Como alguns saberão, sou comerciante na Baixa da cidade já há muitos, muitos anos. Para além dos imensos defeitos que possuo, e que não vou contar aqui, tenho pelo menos três, que são do pior que pode haver. Para não criar muito “suspense”, posso já dizer quais são: gosto demasiado de escrever, sou terrivelmente curioso e não consigo calar uma qualquer injustiça, venha ela de onde vier. Se repararem, as três juntas, metaforicamente, são um barril de pólvora. Porque, atentem, se me faltasse uma qualquer das três a “coisa” até passava despercebida, mas assim, não. Os três defeitos juntos são uma espécie de fósforo junto de dinamite e de objecto a implodir. Não preciso de dizer as “chatices” que me traz, mas isso é outra questão.
E se comecei por aqui é para entenderem a razão deste texto. Sempre que sei de determinada notícia de um comerciante, como “cusca”, lá vou eu tentar conversar com ele. Com alguns, até esse momento, nunca tínhamos falado antes. Não sei se é bom ou mau. Uma coisa percepciono; sei, com aqueles que converso, o que pensam de determinada instituição. É evidente, e podem dizê-lo, que, o facto de me contarem determinado desabafo, isso, pode não querer dizer nada. Às vezes é a frustração do momento. É verdade, porque na maioria das vezes, muitas pessoas dizem uma coisa e estão a pensar outra. Mas, mesmo que seja assim, para o caso é irrelevante. Aqui, o que conta, para eu chegar onde quero, à minha argumentação, será aquilo que me dizem, quase em queixume. E, um dos muitos, demasiados quanto a mim, é a acusação de que a Câmara Municipal não se interessa minimamente pela zona histórica da cidade.
Se me perguntarem o que penso acerca disso direi o mesmo. Mas acrescento mais qualquer coisa. A autarquia é uma “máquina” pesada, obsoleta, burocrática e pouco sensibilizada para os pequenos problemas de cada um. Como está dividida em vários pelouros e secções, uns chegam a atrofiar-se e a sobrepor-se a outros e a contradizer-se mutuamente. Há dias, em conversa com um comerciante que encerrou portas, dizia-me ele que ia embora porque entre outros motivos, era a insensibilidade da Câmara. “Repare, durante vários anos, paguei licença de toldo. Este ano recebi uma comunicação de que teria de o retirar porque não fazia parte da planta do edifício comercial”, referia-me ele, numa catadupa de queixumes.
É certo que poderemos dizer que o Centro histórico tem um director. É verdade. Mas os pequenos problemas, a “lana caprina”, aquelas coisas ínfimas que incomodam as pessoas no dia-a-dia, naturalmente porque não está cá, passam-lhe ao lado. Posso dar um exemplo: a reparação de um buraco numa rua estreita pode demorar duas semanas a ser reparado. Dirão vocês: “que raio, é apenas um buraco, tenha dó!”. Pois, mas se lhe disser que várias pessoas já lá caíram, algumas com escoriações, e foram directamente para a farmácia?
“E, então?”, interroga você, sem saber onde quero chegar.
O que quero defender aqui é que deveria ser criada uma comissão para debater, discutir e, rapidamente, resolver qualquer assunto sobre a Baixa (para a Alta deveria ser criada uma congénere). De uma forma rápida, uma espécie de linha azul de gabinete desburocratizada.
Nestas comissões, para além da autarquia, deveriam estar representados um elemento dos inquilinos, dos senhorios, das duas juntas de freguesias (S. Bartolomeu e S. Cruz); da ACIC, da associação de hotelaria (Restauração e dormidas); da APBC; um elemento da Diocese; um elemento dos Bombeiros; um da PSP; Um elemento da esfera judicial, um Juiz, do Tribunal de Comarca, etc.)
Qualquer assunto, por muito residual que fosse, desde que respeitante à zona histórica, ainda que não sendo órgão deliberativo, deveria obrigatoriamente passar por aqui. A Câmara Municipal, ao descentralizar os seus serviços, só tinha a ganhar, sobretudo ao perder o ónus do odioso de certas decisões que ninguém entende.
E na Baixa há imensas questões urgentes a debater e a resolver. Ultimamente, desde há um ano para cá é a segurança nocturna de pessoas e bens. Durante a noite não há um único agente da PSP. Como se sabe, desde Agosto do ano passado, com imensos estabelecimentos a serem assaltados e, muitos deles, várias vezes; as inúmeras lojas comerciais a encerrarem; o paulatino avanço do comércio chinês nas ruas estreitas –num perímetro de 200 metros quadrados existem seis estabelecimentos, com possibilidades de abrirem mais dois nos próximos dias; a tensão lactente entre senhorios e inquilinos, com intervenção de restauro no edificado e sobretudo pelas rendas de miséria; o necessário convencimento dos comerciantes-proprietários para que arrendem os seus andares superiores vagos por cima dos estabelecimentos; a necessária intervenção na negociação para que se acabe com alguns negócios em entradas únicas para os andares superiores vazios e cuja entrada é apenas aquela para todo o edifício; os vários prédios "entaipados" há vários anos –como exemplo, indico um no Largo da Freiria e outro no Largo da Maracha; a questão da mendicidade, que está a regressar em força por pessoas de leste; as arbitrariedades da Polícia Municipal, com imensas queixas de comerciantes e residentes, a parecer que esta força civil actua “sem rei nem roque”, quase a raiar o autoritarismo; as questões de estacionamento para residentes, que apesar de Carlos Clemente, o presidente da Junta de São Bartolomeu, tentar levar o assunto à Assembleia Municipal, ninguém lhe liga; a saída presumível do Tribunal; o encerramento da Estação-Nova; a limpeza das ruas, se atentarmos, algumas, o seu empedrado está ensebado, e não se pense que é agora por causa da Latada; o lixo espalhado pelas artérias ao fim-de-semana, é preciso sancionar quem o abandona fora das horas convencionadas; a reparação da calçada, que apesar de se dar conhecimento à autarquia, os buracos jazem abandonados como crateras “ad eternum”.
Este meu plano pode até parecer complicado. Num país onde a tendência é para centralizar, admito que possa parecer utópico. Mas, uma coisa é certa, actualmente, como as coisas estão, pura e simplesmente, não funcionam mesmo e cada vez se nota mais um azedume contra a autarquia, como se esta entidade fosse estranha e, para além de se considerar inimiga da Baixa, nada tivesse a ver com tudo aquilo que diz respeito a esta parte histórica.
Uma coisa é certa, e furtando o título ao Diário de Coimbra de ontem, “A Baixa está a morrer”. E, apelando um pouco à cidadania que existe dentro de cada um de nós, estará na nossa mão, de todos, para que isso não aconteça.
1 comentário:
É uma pena!
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