sexta-feira, 21 de novembro de 2008

AS ILUMINAÇÕES DA DISCÓRDIA (2)


(O GROUND ZERO DE COIMBRA)



(O CANTINHO DA ANITA)


 Lena Gomes, Maria Hermínia e Alexandra Gil, são comerciantes na Rua de Sargento-mor, respectivamente, proprietárias dos estabelecimentos, “Lena”, “O Cantinho da Anita” e a Retrosaria “S. Bartolomeu”.
Para que se saiba a Lena foi uma das comerciantes que perdeu tudo, aquando do desmoronamento, no 1º de Dezembro de 2006, na Rua dos Gatos, ali mesmo, junto à sua (nova) loja. Passados dois anos, nem a companhia de seguros -que, de desculpa em desculpa esfarrapada, vai protelando- ainda lhe pagou, apesar de na altura ter seguro multirriscos na sua loja de pronto-a-vestir, nem a autarquia “ata nem desata” em mandar fazer o arranjo urbanístico do “buraco”, em que, até aí, existiram dois edifícios. Ao que tudo indica este espaço será uma bela praça, mas, para quem passa, aquele recanto de terra batida, é apenas um entre muitos abandonados na cidade. Para a Lena, que tinha ali o seu negócio, a razão da sua vida, e que de um momento para o outro, como num filme de terror, viu ruir o seu sonho como um castelo de cartas, aquele lugar, na sua memória, será sempre um monumento, o seu “Ground Zero”, que significa para si o mesmo que o espaço ocupado pelas destruídas torres gémeas, em Nova Yorque, em 11 de Setembro, de 2001, significa para os habitantes da “Grande Maçã”. Com uma diferença “big” (enormíssima), lá, nas “terras do tio Sam”, as vítimas receberam apoio material e psicológico, aqui, na “terra do tio diabo”, ninguém com responsabilidades autárquicas ou nacionais teve a ombridade de a questionar se psicologicamente,estaria bem e se precisaria de alguma coisa que contribuísse para continuar a viver. Sim, porque a Lena é uma mulher forte –não é preciso ser psicólogo para ver-, mas tem família, marido, filhos e, naquele caso, era mais que evidente que precisava de ajuda. Enfim é o país que temos, ou melhor, a irresponsabilidade moral, ética, e sobretudo a falta de solidariedade de quem está à frente deste rectângulo. Passemos à frente destas coisas tristes.
Nos últimos dias, deste mês de Novembro, as três comerciantes, a Lena, a Hermínia e a Alexandra constataram que a sua Rua de Sargento-mor, estranhamente, estava a ser ornamentada nos pólos, ou seja no princípio e no fim, e no meio, mais concretamente em frente à “cratera triste” da Lena, não havia qualquer ornamentação. “Veja bem, aqui, que é o sítio mais decrépito da rua e que mais precisa de luz, para tirar este aspecto triste, não ornamentaram”, manifesta a Lena indignada.
Vai daí, que a Lena não é de ficar de braços cruzados à espera que as coisas aconteçam, juntamente com as duas vizinhas, também mulheres decididas, como a mostrar aos comerciantes-homens, que as mulheres têm muito para dar ao comércio tradicional da Baixa, foram à Praça 8 de Maio, à “Casa Aninhas”, e pediram para ser recebidas pela Directora Executiva, do Turismo de Coimbra, empresa municipal, Celeste Amaro, que, ao que parece, superintende as questões logísticas relativas às iluminações natalícias na cidade.
Segundo o depoimento das três senhoras, “quando expusemos os nossos queixumes à Dr.ª Celeste Amaro, notámos imediatamente alguma brusquidão, uma rigidez no tratamento, como se, de repente, ali caísse uma nuvem de azedume embrulhado em arrogância”.
“Sabem que não podem estar aqui a pedir, mais e mais. Há ruas que não têm sequer qualquer iluminação. Gastámos 150.000 euros!", replicou a directora do turismo.
Continuando a citar as três senhoras, agora pela boca da Lena, “foi então que lhe perguntámos a razão das ruas principais (Ferreira Borges/Visconde da Luz) serem muito mais cuidadas e mais bem iluminadas?”
Respondeu Celeste Amaro, “porque são as ruas onde passam as pessoas!”
-Ai é?, e as ruas de baixo são o quê? São filhas de mulheres da vida? Interroga uma das três mulheres já a ficarem irritadas.
-São ramificações. Lá não passam turistas. Responde a técnica de turismo.
-Como?! -interroga a Hermínia, dona do “Cantinho da Anita”- Saberá a senhora que o meu estabelecimento está inserido num edifício do século XV e é dos mais visitados pelos turistas?!
Conta a Lena, “ali não havia diálogo, havia um monólogo de uma senhora que parecia saber tudo, não deixava falar ninguém, que não estava ali para ouvir mas simplesmente para falar. Claro que a conversa começou a descambar. Ainda olhei cá para baixo, para a rua, e pensei, vou-me mas é embora. A partir daqui, foi como se a senhora estivesse a desfolhar uma cartilha contra os comerciantes de rua”.
-Os comerciantes estão mal porque não querem trabalhar. Se querem vingar têm que se igualar às grandes superfícies. Alargando os horários de funcionamento. Têm de estar abertos até às 23 horas ou até à meia-noite. Porque não fazem descontos durante a noite, para atrair pessoas? -prossegue Celeste Amaro, perante o ar atónito das suas pretensas requerentes.
-Estou muito céptica em relação à Baixa de Coimbra. Não vejo sobrevivência possível para o comércio de rua, seguindo as linhas actuais.
-Quer dizer que vamos morrer todos? –interroga a Lena.
-Estou certa que sim! –responde peremptoriamente a senhora técnica.
-Façam parte de uma associação e reivindiquem, continua Celeste Amaro.
-Já fomos associadas, mas, como não faziam nada, nem nos defendiam, desvinculámo-nos de associados, recalcitra a Lena.
-Formem uma associação dos descontentes, uma vez que são três senhoras.
Certamente, como epílogo, o leitor esperava que eu escrevesse um qualquer juízo de valor. Nada disso. Cada um, a seu modo, tirará a sua própria ilação deste diálogo ou “monólogo”.

1 comentário:

luctupuz disse...

Infelizmente não me choca o facto de saber que a sra Drª Celeste Amaro disse tais palavras. Deve ser do hábito. Já não é novidade, os comerciantes e não só, estão fartos de ouvir este tipo de palavras "carinhosas"... Custa a determinadas pessoas com cargos de alguma responsabilidade ter que tratar das coisas e por vezes ter que enfrentar as pessoas descontentes, seja por que motivo for. É sempre recebido com desconforto e como incómodo. Esse discurso do tal monólogo (sim, também considero) já parece estar pré-estabelecido e é solto assim que consideram situação para tal. É verdade que nem todos os comerciantes fazem algo para alterar as situações, e se encostam à espera que algo aconteça. Mas há muitos que são precisamente o inverso, com vida, com atitude, e tentam fazer algo para retocar a pintura do quadro estabelecido. E não é certamente com "incentivos" destes, por parte de pessoas que têm também elas o papel de fazer algo para mudar o panorama, que as coisas "andam". Nem tudo é mau, é certo. Mas parece-me que há muitas coisas e muita gente sem interesse algum em que parte de Coimbra (pelo menos) ganhe alguma vitalidade, mínima que seja.