Quando pensamos numa casa de
velharias o que imaginamos? Certamente um espaço onde todo o género de objetos,
a maioria enferrujados, amontoados uns em cima dos outros, se compra e vende.
Poucos cogitam que estas lojas, para além de serem um museu vivo e um relembrar
da memória, sinalizada entre gerações, onde de certo modo o visitante pode
tocar nos objetos, é também uma espécie de bolsa de valores onde, e em
paridade, consoante os ciclos económicos, o índice sobe ou desce. Se a economia
está em franco desenvolvimento haverá menos gente a querer vender e o seu preço
mantém-se estável ou subirá conforme a raridade. Se, pelo contrário, está em
queda acentuada, haverá mais pessoas a querem desfazer-se de bens que lhes
estão colados na recordação, e, na lei da oferta e da procura, em subsequência
pelo excesso da primeira, para além de perderem valor, como “tsunami”, arrastam
tudo na sua passagem sôfrega e voraz para serem transformados em dinheiro.
Porém, acontece que, como a
oferta é maior do que a procura, para além de provocar uma desvalorização
acentuada nos produtos, uma deflação, inevitavelmente, estas casas, porque
deixam de alienar, irá chegar uma altura em que, mesmo a um euro, não poderão adquirir
seja o que for. E é aqui, neste estádio, que os dramas começam para ambos os lados.
Por parte do particular, que quer vender por motivos vários, por exemplo para
comprar um medicamento, perante a esperança frustrada, vê-se impotente e, como
rio em tempo de enxurrada a saltar a margem, as lágrimas soltam-se pelo rosto amargurado
com rugas de solidão. Por outro lado, porque quem está à frente destes
estabelecimentos comerciais quase sempre são pessoas com uma sensibilidade
acima da média, a tocar o sensitivo, é muito natural que, com os olhos a
lacrimejar e o coração a latejar, puxe de uma nota e a dê sem nada comprar.
Contudo, na análise, porque prefiro ir pela vereda psicológica mais sinuosa, a
meu ver, neste ato de generosidade, para além do altruísmo, em catarse, estão vários
sentimentos em conflito. Por um lado, neste dar sem aparentemente nada exigir
em troca, estará muito da “caridade” de que falava Nietzsche, em que em toda a
atitude filantrópica está imbuído um espírito de interesse próprio de autossatisfação.
Por outro, nesta bondade do dador, haverá muito medo à mistura. Isto é, a maioria
destes comerciantes que vendem coisas usadas ou são pessoas que emergem das
raias da pobreza, ou, em muitos casos, desde a infância trazem consigo uma alma
carecente de afeto e, este “dar”, não é mais do que a projeção egoísta que esse
amor oferecido ao outro dá ao próprio. É evidente que poderemos perguntar se,
afinal, todo o ato de dar, contrariamente ao que se pensa, não passa de uma
forma narcisista de mostrar o afeto? Não sei. O espírito humano é muito
complexo. E quem sou eu para aventar teorias?
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1 comentário:
Ao lêr este seu texto,pareceu-me que queria dizer algo mais,ou seja,não disse tudo aquilo queria.Talvez por imperativos «jornalisticos» (para não ficar um texto muito grande),ou por outra razão qualquer(inclino-me mais para esta).Eu acho que entendi bem este seu desabafo,só ao alcance de alguém com uma sensibilidade acima da média,considerando que esta é mensuravel.
Já agora uma pergunta:estarei enganado ou hoje aconteceu alguma situação em que um «certo» proprietário de uma destas casas de velharias ficou a «matutar» depois do «cliente» sair da loja?
Um grande abraço,Luís
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