sexta-feira, 15 de junho de 2007

A VINGANÇA DO CREDOR

A VINGANÇA DO CREDOR
Ontem, quando tomava a “bica” num café da Baixa de Coimbra, de repente entrou um paisano e, como se distribuísse publicidade a um qualquer produto, deixou na minha mesa uma folha, escrita a marcador preto, com a seguinte mensagem: “DIVIDA DA (…nome Firma devedora) AO FORNECEDOR DOS PASTÉIS : TOTAL 5.726.66 EUROS”.
A tomar o café fui pensando nesta nova forma de reivindicar dívidas que, como sabemos não sendo inédita, começa a tomar proporções preocupantes. Todos sabemos que tal método psicológico de forçar o credor a pagar é ilegal, por ser atentatório ao bom nome, quer sendo firma, pessoa colectiva, em nome individual ou pessoa particular. Ainda que assistam razões de sobra ao credor para publicitar a dívida, tantas vezes por laxismo e pouca vergonha do devedor, a verdade é que é nos locais próprios, neste caso o Tribunal, que, após o reconhecimento, se deverá exigir a sua cobrança ou execução.
Mas deixemos, por momentos, de ser cumpridores da legalidade e passemos para o lugar do devedor. O que faríamos no lugar dele? Será que não procederíamos da mesma forma? Provavelmente. Hoje a eficácia do direito…não passa apenas de doutrina. Ora, como sabemos, esta doutrina, ou legislação, só será eficiente se for acompanhada de uma justiça célere, justa e imparcial –embora levando sempre em conta os pressupostos das diferenças existentes entre os litigantes, sem procurar obsessivamente uma utópica igualdade. Hoje, infelizmente, a justiça está para o direito como os discursos dos políticos partidários estão para o povo. Ninguém acredita em nenhum deles. A onde nos irá conduzir esta falta de fé? Provavelmente a uma anarquia que, a curto prazo, explodirá, basta apenas um rastilho.
Nos últimos anos tivemos apenas uma preocupação; criar uma sociedade comercial, em cujos dogmas só ramifica o mercado. Economia de mercado, economia liberal, liberalismo, neoliberalismo. Esquecemos todos que esta obsessiva procura material sem ética levaria, inevitavelmente, a novo sistema de mercado selvagem. Onde a falta de vergonha impera e a arrogância displicente do mais forte leva à ruína do mais fraco.
Estamos perante uma nova forma de imperialismo (estou a citar Walter Mignolo), onde impera a lei do mais forte, onde não há lugares garantidos. Nem a democracia, nem os direitos humanos, nem o marxismo, nem o catolicismo, ou outra qualquer religião (pelo menos do Ocidente) estará a salvo. Esta procura endémica de bens está a levar a democracia para níveis de corrupção jamais calculados e, inevitavelmente, caminharemos para o seu fim. Evidentemente que não existem sociedades ideais, essas redundaram em terríveis tragédias para a humanidade, mas a verdade é que, com este sistema, ninguém estará a salvo, nem o branco, nem o preto, nem o heterossexual, nem o homossexual, ninguém terá lugar garantido neste mundo de muito querer e pouco se obrigar.

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