"No dia 15 de Setembro o país
tomou as ruas para dizer BASTA!, naquelas que foram as maiores manifestações
populares desde o 1º de Maio de 1974. Exigimos o rasgar do memorando da Troika
e a demissão deste governo troikista.
Se o governo não escuta, que escute o Presidente da República e o seu Conselho
de Estado.
Não é não!
Não queremos apenas mudanças de nomes, queremos mudanças de facto. A 21 de
Setembro iremos concentrarmo-nos junto à Câmara Municipal (Coimbra) para
demonstrar que 15 de Setembro não foi uma mera catarse colectiva, mas um desejo
extraordinário de MUDANÇA DE RUMO!"
Recebi este convite do João José
Cardoso para participar numa manifestação, no próximo dia 21, junto à Câmara
Municipal de Coimbra. Como se sabe, esta data é a da convocação do Conselho de
Estado pelo Presidente da República (PR) para analisar a situação política do
país.
No meu entendimento é um erro
fazer esta concentração neste dia. A meu ver é ilegítimo pressionar este órgão
consultivo do Estado. Goste-se ou não do estilo de Cavaco Silva, do ponto de
vista da cidadania responsável, é imoral obrigar o PR a tomar decisões. É bom
lembrar que é o futuro da Nação que está em jogo. Depois do resultado das
manifestações populares, estando o sinal de cartão amarelo dado, esta forma de
coacção não cai bem. É preciso acreditar nas instituições. Aníbal Cavaco Silva fez
o que tinha a fazer. Agora é preciso confiar e aguardar serenamente as medidas
a tomar pelo Chefe de Estado.
Vamos por partes. Os protestos do
passado dia 15, organizados pela esquerda através das redes sociais, foram um
sucesso indiscutível. Mais, a abstenção de bandeiras partidárias ou sindicais,
a renúncia da direita radical em provocar ou enveredar pela violência gratuita
foi uma lição de cidadania. Igualmente, a PSP deu um ensinamento a todos na sua
pacífica postura –e, já agora que ninguém nos ouve, também na contabilização da
manifestação.
Agora, depois do estrondoso
sucesso, com medidas avulsas de intimações pontuais, é preciso não deitar tudo
a perder. E, a meu ver, esta convocação é uma medida avulsa. Porque, antes de
mais, tem de se conseguir entender o que levou pessoas de todos os estratos
sociais e sem filiação ideológica ou partidária a participar nos protestos. E
já agora, afinal, o que levou o povo para a rua? Teria sido o querer rasgar o
memorando da Troika? Teria sido a exigência da demissão do Governo?
PRETENDE-SE DAR O DITO POR NÃO?
A meu ver nenhuma destas duas medidas
passa pela cabeça da maioria dos cidadãos. No tocante ao rasgar o memorando,
estou convencido que o cidadão comum, maioritariamente, sabe que o que se
assinou –mal ou bem, embora eu pense que mal- é um contrato, e um contrato é um
acordo entre duas ou mais partes que deve ser sempre cumprido –salvo se nas
suas condições atentar contra a lei geral e, numa série de premissas, possa ser
considerado ilegal. Se foi legal a sua ratificação, no estrito conceito da
boa-fé, nenhuma das partes o pode renegar. Pode é haver razões não previstas no
acto da celebração que levem a um conjunto de alterações. Mas alterar não é
anular. Trata-se simplesmente de renegociar o mesmo tratado, mas agora à luz
dos novos acontecimentos e que na altura da assinatura, em princípio, não eram
adivinháveis. O povo português, apesar da erosão dos valores, creio que nas
questões contratuais continua a ser conservador. Ou seja, quer cumprir o acordo
com a Troika mas exige mais prazo para poder pagar, uma vez que as condições
conjunturais, em que entram as várias medidas aplicadas pelo Governo, levaram
ao aumento de desemprego e, em subsequência, à diminuição de rendimentos da
população. Por outro lado exigem um tratamento fiscal equitativo, não
penalizando sempre os mesmos, e mostrando que é urgente tributar o grande
capital, baixar as grandes reformas para níveis médios e subir as mínimas. Está
de ver que se repudia a contínua desvalorização dos salários e, em paradoxo, os
produtos essenciais ao bem-estar, como água, energia, comunicações e
combustíveis, continuam a subir em flecha. Salvo melhor opinião, estas são as
verdadeiras razões que levaram milhares de pessoas para a via pública a tomar
partido no presente para, em seu nome e nos seus descendentes, resistirem e todos
terem lugar no futuro.
