sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
O SAQUEADOR DE CONTENTORES
A primeira vez que dei pela sua presença foi há poucos meses. Ele estava a comer directamente do contentor do lixo ao fundo da Rua da Louça, junto à Loja do Cidadão. Talvez não consiga explicar-lhe o que senti quando vi esta pessoa a retirar alimentos do jacob e levá-los directamente à boca. O que sei dizer-lhe é que parei e, como autómato, fiquei a olhar aquele quadro real que estando a acontecer não deveria. Foi como se tivesse levado um murro no estômago. Não me esqueci mais da cara deste homem.
Perante um cenário daqueles, por momentos, questionei para onde caminhamos, com as assimetrias da sociedade, em que velhos e de meia-idade são empurrados para a mendicidade e novos para a delinquência.
Há dias, encontrei-o novamente: estava deitado num banco de pedra na Rua da Sota, junto à Igreja Universal do Reino de Deus.
Hoje encontrei-o outra vez na Rua do Corvo. Perguntei se lhe poderia tirar umas fotografias para um blogue. “Ai gosta de fotografar?!" –questionou-me com uma voz aveludada mas embrulhada em profunda desconfiança. Tinha um ar distante. Era como se fisicamente estivesse ali e psicologicamente noutro mundo longínquo. Pode constatar-se no seu olhar de fera acossada, queixo retraído contra invasores curiosos. Quando anuiu na autorização e disse numa voz firme: “está bem! Tire então!”. Era como se desse a perceber que não queria muitas conversas com estranhos.
Mesmo assim, a custo, lá me disse chamar-se Rui. Rui Teixeira, soletrou. Nasceu em Angola e é da Figueira da Foz, confidenciou-me esta frase retirada a saca-rolhas. Despedi-me dele com um aperto de mão –faço sempre este cumprimento. É muito importante para um sem-abrigo. Interrogo o Rui Teixeira para ver se precisa de alguma coisa. Parece irónica esta pergunta mas não é, porque sei qual vai ser a resposta: “não senhor! Não preciso de nada. Estou bem”. Assim mesmo. Sem mais nem menos! Habitualmente nunca aceitam nada de desconhecidos. Só se for um copo de vinho. Este não pediu nada.
Dei a volta ao quarteirão e, passado um quarto de hora, vim novamente a encontrá-lo, junto ao Largo das Ameias, em frente ao Hotel Oslo. Lá estava o Rui a saquear os contentores do lixo.
Deixo-vos as imagens, sem falsos paternalismos, por ser época de Natal, para que cada um à sua maneira pense. Tenho a certeza que estas fotos são profundas. Não se pense que pretendo culpabilizar quem quer que seja. Nada disso! Peço-lhe apenas um olhar de humanidade para as fotografias. Este Rui, neste presente de hoje, poderá perfeitamente ser o nosso futuro de amanhã. Pense nisso…
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2 comentários:
As totografias são reais, tocam ao sentimento e mesmo em situação de sem-abrigo, não deixa de ter um sorriso.
Estas situações impressionam.
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