AS REFORMAS DO POMBAL
“Chamo-me Sempio. Sou um velho e decrépito pombo que há muitos anos vive a sobrevoar os telhados dos prédios da Baixinha de Coimbra.
Talvez por me encontrar em “baixo” –psicologicamente, é claro, porque pela força
das circunstâncias, estou sempre em cima- hoje deu-me para isto. Espero que tenham paciência para me lerem até ao fim, para compreenderem o meu desânimo, o meu grito, como quem diz o meu pio. Mas, sabem, estou farto. Farto de tanta promiscuidade no pombal.
Quando era novo, éramos poucos e todos tínhamos de trabalhar arduamente para comer. Tínhamos de largar a comodidade dos beirais da Baixa e deslocarmo-nos para os campos do Mondego, onde havia milheirais e arrozais com grande fartura, mas era muito difícil de lá chegar, devido à guarda de honra de uma panóplia de espantalhos artistas. Eles uivavam, eles contorciam-se, eles dançavam e tudo à força do vento norte. Era um espectáculo ver os campos do baixo-mondego todos ornamentados a rigor, como se todos fossem para uma procissão. Hoje, que estou velhote, assisto com preocupação à desertificação destes celeiros do nosso contentamento passado.
Mas aqui é que reside o busílis da questão. Pensarão, certamente, que, em face da crise agrária, haverá fome no pombal e que venho, por este meio, fazer exigências ou reivindicar melhores condições de vida para os meus irmãos columbinos. Puro engano. Há imensas pessoas na Baixa, amigas da liga dos pombos –ainda inexistente mas a criar proximamente-, com parcas reformas de pouco mais de duzentos Euros e que chegam a gastar metade dessa verba em milho. Que tenho eu a ver com isso e, provavelmente, reclamo com a barriga cheia, pensarão os leitores, com alguma razão. Porém, o que me leva a aborrecer-vos com esta história, que mais parece ter sido escrita para pombos, é que, simplesmente, estou muito preocupado com a devassa no pombal.
Como não precisam de trabalhar para ganharem o milho que comem, a vida aqui, no pombal, resume-se, apenas e só, em gozar em pleno o ócio, como dizem por aqui, com ar de intelectuais: o carpe diem. O gozar o dia elevado ao extremo, uma profunda malandragem. O que sabem fazer é comer, fornicarem e borrar os transeuntes.
Há tanto milho no chão das calçadas que se chega a pensar que seja alguma nova e repetida forma de protesto dos agricultores. E é claro, os meus colegas de poleiro comem, comem que nem abades, salvo seja. Grandes alarves! E depois sabem o resultado, sabem? Nem imaginam! Por cima dos telhados é só porcaria e um fedor desgraçado, uma autêntica cacofonia. E mais, chegam a fazer concursos de bufas. Ao que isto chegou! Aquele rapaz da bufa sinfónica que foi ao programa do Herman José
-há uns anos, lembram-se?- comparado com estes porcalhões era um amador. E por exemplo, se lá de cima se apercebem de uma donzela, armada em fina, de salto alto e vestido branco, pimba, é fatal, leva o selo sem demora. A fazerem tiro ao alvo, é vê-los a gozar de contentamento galhofeiro. Esta é, infelizmente o admito, a geração rasca que temos.
E quanto ao sexo nem é bom falar. Até sinto vergonha de contar. Copulam, copulam, sem o mínimo respeito ou complexo inibidor. Qualquer canto serve, a qualquer hora e todos os dias da semana –não, não é isso, não comecem a pensar que tenho inveja. È que custa-me ver estas orgias, todos ao molho e fé …no prazer. Fornicadores de uma figa! Filhos da… pomba! Admito confessar alguma saudade dos meus tempos, mas, impressiona-me e queixo-me com algum constrangimento, mas é demais, a promiscuidade sexual é tão grande que até a pedofilia se pratica no pombal. Penso que levando em conta o mau exemplo dos humanos, os pombeiros-mores não estarão envolvidos, penso eu, com algumas dúvidas. Com esta crise de princípios e valores, onde é que isto vai parar?
É urgente uma revolução silenciosa, como quem diz uma revolução contraceptiva no pombal. Há quem defenda a castração dos machos, mas os membros do senado pombalino pensam que não se deve ir nem por um nem por outro e que assim está muito bem, ou talvez antes pelo contrário. Uma coisa é certa, alguma coisa terá de ser feita, deve seguir-se o exemplo do Governador Civil de Beja, Manuel Monge, que mandou capturar mais de cinco mil pombos numa acção de controlo, tendo por objecto a defesa do edificado do Centro histórico desta cidade alentejana.
Quanto às borradas é de mais, até cheira mal. No meu tempo de jovem, éramos tão poucos e civilizados que só por acidente se acertava num ser humano. Era tão raro que, talvez por isso, se criou o adágio popular de que se apanhado por projéctil de pombo dever-se-ia, imediatamente, jogar no totobola, loto ou lotaria. E as pessoas acreditavam e jogavam.
Hoje a barrasquice e o abandalhamento no pombal é tão grande que se borra toda a gente; de tal maneira que abalou a própria fé e a estrutura lúdica dos jogos da Santa Casa entraram em crise e já ninguém acredita nos nossos jogos de fortuna e azar. Agora só o Euromilhões. E claro, no pensar de algumas cabeças humanas iluminadas, os pombos é que são os culpados.
Conta-se, cá em cima, no pombal, que se está a pensar em formar um batalhão destes pombos da caca para actuar por cima das grandes superfícies e contratados pelos comerciantes da coligação do comércio tradicional de rua.
Tenho de ficar por aqui. Acabo de levar com uma grande bosta em cima. UFA!!”
Sem comentários:
Enviar um comentário