segunda-feira, 9 de abril de 2012

CORTAR OS BRAÇOS E AS PERNAS AOS COMERCIANTES

(IMAGEM DE LEONARDO BRAGA PINHEIRO)


 Já aqui escrevi muito sobre este assunto, mas, repetindo, sabe-se que o Novo Regime de Arrendamento Urbano, de 2006, pelas alterações introduzidas, enterrou de vez, sem direito a epitáfio, o trespasse comercial.
Sendo claro, justo e objectivo, havia necessidade de mexer nesta cessão que alterava a relação bilateral entre inquilino e proprietário comerciais. E porquê? Porque nas chamadas rendas antigas, anteriores a 1990, em comparação com rendas actualizadas, havia uma discrepância abismal. Então, acontecia que a transmissão para o novo adquirente, sendo para o mesmo ramo, era paga a preço de ouro ao inquilino cedente e passava ao lado do proprietário. Ou seja, o senhorio, apesar de lhe ser garantido o direito de preferência a um preço abusivo, era duplamente prejudicado: por um lado, tinha de “gramar” um novo arrendatário contra a sua vontade por tempo indeterminado e com uma renda de miséria, por outro, quando o estabelecimento passava de titular, tendo o mesmo objecto social, o dono do locado ficava a ver navios.
Ora o que o NRAU de 2006 para o arrendamento não habitacional veio disciplinar foi o estabelecer de um prazo determinado para qualquer contrato –apesar de conceituar o fim do contrato com a morte do arrendatário, na prática, era intemporal. Depois desta publicação legislativa, se o contrato não tiver um prazo de duração determinada, o senhorio, em caso de trespasse, poderá pôr fim ao contrato de arrendamento mediante um pré-aviso de 5 anos. Por outro lado, se as partes nada convencionarem no acordo escrito, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de dez anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano. Mais ainda, salvo excepção, sempre que haja transmissão a renda passa a ser actualizada ao fim de 5 ou 10 anos. E ainda outra alteração importante: sempre que o cessionário, ou trespassante, seja uma empresa e desde que a transmissão de posição vá para além de 50 por cento passa a implicar actualização de renda –até aqui uma cessão de quotas não alterava o valor da renda.
Ou seja, em síntese, estabelecendo um prazo para a caducidade do contrato e alterações de renda do local arrendado, os comerciantes perderam o seu chamado pé-de-meia, uma vez que o valor de trespasse incidia directamente nestas duas premissas até aqui imutáveis.
Esteve certo este aperfeiçoamento legislativo? Salvo melhor opinião, não esteve. Isto é, o Governo da altura (de Sócrates, mas que já vinha de trás, de Santana Lopes) teve apenas em atenção o lavar uma injustiça para com os proprietários, que já vinha desde o Estado Novo, com início em 1933, para não dizer que começou com o congelamento de rendas em 1911, na primeira República. Acontece que ao dar totalmente a mão aos senhorios esqueceu-se completamente da sobrevivência dos comerciantes –e até da necessária continuação do comércio, passando de geração em geração, como motor revitalizador das cidades. É que é preciso não esquecer que a precariedade, o passar de mão em mão, dos ramos comerciais, inevitavelmente, conduz a um empobrecimento geral da oferta mercantil. Basta olharmos à volta e verificamos que a tendência é, cada vez mais, termos uma oferta massificada, descapitalizada, e sem identidade cultural.
Então, com a promulgação deste novo código, para além de uma crise sem precedentes no comércio tradicional, assente, por um lado, num arrefecimento da procura, por outro, numa oferta desmesurada e própria dos anos de ouro, de 1990, os profissionais do comércio viram-se sem o seu seguro de velhice. Para piorar a sua situação, viram os seus rendimentos decrescerem continuamente, com as vendas a caírem a pique, e, sem qualquer rede de apoio, sem direito a subsídio de desemprego em caso de encerramento do estabelecimento. Então, para muitos lojistas o único meio de subsistência que restava foi o recurso a reformas antecipadas. Mesmo sendo geralmente muito baixas, inferiores na média a 350 euros, evitava o pagamento mensal à Segurança Social para quem continuasse a remar, ou então era o único rendimento previsível para quem se viu obrigado a engrossar o número de desempregados.
Ora, agora, com este anúncio da semana passada, em que o Primeiro-ministro vem vaticinar a proibição de reformas antecipadas antes dos 65 anos até 2014, o que vai acontecer aos homens que, descontando décadas e décadas de uma vida, criando emprego e pagando as suas contribuições, se viram privados de tudo? Vão roubar para a estrada?
Não podemos esquecer que temos aí à porta, com entrada em cena em junho, uma nova versão do arrendamento comercial. Já alguém parou para pensar na mais miséria que ainda vai causar no comércio de ruas das urbes? É que poderemos estar perante o factor inverso ao final de 1980 –cujo recrudescimento foi o êxodo para as cidades e vilas por abandono da agricultura. Ou seja, agora, sem nada a que se agarrarem, completamente na indigência, poderão ter que regressarem ao ponto de partida. O problema é que até o sector primário foi desmantelado. Que caminho resta agora aos comerciantes percorrerem para sobreviverem?

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