sexta-feira, 18 de maio de 2012

VENDER A ALMA EM TEMPO DE CRISE




 Quando pensamos numa casa de velharias o que imaginamos? Certamente um espaço onde todo o género de objetos, a maioria enferrujados, amontoados uns em cima dos outros, se compra e vende. Poucos cogitam que estas lojas, para além de serem um museu vivo e um relembrar da memória, sinalizada entre gerações, onde de certo modo o visitante pode tocar nos objetos, é também uma espécie de bolsa de valores onde, e em paridade, consoante os ciclos económicos, o índice sobe ou desce. Se a economia está em franco desenvolvimento haverá menos gente a querer vender e o seu preço mantém-se estável ou subirá conforme a raridade. Se, pelo contrário, está em queda acentuada, haverá mais pessoas a querem desfazer-se de bens que lhes estão colados na recordação, e, na lei da oferta e da procura, em subsequência pelo excesso da primeira, para além de perderem valor, como “tsunami”, arrastam tudo na sua passagem sôfrega e voraz para serem transformados em dinheiro.
Porém, acontece que, como a oferta é maior do que a procura, para além de provocar uma desvalorização acentuada nos produtos, uma deflação, inevitavelmente, estas casas, porque deixam de alienar, irá chegar uma altura em que, mesmo a um euro, não poderão adquirir seja o que for. E é aqui, neste estádio, que os dramas começam para ambos os lados. Por parte do particular, que quer vender por motivos vários, por exemplo para comprar um medicamento, perante a esperança frustrada, vê-se impotente e, como rio em tempo de enxurrada a saltar a margem, as lágrimas soltam-se pelo rosto amargurado com rugas de solidão. Por outro lado, porque quem está à frente destes estabelecimentos comerciais quase sempre são pessoas com uma sensibilidade acima da média, a tocar o sensitivo, é muito natural que, com os olhos a lacrimejar e o coração a latejar, puxe de uma nota e a dê sem nada comprar. Contudo, na análise, porque prefiro ir pela vereda psicológica mais sinuosa, a meu ver, neste ato de generosidade, para além do altruísmo, em catarse, estão vários sentimentos em conflito. Por um lado, neste dar sem aparentemente nada exigir em troca, estará muito da “caridade” de que falava Nietzsche, em que em toda a atitude filantrópica está imbuído um espírito de interesse próprio de autossatisfação. Por outro, nesta bondade do dador, haverá muito medo à mistura. Isto é, a maioria destes comerciantes que vendem coisas usadas ou são pessoas que emergem das raias da pobreza, ou, em muitos casos, desde a infância trazem consigo uma alma carecente de afeto e, este “dar”, não é mais do que a projeção egoísta que esse amor oferecido ao outro dá ao próprio. É evidente que poderemos perguntar se, afinal, todo o ato de dar, contrariamente ao que se pensa, não passa de uma forma narcisista de mostrar o afeto? Não sei. O espírito humano é muito complexo. E quem sou eu para aventar teorias?


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1 comentário:

Anónimo disse...

Ao lêr este seu texto,pareceu-me que queria dizer algo mais,ou seja,não disse tudo aquilo queria.Talvez por imperativos «jornalisticos» (para não ficar um texto muito grande),ou por outra razão qualquer(inclino-me mais para esta).Eu acho que entendi bem este seu desabafo,só ao alcance de alguém com uma sensibilidade acima da média,considerando que esta é mensuravel.
Já agora uma pergunta:estarei enganado ou hoje aconteceu alguma situação em que um «certo» proprietário de uma destas casas de velharias ficou a «matutar» depois do «cliente» sair da loja?
Um grande abraço,Luís