terça-feira, 25 de novembro de 2008

UMA VIDA QUE VAI MUITO ALÉM DE UM SÉCULO











Eram cerca de 13 horas. A longa e alva limusina estacionou à entrada do bonito pavilhão da aldeia de Barrô, ali, entre a Mealhada e o Luso. O “chouffeur”, equipado a preceito, largou o seu lugar de condutor e foi abrir a porta a uma linda senhora de olhos vivos e médios cabelos brancos.
Ao colocar lentamente o seu primeiro pé fora do automóvel de cerimónia, como estrela de Holiwood, as máquinas fotográficas, em flashes, não paravam de disparar, acompanhadas por uma extensíssima ovação de largas dezenas de pessoas. E o caso não era para menos, a linda senhora, de seu nome Lucília Dias Morais, ia ser homenageada pelo seu recente aniversário. Para isso até fora criada uma comissão de honra encarregue de toda a tramitação logística. Ali, naquele lindíssimo pavilhão, o orgulho dos habitantes de Barrô, ia ser prestada uma prova de admiração e reconhecimento. Admiração, pelo facto da D. Lucília ir soprar uma vela representativa dos seus cem anos de vida. Reconhecimento, pelo facto de ao longo de um século, numa vida entremeada entre o trabalho e a modéstia, ser uma pessoa boa, com um coração do tamanho de um abraço, que, apesar das suas poucas posses materiais, “matou a fome a muita gente da aldeia", diziam os convivas quase em coro.
Apesar da comparência do presidente da Câmara Municipal da Mealhada, Carlos Cabral, do presidente da Freguesia de Luso, Homero Serra, e do presidente da ACIM (Associação Comercial e Industrial da Mealhada), Carlos Pinheiro, que, num gesto bonito e solidário, não deixaram de estar presentes, havia, no entanto um “senão”, havia apenas fotógrafos, constituídos por amigos e familiares e pelos dois semanários da sede de Concelho: O “Jornal da Mealhada” e o “Mealhada Moderna”. Para além de terem sido convidados os dois jornais diários de Coimbra e um de projecção nacional, a RTP, a SIC e a TVI, nenhum destes órgãos de informação compareceu.
O “Zé” Maria “barbeiro”, o “cabeça” da comissão da festa, para que nada falhasse, um mês antes tinha vindo falar comigo para que eu providenciasse a ida dos “media” a Barrô. Chamando a mim esse encargo, quatro dias antes, telefonicamente, falei com quase todos. Só a dois enviei e-mail.
Quando se abriu a porta da limusina, o “Zé” Maria, vendo apenas flashes de fotografias e nenhuma câmara de filmar profissional, com uma cara de aflição, vira-se para mim e, numa interrogação de dor, exclamou: “Ó pá, a televisão?!”. Confesso que tive dificuldade em lhe mostrar que me empenhei, mas que não fui correspondido na minha solicitação.
A senhora Lucília deu entrada no salão, acompanhada pela Natália, a sua filha, pelos seus netos, o António Taveira, o meu companheiro de escola, que viera expressamente da Suíça, e que não via há mais de uma vintena de anos, a Maria Madalena que labuta no Luxemburgo e, tal como o irmão António, viera de propósito em honra da “melhor avó do mundo”, assim como a Isabel e a Ana Maria que, diariamente e habitualmente, como estão na aldeia, distribuem um beijo à sua avó, por acaso, a mais idosa da terra.
A senhora Lucília tem 6 netos, 16 bisnetos e 4 tetranetos.
Lá dentro, acompanhada pelos muitos amigos esperava-a um suculento repasto, muito saboroso e com bebidas à discrição. A senhora Lucília, como debutante, sempre a ser solicitada, parecia estar no seu mundo. Quando lhe perguntei o que achava daquela festa, na sua simplicidade, com uma lágrima a balouçar de emoção, respondeu: “muito lindo, eu não merecia esta festa, estão a ser bons demais para mim!”.
A meio da tarde, antes de apagar a vela, actuou o Rancho folclórico de S. João de Casal Comba, onde a “rapariga” centenária deu um “pezinho” de dança. Antes de cortar o bolo, foi lido um poema inédito em sua honra, com o título “Um século por uma vida”.
Durante a tarde e a entrar pela noite dentro a festa continuou abrilhantada pelo grupo musical “Magda Sofia”.
Quase no fim, o meu amigo “Zé” Maria, já mais confortado pelo óptimo desempenho da comissão de honra e agora já mais resignado pela falta da televisão, atirou-me: “ó pá!, não levámos Barrô ao mundo, mas provámos que, na alegria e na partilha, o mundo está aqui!”.

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