quarta-feira, 4 de abril de 2012

LEIA O DESPERTAR...




LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA



Para além  da coluna "Memória: As Modas Veiga", deixo também os textos "Reflexão: O Inquisidor" e "O Mercado Inês de Castro".



MEMÓRIA: AS MODAS VEIGA

 Corria o ano de 1978. Recentemente saído de um regime autoritário, próprio de uma cultura política europeia que atravessou três quartos do século XX, Portugal vivia um dos períodos mais conturbados da sua terceira República. Neste quarto ano depois do 25 de Abril, a tenra democracia continuava aos tombos, passando de braços em braços, nos colos de vários executivos. Nesse ano de 1978 o país conheceu quatro governos. Entre a sociedade civil, partidos políticos e militares, havia uma tensão lactente, uma paz muito frágil, entre os intervenientes, sobretudo pela presença ideológica, omnipotente e omnipresente, do Conselho de Revolução que tutelava os destinos da Nação. Nas atividades económicas a poeira ainda continuava no ar, depois de muitos patrões, sobretudo dos grandes grupos, serem forçados a abandonar as suas empresas a favor de comissões de trabalhadores.
Apesar desta impossível de ignorar crispação, o comércio tradicional em Coimbra, centralizado na Baixa da cidade, não conheceu grandes conflitos ideológicos, nem impactos causados pela nova vaga. Embora houvesse quem se distinguisse, genericamente, era constituído, essencialmente, por um universo de pequenas estrelas cintilantes. Cada pequena loja, em história repetida no tempo, tinha à sua frente um comerciante que fora marçano noutra e lá fizera a sua aprendizagem até conseguir dar o salto rumo à sua independência. Ou seja, o motor revitalizador da compra e venda, na sua dinâmica de sucessão, como catalisador que gerava reações diversas sem alterar a velocidade, substituía-se alimentando-se no seu próprio seio.
Foi assim que Francisco Veiga juntamente com o irmão, a trabalharem há 20 anos numa das mais importantes casas comerciais da Baixa, o “Carlos Camiseiro”, na Rua Eduardo Coelho e frente para a Praça do Comércio, se lançaram na aventura de serem patrões deles mesmo. Em 1978 tomaram de trespasse o espaço até aí pertencente ao “Texas Bar”, na Rua Adelino Veiga, e fizeram nascer uma das mais importantes marcas de pronto-a-vestir da cidade. Nessa altura, esta artéria, também conhecida pela rua dos Bazares, era a mais movimentada de Coimbra. As suas pedras de granito eram calcorreadas por milhares de pessoas diariamente. Com uma paragem de tróleis junto ao café Angola e com uma Estação Nova apenas com uma saída pela entrada principal, os transeuntes, como figurantes de um grande exército, atravessavam a rua do poeta morto, subiam as escadas de São Tiago e tomavam os transportes coletivos em direção ao antigo Hospital da Universidade, na Alta da cidade –com a construção do novo edifício dos HUC, viria a ser transferido para Celas em 1987.
Nesta época de 1978, a Rua Adelino Veiga estava grávida de bons estabelecimentos e até qualquer entrada de porta era um ponto de venda. O maior ícone era o “El Dorado”, do Manuel Ribeiro, mas todo aquele canal de efervescência humana era um rio pleno de atividades mercantis. Estavam lá representados praticamente todos ramos de comércio, desde ferragens, cordoaria, eletrodomésticos, fabrico de malas em cartão, vários bazares, um correeiro, uma tasca, uma padaria, lojas de eletrodomésticos, uma grande loja de vidros, louças e cutelarias, várias lojas de roupas e um “hospital de bonecas”.
Mas, sendo, provavelmente, o Eldorado o mais importante espaço comercial da Baixa, porque razão os irmãos Veiga se foram colocar mesmo em frente? Responde Francisco Veiga: “nós éramos ambos trabalhadores com poucos meios financeiros. Estabelecemo-nos ali graças à ajuda de vários amigos -entre eles o Manuel Mendes, da Praça do Comércio e o Veloso, da Mirvel- que nos facilitaram o pagamento do que precisávamos para a montagem da loja. Por outro lado, fomos para a sombra do Eldorado porque entendíamos que, se por um lado, os bons se querem ao lado dos melhores, por outro, bastava-nos um pouco da sua clientela excedente. Os nossos amigos chamaram-nos loucos por irmos para junto dos pés de um gigante. Depressa apanhámos velocidade de cruzeiro e criámos uma das maiores marcas de Coimbra. Os nossos saldos ainda hoje são recordados com saudade, e, nessa altura, comparados ao “Harrod’s”, da zona Oeste de Londres. Era tal a afluência de pessoas que, para além de haver na rua grandes filas intermináveis, o comando da PSP destacava sempre um agente para disciplinar as aglomerações, controlar o trânsito automóvel nos dois sentidos e evitar atropelamentos. Chegámos a ter duas grandes lojas nesta mesma ruela. Em 1985 tínhamos 14 pessoas ao serviço. Como o comércio levou uma grande volta, naturalmente que, em consequência, as nossas vidas também.”
Apesar de ter encerrado no berço onde viu a luz, e depois de andar em feiras internacionais pela Europa, como Milão, Madrid e Paris, Francisco Veiga adaptou-se aos novos ventos de mudança. Atualmente as Modas Veiga continuam de boa saúde, na Rua Eduardo Coelho, número 43. Do alto dos seus 66 anos, e a trabalhar no comércio desde os 11, perante a crise que estamos a viver, o nosso amigo “Chico”, como é carinhosamente tratado, olha com esperança para amanhã. “Havemos de ultrapassar isto!”, remata com um meio sorriso de fé.

