segunda-feira, 10 de novembro de 2008

CARTA A MEU PAI




Andámos toda a tua vida em guerra,
como vizinhos que discutem sem saberem porquê,
agridem-se, insultam-se como inimigos que nunca foram,
como dois alpinistas que escalam o seu orgulho e sobem a serra,
cada um, procurando mostrar ao outro que é o único que vê,
que é o único que sabe, dono da razão, mas, no fundo, que se adoram,
um desdenhando a argumentação do outro, a sua é a única verdade na terra,
dando exemplos dos ascendentes, bons, maus, dos muitos que se foram;
Passaste a tua vida, através de exemplos, tentando mostrar a tua razão,
muito te esforçavas, às vezes até choravas, por eu não entender,
eu, por minha vez, só para contrariar, mesmo que estivesses certo, dizia não,
achava que nunca iria ser como tu, jamais te iria compreender,
nunca iria repetir as tuas palavras, muito menos emendar a mão,
não faria os mesmo erros com os teus netos, ficasses tu a saber,
se acreditavas que iria repetir aquelas frases que atiravas ao meu irmão,
tira o “cavalinho da chuva”, eu sou muito melhor do que tu, podes crer;
Partiste, não disseste nada, não avisaste, nem um bilhete de despedida,
não deixaste objectos, nem ouro, nem prata, deixaste conflitos para resolver,
deixaste aquelas frases na minha memória, que tanto detestava, em testamento,
à medida que me aproximo da tua idade, sinto a minha arrogância, vejo a vida,
dou por mim a repetir as mesmas frases, os mesmos gestos, que jurava nunca dizer,
recebo do meu filho, o teu neto, a mesma resposta que te dava, avivando sofrimento,
tenho a certeza, agora, que estou a receber com juros como se curasse a tua ferida,
onde estiveres, certamente, estarás a rir-te da minha ingenuidade e do meu sofrer.

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