sexta-feira, 6 de abril de 2012

UMA CAPA ESPELHO DA SOCIEDADE...


 Aparentemente, ao mirarmos a capa de hoje do Diário de Coimbra não se distinguirá de outras anteriores –a propósito, a meu ver, este octogenário meio de informação, em analogia com outros, diariamente é o que consegue ser mais objectivo na primeira página. Como montra de produtos bem expostos, olha-se e fica-se com uma ideia geral do interior. Bem colocada, sem maçar, a pouca publicidade bem arrumada acaba por se tornar moldura pictórica. Um exemplo para outros jornais da nossa cidade.
Voltando ao conteúdo de hoje, escrevia eu a abrir o texto, aparentemente não há nada de novo. Vamos voltar a ler. E o que ressalta? Duas notícias que nos devem deixar a pensar. A primeira em “caixa alta”: “Jovens mataram idoso à pancada”. A segunda, em título menor: “Homem de 85 anos disparou no filho e no neto.”
No primeiro caso, recorrendo ao interior, ficamos a saber que “dois homens e duas mulheres com idades compreendidas entre os 20 e os 25 anos”, por 150 euros, mataram um idoso de 90 anos. “Os criminosos, que estavam encapuzados e com luvas, “caíram” em cima do idoso antes que este disparasse a arma e, de seguida, atingiram-no na cabeça com um taco de basebol que o deixou inanimado. (…) Com o crime consumado, os suspeitos arrastaram o corpo da vítima até ao seu automóvel, um Opel Corsa, e levaram-no para a Lagoa da Caniceira, a três quilómetros da casa do idoso, empurrando a viatura para a lagoa, que ficou submersa”.
Nesta descrição que mais parece extraída de um policial de Raimond Chandler já pudemos deduzir a frieza dos autores e sobretudo a frieza na acção.
No segundo caso, do ancião que atinge a tiro o filho e o neto, vamos ler em desenvolvimento, “Com 85 anos, aquele que será o patriarca do clã de etnia cigana que ali mora há alguns anos, já tem antecedentes largos criminais, nomeadamente relacionados com tráfico de droga, tendo cumprido pena por diversas vezes.”
Aqui, este facto reporta-nos para o começo de um qualquer filme, de Martin Scorsese, ou David Fincher, e cujo cenário são os arrabaldes de uma qualquer grande cidade, e cuja trama vai prender o espectador. Sobretudo pela crueza selvática e marginalidade dos intérpretes. Um outro mundo desconhecido das minorias, que se desenvolve mesmo perante o nosso olhar e no “bas-fond” de uma qualquer urbe, europeia ou sul-americana.
Passando o lado metafórico, o que transparece nestas duas ocorrências é a gratuitidade da violência empregada e desproporcionada pelo objectivo em si mesmo. Ou seja, quando a força deve constituir um meio para atingir um fim, nestes dois casos, vislumbramos o contrário, a crueldade é o objecto máximo e a recolha de bens materiais passa a ser simplesmente acessória. Por outras palavras, há uma inversão de prioridades. Claro que estes dois casos, no universo do crime, nos últimos tempos, não são novos –basta lembrar o Algarve. Estamos perante uma desvalorização da vida humana, um desrespeito pelo direito natural, um desprezo pelo outro. Nesta carga de força bruta contra o indivíduo estará patente um ressabiamento, um ódio contra o outro, que tem o que muitos não têm. Como se este “outro”, anónimo ou não, fosse o causador de tantos sonhos desfeitos e frustrações mal resolvidas e, por isso mesmo, agredindo-o ferozmente, é a marca, o aviso para quem tem alguma coisa.
Até há poucos anos estávamos todos habituados a ver este comportamento vazio de sentimentos, onde a vida nada vale, em favelas do Brasil, algumas periferias de cidades do México, e outras cidades da América do Sul. Está visto que esta tirania chegou a Portugal e veio para ficar.
Então, chegados aqui, será que, perante estes rios de violência, não se deveria fazer alguma coisa? Quando pensamos em crime, inevitavelmente, associamos o Código Penal. Isto é, reivindicamos penas mais pesadas. Mas será que, perante as várias crises que estamos assoberbados, social, de valores, financeira, a coacção penal parará alguém –este exército de exterminadores-, em face de um qualquer acto atentatório? A prisão, neste momento, será mesmo um castigo? Creio que não. E então o que é preciso fazer?
Porque não utilizar a televisão com spots publicitários a apelar ao respeito, invocando o princípio da bondade humana, pelo viver e garante de existência do próximo? Estas mensagens publicitárias deveriam ser transmitidas por pessoas ligadas às ciências sociais, psicologia e antropologia. 
Parece ridículo? Porque não experimentar?


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