Tem um ar magrote,
esquálido, como quem se alimenta mal. A calça rota nas duas pernas e junto
aos joelhos apresenta um ar cansado como objecto que já correu muito nesta
vida. As suas mãos, com dedos compridos, são calejadas, mais que certo robustecidas
pelas arestas de muitos tijolos que lhe tocaram em beijos de ganha-pão, parecem de
operário pendurado num ilusório cabido e à espera de uma oportunidade. Senhoras
e senhores, apresento-vos o “inginheiro”
Paulo Dias. Aviso já que não tem canudo passado por qual faculdade, mas tem uma
formação obrigatória para vender castanhas na Praça 8 de Maio. Façam o favor de
não rir porque o caso é sério e o “inginheiro”
pode sentir-se incomodado. Vou ligar o gravador e transcrever a história do “inginheiro” Paulo:
“Até há quatro anos trabalhei na construção civil. O trabalho começou a
rarear e passei a fazer parte do universo de desempregados. Recebi subsídio de
desemprego até há dois anos. A seguir foi-me atribuído o rendimento mínimo.
Como não chegava para pagar a renda de casa, que é de 200,00 euros, tive de fazer
pequenos biscates para ver se me aguentava com a minha companheira, a Sónia
Margarida –que você conhece bem desde criança. Em Maio do ano passado foi-me cortado o RSI,
Rendimento Social de Inserção, e a renda de casa começou a não acompanhar as
minhas necessidades. Fui às Finanças colectar-me para vender bolas de Berlim na
praia da Figueira da Foz. Fiz o mesmo para a minha Sónia, para poder vender
bolos de Ançã junto à Loja do Cidadão. Mas a renda da casa, por falta de pagamento,
teimava em crescer e a ameaçar o nosso bem-estar. Pedi uns dinheirinhos e
comprei um carrinho de assar castanhas por 400,00 euros. Fui novamente às Finanças
fazer um acrescento na colecta, agora como vendedor de castanhas. A seguir, fui
à Câmara Municipal para tratar da licença. Era preciso um termo de
responsabilidade e uma formação. Paguei 50,00 euros para o processo dar
entrada. Fui então tratar da formação profissional para ser “inginheiro” e
poder vender castanhas na Praça 8 de Maio. Encaminhei-me para a Palheira, uma
localidade nos arrabaldes da cidade, para um técnico da especialidade. A troco
de mais 25,00 euros para a formação e mais 50,00 euros pelo termo de
responsabilidade, e após umas escassas horas, passei a licenciado. Por ser
obrigatório, adquiri um extintor por 31,00 euros, que tenho de manter no carro.
Fui à autarquia e paguei mais 30,00 euros por ocupação de espaço público até
Abril e mais 6,50 euros por mês.
Ser “inginheiro” custa muito! Nunca tinha imaginado quanto! Sabe o que
lamento? É a falta de sensibilidade de tantas pessoas –incluindo pessoal da
fiscalização que, volta e meia, vão ter com a minha Sónia, junto à Loja do
Cidadão, e a fazem arrumar tudo por falta de licença de ocupação. Ninguém pensa
no esforço que faço para aguentar e estar aqui. Ninguém se preocupa se ganho o
suficiente para pagar as licenças. É um absurdo! Não consigo arranjar dinheiro
para tanta obrigação. Parece que querem obrigar-me a ir roubar. Repare, estou a
pagar o quilo de castanhas a 4,00 euros. Num saco de vinte quilos, muitas delas
vêm podres, vão à vida cerca de 15,00 euros. Diga-me? O que resta? Quase não dá
para comer uma sopa! Acho que a edilidade deveria ter outro tratamento para os
vendedores como eu, que sou pobre e mal tenho sítio para cair morto. É só mesmo
para nos comer dinheiro! É muito triste, sabe?”
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