(FOTO DE LEONARDO BRAGA PINHEIRO)
Quem faz o favor de ler aqui as
histórias de vida de muitos comerciantes que vou escrevendo, certamente,
apercebe-se de imensos pontos comuns, de tal modo semelhantes que parecem
escritas a papel químico. Provêm quase todos da aldeia esconsa, de um Portugal
atrasado e anacrónico. São filhos de uma família paupérrima cujos pais eram
analfabetos e viviam da agricultura. Andaram descalços e, no seu corpo, as
pulgas fizeram festins. Todos concluíram a básica 4ª classe e, a seguir, da
esperança fizeram uma ponte para uma vida melhor na cidade. Aqui, na urbe,
cresceram sem afeto e ao deus dará, educando-se a si mesmos, tiraram o curso da
aprendizagem da vida. A maioria deles, sonhadores, ambiciosos e pugnando ter o
mesmo que outros, poucos, beneficiados da época, rompeu as mãos a subir a corda
a pulso. Sempre a trabalhar, sem olhar ao esforço, estudaram de noite e, muitos
deles, chegaram à Universidade. Sempre a trabalhar, algumas vezes noite e dia,
conforme puderam, multiplicaram-se a educar os seus filhos, dando-lhes tudo o
que nunca lhes foi proporcionado, incluindo a possibilidade de frequentarem o conservatório
de música. Choraram no primeiro dia que os seus herdeiros entraram na
faculdade. Aprendendo a conviver nos interstícios da vida, pedindo aqui,
rogando acolá, estabeleceram-se por conta própria e, durante décadas, foram o
motor impulsionador nos centros urbanos.
Hoje, numa reviravolta ciclónica,
como se o tempo insensível e sádico os quisesse castigar por um passado
atapetado de espinhos que lhes rasgou a alma, estes heróis pouco reconhecidos
pela cidade madrasta, que sempre os invejou, olhou de soslaio, tomou como
enteados, campónios e rústicos, enredados numa teia sistémica na qual não
contavam, progressivamente estão a perder tudo, incluindo a sua própria
dignidade. Perante uma apatia de modorra, a raiar o criminoso, é injusto o que
está acontecer a estas gerações fantásticas de 1930/1940/1950. Uma enorme salva
de palmas para esta estirpe tão maltratada, que nunca mais haverá igual, de
comerciantes empreendedores.
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