QUER-SE A DEMISSÃO DO GOVERNO?
Por outro lado, a meu ver, estas
manifestações maciças dos portugueses também não pretenderam a demissão do
Governo. Antes sim, quiseram alertar com veemência que as suas políticas estão
a provocar o empobrecimento contínuo da classe média, a miséria e a morte dos
mais carenciados e endividados –nunca se assistiu a tantos suicídios como actualmente.
Mais ainda, acima de tudo não se
pretendeu a demissão deste Governo porque não se considera um próximo, liderado
por António José Seguro, uma opção credível. O Partido Socialista esteve no
anterior executivo, é um dos responsáveis pelo quadro financeiro e económico, e
contribuiu para esta situação. Pode até Seguro vir a revelar-se um grande
líder, mas as pessoas que vão constituir o seu executivo, provavelmente, serão
as mesmas que acompanharam José Sócrates nos últimos seis anos, e os eleitores
sabem isso.
Em resumo, se a esquerda, no
convite e na organização desta grande demonstração de repúdio pelas políticas governamentais
seguidas, esteve muito bem e aparentou uma grande maturidade e responsabilidade
cívica, agora, depois do sucesso, se quer continuar a ter o povo ao seu lado,
tem de insistir a mostrar que é credível e não pretende instrumentalizar o
colectivo. É bom não se pensar, embandeirando em arco, que por se ganhar esta
primeira batalha, juntando cerca de um milhão de portugueses, agora, por dá cá
aquela palha, vai sempre acontecer o mesmo. Os objectivos terão de ser muito
claros e sem que se vislumbre manipulação. O povo não é estúpido e sabe muito
bem o que quer.
(PAUSA PARA BEBER UM CAFÉ)
O QUE AINDA NÃO SE DISSE
Não preciso de escrever o que se
vê a olhos largos: que não percebo patavina de nada. Escrevo estes disparates
para não estar quieto. Ou seja, o que quero dizer é que a minha voz de burro
não chegará ao céu. Em boa verdade também não quero que chegue, porque nem sou
asno nem existe céu. Mesmo assim, como se a minha opinião contasse para alguma
coisa, como se me colocasse em bicos de pés, vou escrevendo o que penso e o que
me vai na alma.
O que mais se tem lido na
imprensa, e sobretudo de reconhecidos “opinion makers”, é que este Governo é
ultra liberal e mais nada. A discussão, a meu ver, tendenciosa e de pouco conteúdo
analítico, acaba aqui. Será assim? Não se aproveita nada, nada, deste executivo?
Sob o meu vesgo olhar, este Governo está a ser
vítima das circunstâncias. De certa maneira aconteceu o mesmo com Sócrates,
mas, talvez por que este, na legislatura passada, tivesse margem de manobra,
foi intervalando com uns aumentos à populaça aqui e ali, e as coisas foram
passando. O problema desta governança é querer e ter de fazer reformas sociais,
económicas e políticas em cima do joelho –também porque está obrigado pela Troika-
que não se fizeram durante o último século. Em metáfora, é como um indivíduo
que durante toda a sua longa vida nunca foi ao médico. Agora, já com muita
idade, gordo que nem um texugo e cheio de vícios alimentares, vai ao clínico pela
primeira vez. Este, perante o quadro alargado de doenças, da diabetes, do
colesterol, da hipertensão, da ansiedade, para além de lhe aconselhar uma
brutal dieta, receita-lhe uma carrada de medicamentos. Acontece que os efeitos
de uns fármacos colidem com outros e podem provocar-lhe a morte precocemente.
Como é que se faz? Toma tudo e vai desta para melhor ou toma só alguns e morre
na mesma por não ser medicado por outra enfermidade fatal. Qual é aqui o mal
menor?
Continuando, e depois desta
analogia para se entender melhor, este Governo está certo na forma mas errado
na substância –receitou ao doente os medicamentos que, entre si, provocam
reações alérgicas e que conduzem à morte.
Todas estas reorganizações
políticas deveriam ter sido feitas há uma década atrás e faseadamente. Ao
levá-las agora para a frente, sobretudo com a desvalorização do rendimento do
trabalho, inevitavelmente, nem que seja pelo insucesso, ficarão muito aquém. E,
se calhar, mais uma vez, pelo caminho.
