Para além da coluna "Memória: "A Perfumaria Pétala (2)", deixo também os textos "Reflexão: Perdidos" e "Feira do Bota-abaixo, o paradigma de Coimbra".
MEMÓRIA: A PERFUMARIA PÉTALA (2)
Armindo Gaspar, um reputado
comerciante da cidade, fala-nos da sua vida e da Baixa. Com a sua longa experiência,
como encara esta vaga destruidora de encerramentos nos pequenos negócios? Vamos
dar-lhe a palavra. “Vivemos um tempo de sobrevivência. Cada vez se vende menos
-e o que se vende é à custa do esmagamento das margens de lucro. O nosso
ganha-pão, a pequena loja como a conhecemos, está em vias de extinção. Outras
formas de comercialização, como, por exemplo, a venda eletrónica, as grandes
áreas, estão a enterrar o comércio tradicional.
Esta geração, da qual faço parte,
teve mesmo azar. Trabalhámos para ajudar os nossos pais; arranhámo-nos a subir
a corda da vida e demos um futuro aos nossos filhos; viemos a cuidar novamente dos
nossos criadores na velhice; como não têm emprego, voltamos a olhar pelos
nossos descendentes; gerámos expectativas, pensando que teríamos uma velhice
desafogada, e, agora neste presente que estamos a viver, o que se nos afigura
são nuvens negras de incerteza.
Depois de tanto suar em sacrifícios, jamais
imaginei que ia passar tantas veredas de escolhos. Ser mercador hoje é ter um
pé na indigência. É não saber a distância que nos separa de onde viemos na
infância, como maldição de um retorno indesejável. Os comerciantes não têm quem
os defenda. Precisávamos de ter no executivo, ou na Assembleia Municipal,
alguém que fosse lojista, que soubesse dialogar e que fizesse a ponte entre os
nossos colegas e o elenco camarário. Um mediador que transmitisse as nossas
dificuldades, os nossos anseios, e levasse para as reuniões o nosso sofrimento
de lençóis de ansiedade. Pelo nosso passado de contribuição para a economia da
Nação, merecemos respeito. É indecente que um profissional da arte de vender,
depois de tantas décadas a descontar para a Segurança Social, num desprezo
absoluto da tutela, em completa discriminação e falta de equidade com os
demais, não tenha direito a subsídio de desemprego. É ultrajante! É demasiado
aviltante para ser aceite pacificamente. Já há fome encoberta entre os meus
colegas profissionais. Há lojistas na Baixa a passar muito mal. Tenho
conhecimento de muitos casos. Eu próprio, que recentemente dei a cara com
frontalidade e já vivi muito bem, assumo que, actualmente, tenho muitas
dificuldades. Pela dignidade de uma classe que merece muito respeito, é preciso
fazer alguma coisa.
Há excesso de oferta de espaços
comerciais, e, pela crise da economia, uma procura cada vez a cair mais. A
Baixa tem um potencial enorme. Vai ter que se direcionar noutras áreas,
fundamentalmente o turismo. Por parte dos comerciantes, para se salvar uma
parte, é inevitável uma adaptação a estes ventos que sopram em contraciclo, com
novas ofertas, novos horários, e de acordo, sempre, com as necessidades do
consumidor. Mesmo com a lição dos centros comerciais, que vieram abanar a nossa
frágil economia centralizada, o comércio tradicional não aprendeu nada.
Continua a querer impor velhos conceitos, ultrapassados, anacrónicos, e assentes
no contrário do que o cliente deseja. As lojas de compra e venda, para
persistirem no tempo que se avizinha, terão de ser arrojadas para cativar novos
clientes.
O Centro Histórico precisa de lojas-âncora. As entidades competentes
têm de sair dos gabinetes e irem ao encontro das marcas e, com benefícios,
assediá-las a virem para esta zona velha. A Baixa tem muitos problemas para
resolver com urgência. Deles, da sua resolução, estarão dependentes dezenas e
dezenas de famílias. É o problema da Avenida Central, que ou a abrem de vez
-com novas lojas de artigos de luxo, com espaços para as crianças brincarem,
com fraldários, com casas de banho públicas, em suma, uma artéria de excelência
que até pode ser concorrencial com o que cá existe, mas, em complemento, trará
novos públicos, novas gentes, casais para morar aqui- ou então naquele buraco
construam uma valência que sirva para exposições permanentes, como, por
exemplo, a feira do livro –será mensurável o que a edilidade gastou nas últimas
décadas em exposições itinerantes?
Quem decide, por parte da
autarquia, tem de sair dos gabinetes, vir para a rua, e, com humildade, saber
ouvir quem cá mora e trabalha. Os privados, conjuntamente com as autoridades
públicas, num novo acordo social de emergência, têm de dar as mãos para salvar
esta zona comercial, que, em extensão e diversidade de oferta, é uma das
melhores do país. Todos nós temos soluções, o problema é que apresentamo-las a
quem de direito e esperamos pela resposta que nunca chega. Não somos reconhecidos
como parceiros interessados -tanto saber fazer, em experiência, que é
desperdiçado! Os políticos, quando respondem às ideias propostas, que é raro,
ou deixam passar o prazo de oportunidade, ou, numa apatia de provocação, ignorando,
não respondem e deixam cair o plano apresentado.
