terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O 1º DE DEZEMBRO -COMEMORAR O QUÊ?




“Conta a lenda que dormia
uma princesa encantada
a quem só despertaria
um infante, que viria
de além, do muro da estrada”.

Peguei nesta poesia de Fernando Pessoa para a introdução do texto que pretendo escrever sobre o dia da Restauração da Independência. Sem entrar em grandes tiradas históricas, e apenas para se entender melhor, sabe-se que após a batalha de Alcácer-Quibir, o Rei D. Sebastião desapareceu nas brumas do rescaldo da contenda no Norte de África e também após a morte do Cardeal-rei D. Henrique, sem ter deixado sucessor, esses factos, deram origem a uma grave crise dinástica. Em 1581, nas Cortes de Tomar, Filipe II de Espanha, foi aclamado rei do Reino de Portugal. O nosso país passou a ser (des)governado como uma província espanhola. Só em 1640, exactamente no 1º de Dezembro, um grupo de 40 fidalgos –os burgueses, para além do desespero do povo, sentindo-se prejudicados nos seus interesses- invadindo o Paço da Ribeira, naquela imagem histórica passada à exaustão, mandaram pela janela do palácio o secretário da duquesa de Mântoa, regente de Portugal, Miguel de Vasconcelos.
Hoje, passados 369 anos, haverá razões de júbilo para comemorar a Restauração? Tenho as minhas dúvidas. Apesar de proximamente, daqui a poucos meses, se comemorar o centenário da República, cada vez mais os tempos de hoje são encarados como algo que já se viu, “déjà vu”.
Se o que assistimos, hoje, não será propriamente um domínio físico e psicológico dos espanhóis, sentimo-lo todos na economia. E não se pense que, com este escrito, pretendo culpabilizar o nosso país vizinho. Nada disso. Por razões que desconheço, ou não, limitam-se a ser melhores do que nós. Mais organizados, um povo de mente aberta (que admiro) e que dá gosto conviver. Uma nação que, apesar da diáspora e do desmantelamento de fronteiras terrestres, continua a ter o seu sentido de interesse nacional acima de tudo. Quando entramos em Espanha, basta ligar o rádio para apreciarmos as emissões em língua de Cervantes. Sabe-se que os nossos vizinhos não precisam de apelos do governo espanhol para os sensibilizar para consumirem produtos nacionais. Individualmente, os autóctones sabem bem o que devem fazer numa prateleira de um qualquer supermercado, aquando das opções de escolha.
Basta dar uma volta pelo nosso país para ver que ninguém liga ao feriado de hoje, no entanto, a meu ver, esta data deveria servir para reflectirmos todos sobre o nosso futuro como nação. Fique você, que me lê, a pensar nisto.
Como comecei com o poema de Fernando Pessoa, naturalmente, vou despedir-me também com a sua prosa tão provocadoramente realista (ouça o vídeo):

"E, inda tonto do que houvera,
à cabeça, em maresia,
ergue a mão, e encontra Hera,
e vê que ele mesmo era,
a princesa que dormia."

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