabalhou uma vida inteira. Para as reformas grandes sempre foram um abuso de confiança, um escândalo, na equidade social. O que é necessário fazer –e até agora o Governo não fez- é estabelecer um tecto máximo para as mais altas e para as mais baixas. Ou seja, baixando as altas e subindo as baixas, para além de promover o equilíbrio social, o Estado ainda aforraria e garantiria a solvência futura da Segurança Social –lembro que a Suíça tem um “plafond” máximo nas reformas: 1700 euros. Nenhum reformado pode amontoar outra em cima da que aufere.
Não fui muito longo, pois não? Calculo que não. Obrigado… se leu tudo. Mas, algo me diz que você leu este lençol de bicicleta. Está perdoado. Eu no seu lugar faria o mesmo. Só um parvo como eu acredita que alguém aguenta um arrazoado destes.

(Ah, é verdade, não se mace a atirar-me com o que tiver mais perto à cabeça. Não vale a pena porque já   fugi do seu alcance)


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