quarta-feira, 27 de junho de 2007

QUEM ESPERA NÃO AUGA

Um dia destes, pelas 9,45 da manhã, na Caixa Geral de Depósitos em Coimbra; entrei, para fazer o levantamento de um cheque, retirei a minha senha de aceso à caixa. Saíu-me em sorte o número 56. Desloquei-me para a secção do balcão correspondente. No placar luminoso, a fazer lembrar as salas de Bingo, corria o número 46. Das quatro caixas existentes só duas estavam a funcionar. A atender o público dois funcionários, uma senhora e um homem de quarenta e muitos, careca e de cabelo crescido atrás, a fazer lembrar Léo Ferré. Sentados nas cadeiras a aguardar vez, cerca de uma dezena de pessoas, aparentemente com mais de sessenta anos. Todas com ar resignado e de enfado, aguardavam a sua vez. Volta e meia lançavam um olhar suplicante para o visor luminoso, como se estivessem, através de uma prece, a apelar a uma entidade divina para realizar um desejo, mas o maldito, insensível, lá continuava como alentejano caminhando lentamente em direcção à sua courela.
Às tantas a funcionária levantou-se e ficou o "Léo Ferré" sozinho a atender. Passados, aproximadamente, dez minutos regressou a funcionária, nas calmas e a conversar com uma colega. Quando se sentou foi admoestada pelo "Léo Ferré". O que ele lhe disse não deu para perceber, mas, pela cara fechada, calculava-se que era uma reprimenda. A funcionária, que não gostou -notou-se- retorquiu-lhe que não stressasse e já um pouco irada, atirou-lhe de chofre: "você não tem nada com isso". Levantou-se então o "Léo Ferré" e ficou a atender, sozinha, a funcionária.
Entretanto, entra uma sexagenária, vestida de cores garridas, de passo apressado, toda lareta, dirige-se à funcionária, com um cumprimento familiar, e entrega-lhe um papel. A funcionária fala-lhe com afectividade. Ao meu lado, um septuagenário, não se contendo, vira-se para mim e, em surdina, diz: "já viu?...Ainda agora chegou e já está a ser atendida…o que faz ser conhecida. Sabe quem ela é?" Como se eu encolhesse os ombros, continuou, "é aquela que casou com um polícia que nunca se levantou da cama". Como tivesse, finalmente, chegado o meu voo, como quem diz o meu número 56, levantei-me, deixando o velhote a meio da narração, interrompida pela força das circunstâncias. Eram 10, 30 e lá segui a minha vida, procurando outras vidas. A funcionária, de cara dividida entre o expedito e o prestável, tentando levar a sua função a bom termo, continuava sozinha a atender um público heterogéneo, mas acentuadamente idoso.

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