Perguntavas-me se eu vejo futuro
para a Baixa? Eu acredito que sim, agora se vou aguentar até lá, isso, já não
sei. É certo que o destino a Deus pertence. Mas, uma coisa tenho a certeza: as
pessoas que outrora viveram aqui e saíram vão retornar novamente. Está perto de
tudo. Esta área da cidade é um paraíso!”
REFLEXÃO: PERDIDOS
A semana passada, no dia 26 de
Abril, foram desligados os emissores analógicos de televisão. Agora passou-se a
emitir em sinal digital para todo o país.
Se lográssemos aprender com a mãe
Natureza veríamos que nesta tudo muda lentamente, passo a passo, sem agressões
ao meio envolvente. Porém não queremos saber destes bons exemplos. Obviamente
que não sou contra o progresso, desde que o processamento evolutivo decorra naturalmente,
de uma forma paulatina e com respeito por todos. O que assistimos neste
processo de substituição do sinal foi um corte brutal, atentatório ao direito
de um serviço essencial de massas, com o que estávamos habituados. E não refiro
apenas o facto de algumas partes do país, depois deste apagão, ficarem sem
sinal. O que quero dizer é que neste desligamento não foi levado em conta a
situação de fragilidade financeira –porque é necessário adquirir um adaptador-
e, sobretudo, a ignorância, enquanto “info-excuídos”, de muitos idosos, que, de
repente, sem fazerem mal a ninguém, se viram sem a sua única companhia diária:
a televisão.
FEIRA DO BOTA-ABAIXO, O PARADIGMA
DE COIMBRA
Depois de ser anunciado em
primeira página n”O Despertar, na edição de 23 de março, de que “inaugurar a
Feira do Bota Abaixo no próximo dia 15 de abril, no mesmo dia em que comemora
123 anos, é o grande desejo da Associação Humanitária” eis que, nesta última
segunda-feira, em carta dirigida aos associados, João Silva, presidente da
direção dos Bombeiros Voluntários de Coimbra (BVC), anuncia que “com a sensação
desconfortável de frustração por não conseguir levar à prática uma
iniciativa que considero poderia ser um contributo positivo para a
revitalização da Baixa da cidade (…) não vai avançar com a realização da Feira
do Bota Abaixo.”
E qual o motivo da não
realização? A resposta está na mesma comunicação: “Acontece que numa
reavaliação das implicações que um evento desta natureza implica para esta
Associação, tendo em conta as suas capacidades estruturais internas e tendo,
sobretudo, verificado uma relevante ausência de respostas positivas, por parte
de cidadãos que voluntariamente, no âmbito desta instituição, se dispusessem a
colaborar na sua organização (…)”
Antes de prosseguir, como ressalva
de interesses, para se entender o que vou escrever, tenho de dizer que esta
ideia de realizar uma feira ao domingo na Baixa foi minha. Em 22 de fevereiro,
depois de ir pessoalmente ao quartel, apresentei por escrito um anteprojecto de
ideias que serviriam para revitalizar o Largo das Olarias e mais propriamente a
Baixa no último dia da semana. No dia 29 de março realizou-se uma reunião
alargada a todos os associados de modo a conseguir “mão-de-obra” para o
certame. Estiveram presentes cerca de uma dezena de sócios. Alguns deles, para
além de o considerarem positivo para os bombeiros e para a cidade, manifestaram
a intenção de colaborarem no evento, incluindo eu a tempo inteiro. Então, a meu
ver, aconteceu o impensável: um dos presentes deu em achar dificuldades em
tudo. O dia escolhido, o domingo, era mau; poderia haver pancada; poderia haver
artigos roubados; poderia vir a ASAE; como é que se geria a questão dos
vendedores ciganos; e se fosse um falhanço a imagem dos bombeiros ficava
beliscada, etc., etc. De tal modo foi destruidor que tive de lhe perguntar a razão
de tanto pessimismo. Não gostou e saiu espavorido pela porta fora. Na reunião
fiz questão de dizer ao presidente que decidisse com liberdade e como
entendesse, no entanto, intuí imediatamente que o projeto, por parte dos BVC,
tinha morrido ali. Apesar deste sentimento continuei à espera da decisão final.
O que me interessou sempre foi a concretização e nunca de quem o realiza. Em 24
de abril enviei um mail a João Silva para que me informasse acerca do ponto da
situação. Não me respondeu. Passada uma semana, nesta última informação aos
associados, fiquei a saber que não haveria feira.
Ora bem, estou frustrado por os
BVC não terem abraçado a ideia? Não senhor, não é isso que me deixa azedo, até
porque, como escrevi, já esperava. O que me aborrece deveras é como fui
tratado. Ou seja, a ideia foi apresentada em 22 de Fevereiro; a reunião com
apoiantes foi em 29 de março. A sentença derradeira foi em 30 de abril. Dois
meses e tal, entre o conhecimento do plano e a decisão final, convenhamos, será
tempo de mais. A forma como ao longo deste tempo fui recebendo informação foi,
no mínimo, deficiente e caricato, para não dizer desrespeitosa. Depois
admiram-se que os cidadãos não se envolvam nas causas? Perante casos como este,
em que apresento ideias e sou ostracizado, às vezes penso que o problema reside
mesmo em mim. Tenho a mania de acreditar nas pessoas e envolver-me. Levo cada
sopapo que até fico zonzo. Ou será que isto não se passa apenas comigo e é o
paradigma da cidade?
Sem comentários:
Enviar um comentário