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O MERCADO INÊS DE CASTRO

 Embora o tombo fosse previsível pelo desgaste acentuado, nada faria supor que João Orvalho, vereador municipal com vários pelouros atribuídos, entre eles o do Mercado Municipal, viesse a cair tão rapidamente.
Em conferência de imprensa, promovida na terça-feira, 27 de Março, Barbosa de Melo, presidente da Câmara Municipal de Coimbra, começou por anunciar que Orvalho permaneceria na vereação, mas sem pelouros atribuídos. No dia seguinte, contrariando este edil, o ex-vereador, em nota enviada às redações, proclamou a sua resignação.
Como já outros jornais o fizeram, não vou escalpelizar os motivos que levaram João Orvalho a abandonar o barco da Coligação. O que me leva a este assunto é o facto desta demissão política significar uma profunda machadada, um voltar à estaca zero, nas legítimas aspirações das gentes que ganham a vida e tudo fazem para fazer renascer das cinzas esta popular praça e tão importante para a revitalização da Baixa de Coimbra.


Tive o grato prazer de conhecer pessoalmente este professor enquanto exerceu o mandato de vereador. Como já assinei vários textos sobre o Mercado Municipal, várias vezes lhe pedi comentários e que me foram sempre prontamente remetidos. Foi assim que fui tomando conhecimento das suas ideias e que agora, provavelmente e para mal de todos nós, ficarão arrumadas no fundo de uma gaveta. 


Uma delas era um magnífico projeto emergente “de e para um leque comunitário múltiplo, que apostava na mudança, interacção e registo pessoal de quem frequenta este espaço”. Tinha por objeto realizar a sua dinamização com o aparecimento de novos públicos, sobretudo cativar os jovens, aliciando-os para espaços de convívio, com internet e onde seriam desenvolvidos “workshops”, aulas ou cursos práticos sobre uma atividade ou um assunto específico. Pretendia ainda criar o conceito de “coworks” -aluguer de um espaço de trabalho direcionado para as actividades criativas, sem um grande investimento inicial. E ainda hortas urbanas –locais de formação de crianças e jovens para que comecem desde cedo a desenvolver uma consciência ambiental. Tudo isto seria nas lojas vazias, por cima da praça do peixe.


Para além disso, estava já nas mãos da vereadora da Cultura, Maria José Azevedo, o pedido de autorização para transformar a encerrada loja do Turismo de Coimbra –que apenas serve para vender presépios no Natal- em posto de correios, substituindo o dos CTT, fechado no ano transato, e que constituiria um importante polo de atracção.
Com esta punhalada nas legítimas aspirações desta feira, em vez de se continuar a chamar de D. Pedro V, agora, talvez fosse mais óbvio chamar-lhe Mercado Municipal Inês de Castro.

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REFLEXÃO: O INQUISIDOR

 Na terça-feira da semana passada foi anunciado por Barbosa de Melo, presidente da Câmara Municipal de Coimbra, uma conferência de imprensa para prognosticar o futuro de João Orvalho.
Desloquei-me à autarquia. Procurava obter respostas para o texto em cima. Invocando a minha colaboração com “O Despertar”, tendo o cuidado de salientar que não era jornalista, pedi para assistir. Por parte da pessoa com quem falei não houve oposição e aguardei. Na hora de entrar para a sala um “comissário político e homem do presidente”, mirando-me ostensivamente, de cima a baixo, interrogou: “o senhor é….?”. E expliquei novamente o que me propunha. “Um momento!”, exclamou. Fechando-me a porta na cara, não apareceu mais, deixando-me ali especado a secar. Passado um tempo, bati na porta lateral e abri. Lá do fundo o fulano exclamou: “um momento!”. Mas não voltou mais. Cerca de um quarto de hora depois, veio então uma terceira pessoa lamentar que, “como eu não era jornalista, não podia assistir.”
Ora bem, vamos por partes, este homem que, tenho a certeza, me conhece bem, e já desde o tempo em que Pina Prata era vice-presidente da edilidade e aconteceu um caso parecido, tem o direito de obstaculizar a minha entrada? Tem, sim senhor! Porém, tem também uma obrigação inerente: primar pela boa educação e respeitar o cidadão. O que ali experimentei, por parte deste sujeito, foi abuso de posição dominante e humilhação. Não quero extravasar, mas quem não sente não é filho de boa gente. É evidente que, em metáfora, um calhau não representa a pedreira, mas, em analogia, na sua ação, não deixa de colocar bem ou mal a família a que pertence. Não consigo perceber porque é que a autarquia não se abre aos colaboradores de jornais e bloguers. Tem medo de quê?


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