terça-feira, 22 de maio de 2012

EDITORIAL: A RAZÃO DA FORÇA BRUTA



 Já há cerca de dois anos que ando a alertar para o que se está a passar na Baixa. Até já escrevi no Diário de Coimbra sobre este assunto. Refiro, como devem calcular, ao que, alegadamente, se passou hoje no restaurante do Shamid.
E então o que tenho eu escrito? Tão só que, nos últimos anos, se está a verificar um desmesurado abuso de posição dominante por parte dos senhorios de estabelecimentos comerciais em arrendamentos novos. E porquê, interrogará o leitor? Porque, numa grande maioria aqui na Baixa, sendo os proprietários de estabelecimentos abastados, e como não estão à espera dos rendimentos das lojas –até porque não há legislação que obrigue a arrendar-, mesmo na crise que estamos a atravessar, pedem autênticas fortunas pelas rendas e, até o conseguirem, dão-se ao luxo de as terem encerradas durante vários anos. O que acontece na prática é que os inquilinos –que são manifestamente a parte mais vulnerável-, muitos deles jovens, precisam de trabalhar e sem conhecerem bem a armadilha em que está transformado o comércio, atiram-se de cabeça e o resultado são verdadeiras tragédias. E como é que é? Vamos continuar a enterrar a cabeça na areia e fazer de conta que não se passa nada?
Confesso, tenho alguma dificuldade em escrever sobre isto… porque sou liberal –isto é, acredito que o Estado deve deixar fluir a livre concorrência, intrometendo-se o mínimo. Todos sabemos que não existe concorrência perfeita, mas para esta funcionar a necessidade tem de tocar todos –era o que dizia Adam Smith, na analogia com o sentimento egoísta do padeiro. O que se assiste no dia-a-dia é que já ultrapassámos há muito o “laissez faire, laissez passer”. Hoje vivemos no meio da selva onde o mais forte impõe a sua lei.
Porém o facto de eu ser liberal não faz de mim um anjinho. Ou seja, não acredito que a economia sem uma obrigatória regulação possa alguma vez ser equitativa para os mais pequenos. Acontece que -mais que certo para enganar o pagode- até temos várias Entidades Reguladoras. O problema é que a sua acção, para além de ser invisível e inócua, não evita o domínio dos mais fortes sobre os mais fracos. E chegados aqui, começo mesmo pôr em dúvida se serei mesmo liberal… neste sistema ultraliberal e sistémico.
Voltando à questão das rendas comerciais, a raiar a agiotagem e a usura, há cerca de um ano e meio, antes das eleições legislativas, estive a jantar, aqui no Centro Histórico, ao lado de um agora deputado por Coimbra no Parlamento. Porque a conversa fluiu para este problema, disse-lhe que a única forma de colocar um travão neste abuso das rendas novas comerciais era, por exemplo, através de um artigo no Novo Regime de Arrendamento Urbano, em que todos os estabelecimentos comerciais –e também os locados particulares- só poderiam estar encerrados durante 6 meses. Passando este prazo as câmaras municipais teriam vários instrumentos legais até à posse administrativa durante um prazo certo. É que se assim fosse, imediatamente o valor das lojas baixava e não se continuava, durante anos e mais anos, a pedir 3000 euros por um espaço que não valerá mais do que 500. Respondeu-me o agora deputado: “nem pense! Isso parece vir dos comunistas!”
Estou a contar este exemplo para mostrar que enquanto não houver coragem de pôr regras nesta questão vão continuar a verificar-se desastres. E não se pense que o “nosso” dinheiro também não anda por aqui a arder?! Se não repare, o IEFP, Instituto de Emprego e Formação Profissional, no sentido de incentivar os desempregados a criarem o seu próprio emprego o que fazem? Dão grandes verbas para que os candidatos criem empresas. Ora, já dá para ver que, em muitos casos, este dinheiro vai parar às mãos de certos senhorios gananciosos e, pior, este acto de financiamento não resolve absolutamente nada. Pelo contrário está a mandar jovens promissores, sem qualquer experiência comercial, para o charco –volto a lembrar que é o nosso dinheiro dos impostos que está a destruir a vida destas pessoas que procuram criar riqueza e, sem controle e até dentro da lei, está-se a encher os bolsos aos proprietários menos escrupulosos. É preciso, com urgência, parar com isto.
Voltando ao caso do restaurante do Shaid, como conto, não presenciei as alegadas agressões de que o cidadão indiano disse ter sido vítima. O que vi foi este homem com a camisa rasgada e dois ferimentos ligeiros em dois dedos. Mas inferi que os direitos deste empresário, imigrante em Portugal, estavam a ser violentados. Poderemos até dizer de que de facto ele está em incumprimento com a renda. É verdade, mas isso não dá o direito a ninguém de tomar pela força bruta a sua razão. Acho que este caso deve fazer pensar todos os comerciantes do Centro Histórico e, no limite, ajuizarmos que, se fôssemos emigrantes em qualquer país, não gostaríamos de ser tratados assim. Gostaria de deixar bem claro que não estou armado em santo. Já fiz muita porcaria de que não me dá prazer recordar; continuo a errar todos os dias; não me julgo melhor do que qualquer um. Escrevo isto com inteira franqueza. O que acho é que não se pode nem deve fechar os olhos a certas situações só porque não é nada connosco. Bem sei que não é fácil. Dá chatices “c’mo caraças”. Arranjam-se muitos inimigos. Mas, mesmo assim, não podemos ignorar. Obrigado por ter chegado até aqui.

1 comentário:

Anónimo disse...

Não vou comentar a situação da alegada agressão porque é tão disparatada e absurda que nem merece comentário.
Mas o que me chamou atenção foi o valor da renda.São estas diferenças de valor das rendas praticadas na baixa que me deixa perplexo.As rendas,sejam de espaços comerciais ou de habitação,praticadas no centro da cidade vão de alguns euros aos milhares de euros.Este empresário estava a prestar um serviço á zona,investiu e criou empregos e pedindo ajuda ao senhorio,o que este fez?,com o sr.Shaid á beira do abismo empurrou-o,exigindo a renda em atraso(a que tem direito,note-se).Pelo que parece o homem apenas queria uma renegociação de modo a manter o restaurante e os empregos criados.Por outro lado existem senhorios a receber rendas de miseros euros.Tem de se fazer algo em relação aos arrendamentos na baixa da cidade,acabar com as rendas miseráveis mas por outro lado tem de haver bom senso e não exigir rendas milionárias a quem cria empregos numa altura de recessão económica como esta.Que tal dar um «subsidio» de renda aos empresários?u vejo a segurança social a pagar rendas a pessoas que a gente sabe que nunca contribuiu para o erário publico.Que passam o dia a deambular pelas ruas,não á procura de trabalho mas de tasca em tasca.Acho mesmo que um empresário que desse emprego a pelo menos 10 pessoas deveria ter direito a uma renda simbólica,em que o estado pagaria o resto ao senhorio,pois ficaria mais barato do que pagar sub. desemprego ou RSI aos funcionários do empreendedor.Sei que é uma ideia disparatada mas foi o que lembrei!O que queria chamar á atenção é o fosso enorme das rendas praticadas na baixa da cidade.
Abraço,Luís