quarta-feira, 5 de novembro de 2008

DIÁRIO DE UM DESEMPREGADO RECENTE



José, vamos chamar-lhe assim, trabalhou toda a vida no comércio dito tradicional. Apesar de parecer ter menos, tem 48 anos de idade. Começou cedo nas lides comerciais. Tinha então 13 anos. Ao longo de trinta e cinco anos de actividade laboral, apenas conheceu dois patrões. O primeiro, durante nove anos, foi o “Carlos Camiseiro”, ali na Praça Velha, em Coimbra. Nessa altura, até ao princípio de 1980, os mais velhos lembram-se deste grande comerciante que, para além de ter uma casa emblemática, era o grande financiador da então Académica, através de publicidade nas camisolas.
Como no início dessa década essa grande casa comercial foi vendida para outro grande comerciante. José, como bom elemento que era, um funcionário esforçado, daqueles cuja obrigação não depende do relógio, transitou imediatamente para o novo adquirente, onde esteve durante 26 anos de actividade ininterrupta.
Há dias a “sua” casa comercial encerrou. O seu segundo ninho, onde os sonhos soçobraram, afogando mil planos idealizados, perdidos pelos labirintos da vida, com a realidade a mostrar a sua frieza, como a dizer-lhe que a sorte de poder realizar as suas fantasias não é para todos. Para além do choque de ver fechado o seu horizonte da razão do seu viver, o objecto da sua rotina diária, o sol que vislumbrava ao fundo do longo caminho diário entre a sua casa familiar e o seu trabalho, muito mais ainda, para piorar, José, não recebeu os ordenados relativos ao último ano. Não é o único, diz-me com a voz embargada pela dor, também os seus restantes colegas diários de trabalho, para além da alma, lá deixaram o justo ressarcimento de um ano de entrega laboral a uma causa perdida. E das legítimas indemnizações, a mesma coisa, nem vê-las.
Hoje encontrei o meu amigo José, arqueado, de olheiras profundas, passo errante e arrastado pelas ruas da calçada. “Que vou fazer à puta da minha vida, Luís? Tenho a casa para pagar, a minha mulher ganha pouco, estou completamente endividado”-olhando os seus olhos macilentos, eu pressentia que a qualquer momento se iam inundar de lágrimas. “Eu não merecia isto, Luís! Dei a minha vida por aquela firma, e o que trouxe? Nada!, absolutamente nada!”, mostra-me as mãos estendidas em concha, como se eu não acreditasse e fosse necessário este gesto. Foi então que as lágrimas contidas, amarradas tão a custo, se desprenderam como águas libertas na brava cercania inclinada. E o José, homem maduro, ali à minha frente, chorou como uma criança desamparada de tudo e todos.
“O que mais me custa é acordar às 7.00 horas, como sempre fiz, e de repente, sinto uma dor, como um murro no estômago, percebo que não tenho para onde ir. Não tenho trabalho! Ao longo da minha vida, nunca tinha sentido esta sensação. É uma impressão de inutilidade, como se, de repente, me tornasse numa coisa imprestável. Nestes dois dias, em que estou desempregado, já fui a uma série de entrevistas de emprego. Sabes o que é entrar numa sala e estarem dezenas de pessoas à espera, como eu, sendo a maioria mais novos? Quando chega a minha vez de ser entrevistado, quando digo a minha idade de 48 anos, o meu jovem entrevistador, provavelmente psicólogo contratado pela empresa, engelha a cara sem disfarçar. Bem lhe tento dizer que sou “pau para toda a colher”, que já “comi as sopas que o diabo amassou”, que os horários para mim nunca contaram, mas aquele jovem, provavelmente recém-iniciado na vida, olha para mim como se eu fosse um bicho raro, com um olhar dividido entre o espanto e a comiseração, parecendo não acreditar. Ou então porque, aos candidatos anteriormente ouvidos, já “engoliu” esta história mil vezes. Já viste, Luís, para aquilo que uma pessoa estava guardado?!”, interroga-me o José, sabendo antecipadamente que não queria qualquer resposta.

4 comentários:

Anónimo disse...

desiste. não tens qualidade

Piolho

Anónimo disse...

Assim a controlares os comentários, claro que só saem os que te interessam

Não vais lá

Piolho

LUIS FERNANDES disse...

ANÓNIMO 1:
Obrigado pelo teu alento. Como deves calcular, as tuas opiniões pouco contam para o que devo fazer ou não fazer. Não gostas? Tens apenas um a caminho a seguir: "Não comes", como quem diz, não vens cá.
De qualquer, meu caro anónimo, se quiseres continuar, por mim, estás à vontade. A porta continua aberta.
Não precioso de te dizer o quanto és mesmo mal-educado (ou mal-formado, isso tu sabes, já de sobra.
De qualquer modo, costumo agradecer os comentários e, naturalmente, agradeço o teu e mais: um abraço e desculpa qualquer coisinha.

LUIS FERNANDES disse...

ANÓNIMO 2:
Estás muito enganado: eu publico todos os comentários -pelo meu menos até hoje sempre o fiz. Não quer dizer que se algum raiar o insulto puro e simples o faça.
Só uma perguntita simples: conheces algum blog que não filtre os comentários? Possivelmente o teu. Deve ser o único que não filtra, mas, para eu acreditar, diz-me qual é.
De qualquer modo, ficas a saber, quando te apetecer comentar estás à vontade. A porta do meu humilde blogue está escancarada para ti e para outro qualquer.
Um abraço.