quarta-feira, 16 de maio de 2012

UMA HOMENAGEM QUE A CIDADE DEVE AOS COMERCIANTES

(FOTO DE LEONARDO BRAGA PINHEIRO)


 Quem faz o favor de ler aqui as histórias de vida de muitos comerciantes que vou escrevendo, certamente, apercebe-se de imensos pontos comuns, de tal modo semelhantes que parecem escritas a papel químico. Provêm quase todos da aldeia esconsa, de um Portugal atrasado e anacrónico. São filhos de uma família paupérrima cujos pais eram analfabetos e viviam da agricultura. Andaram descalços e, no seu corpo, as pulgas fizeram festins. Todos concluíram a básica 4ª classe e, a seguir, da esperança fizeram uma ponte para uma vida melhor na cidade. Aqui, na urbe, cresceram sem afeto e ao deus dará, educando-se a si mesmos, tiraram o curso da aprendizagem da vida. A maioria deles, sonhadores, ambiciosos e pugnando ter o mesmo que outros, poucos, beneficiados da época, rompeu as mãos a subir a corda a pulso. Sempre a trabalhar, sem olhar ao esforço, estudaram de noite e, muitos deles, chegaram à Universidade. Sempre a trabalhar, algumas vezes noite e dia, conforme puderam, multiplicaram-se a educar os seus filhos, dando-lhes tudo o que nunca lhes foi proporcionado, incluindo a possibilidade de frequentarem o conservatório de música. Choraram no primeiro dia que os seus herdeiros entraram na faculdade. Aprendendo a conviver nos interstícios da vida, pedindo aqui, rogando acolá, estabeleceram-se por conta própria e, durante décadas, foram o motor impulsionador nos centros urbanos.
Hoje, numa reviravolta ciclónica, como se o tempo insensível e sádico os quisesse castigar por um passado atapetado de espinhos que lhes rasgou a alma, estes heróis pouco reconhecidos pela cidade madrasta, que sempre os invejou, olhou de soslaio, tomou como enteados, campónios e rústicos, enredados numa teia sistémica na qual não contavam, progressivamente estão a perder tudo, incluindo a sua própria dignidade. Perante uma apatia de modorra, a raiar o criminoso, é injusto o que está acontecer a estas gerações fantásticas de 1930/1940/1950. Uma enorme salva de palmas para esta estirpe tão maltratada, que nunca mais haverá igual, de comerciantes empreendedores.

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