VAMOS VER ALGUNS CASOS: A TSU
Por exemplo, estas alterações nas
contribuições da Segurança Social (SS) estão erradas? Não, estão certíssimas. O
problema foi o “timing” escolhido –por isso escrevo que está certo na forma e
errado na substância. E porque é que estão certas? Porque era (é) imoral um
patrão pagar 23,75 para a SS e um seu empregado contribuir apenas com 11 por
cento. Se não vejamos, o patrão cria emprego, paga ordenado e, em caso de falência,
não tem direito a subsídio de desemprego; o funcionário, pagando menos de
metade tem mais prerrogativas do que o empregador
O REGIME DE ARRENDAMENTO URBANO
O caso das alterações das rendas
habitacionais e comerciais é outra amostra do desleixo político de mais de um
século. Será justa esta mexida que entrará em vigor no próximo Novembro? É, sem
dúvida. Porém, por estar fora de tempo útil e vindo num momento de grave
carência económica dos assalariados e dos pequenos operadores comerciais, é
imoral e, curiosamente, passa de necessária a injusta. Mais ainda, pelos danos colaterais
previsíveis, pode provocar na sociedade muita tensão, se não tumultos muito
graves.
CÓDIGO DO TRABALHO
Por muito que se espingardeie
contra as recentes alterações laborais, em face da acentuada queda da economia
a partir de finais de 2001, eram absolutamente necessárias. Não se podia
continuar a levar empresas para a falência só porque não era possível reduzir o
quadro de pessoal, a não ser contra altíssimas indemnizações aos despedidos.
Por causa desta dureza e insensibilidade dos governos nacionais, após atentados
das torres gêmeas, teriam falido centenas, senão milhares de empregadores em
Portugal. Estará certo ter sido feita agora? Penso que não. Peca por tardia e
leva a constantes abusos sobre a parte mais vulnerável, os empregados. Já se
fala em escravidão laboral.
CORTE DE SUBSÍDIOS
Antes de analisar a justeza da
medida convém esclarecer que os 13º e 14º meses foram sempre uma forma encapotada
de esconder os baixos salários. Estes subsídios sempre foram uma compensação
por uma retribuição de miséria, comparativamente com os restantes países
europeus. Nunca houve coragem para progressivamente elevar os salários e cortar
definitivamente com os suplementos.
O que este Governo fez está de todo
errado? Formalmente não, na filosofia adjacente, mas completamente errado na
substância e na altura. Ao retirar os subsídios a retribuições salariais de
miséria sem a justa compensação, como disse, é uma afronta, mas aumentando os
escalões de IRS, o IVA e agora a TSU passa a ser um confisco. Isto é, o
Governo, através deste ataque aos rendimentos das famílias, está a contribuir
para a escravidão social e perda de dignidade colectiva.
APOSENTAÇÕES
Muito se tem metralhado o Governo
por causa de ter retirado os subsídios aos reformados. Tal como o que escrevi
atrás, é meu entendimento que esta medida, mais uma vez, peca por tardia, está
fora do contexto de actualidade e, sobretudo as baixas reformas porque não
foram acauteladas por compensação, acentua as assimetrias sociais.
E porque digo que peca por
tardia? Porque, apesar do contraditório e mesmo alegando que se descontou sobre
14 meses, não faz sentido um reformado receber num ano 14 prestações –já para
não falar nas acumulações. Mais uma vez, repito, estes subsídios para as
aposentações baixas eram um disfarce para esconder o pouco, uma espécie de
esmola para quem trabalhou uma vida inteira. Para as reformas grandes sempre
foram um abuso de confiança, um escândalo, na equidade social. O que é
necessário fazer –e até agora o Governo não fez- é estabelecer um tecto máximo
para as mais altas e para as mais baixas. Ou seja, baixando as altas e subindo
as baixas, para além de promover o equilíbrio social, o Estado ainda aforraria
e garantiria a solvência futura da Segurança Social –lembro que a Suíça tem um “plafond”
máximo nas reformas: 1700 euros. Nenhum reformado pode amontoar outra em cima
da que aufere.
Não fui muito longo, pois não?
Calculo que não. Obrigado… se leu tudo. Mas, algo me diz que você leu este
lençol de bicicleta. Está perdoado. Eu no seu lugar faria o mesmo. Só um parvo
como eu acredita que alguém aguenta um arrazoado destes.
(Ah, é verdade, não se mace a atirar-me com o que tiver mais perto à cabeça. Não vale a pena porque já fugi do seu alcance)
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