terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

COMO É QUE SE FALA COM ESTA GENTE?





O encontro foi recentemente mas, confesso, a irritação ainda não me passou. Fiquei tão incomodado que, desconfio, não voltarei a falar com esta gente. Antes de me alongar, como ressalva, devo clarificar que o defeito é meu. Não é deles. Sou um tipo esquisito. Não interesso a ninguém. Tenho a mania que sou incorruptível, que sou diferente, para melhor, de certa tralha que para aí anda. Claro que é pura arrogância, a raiar a estupidez e auto-convencimento, mas adiante.
Não posso com gente embusteira, com malabaristas que querem estar bem com Deus e com o Diabo. Provocam-me uma comichão maior que uma dose massiva de urticária. Sempre fui assim, mas com a idade fiquei muito pior. E o problema é que não me consigo conter e digo na cara dos intrujões o que penso deles. Se é certo que fico aliviado –em boa verdade este prazer que sinto não tem preço-, por outro lado, constato, os sujeitos, perante a minha frontalidade, olham para mim como se olha para um louco, ou talvez como um animal que se pode tornar perigoso a qualquer momento. E, no mínimo, evitam-me como se esquiva de um aranhão.
Às vezes pergunto-me porque sou assim. Por que não sou polido, cheio de boas maneiras, controlado perante a hipocrisia latente e presente e dizer o que certa gentinha quer ouvir. Porque tenho de ser assim? Interrogo tantas vezes. Provavelmente a razão, estou em crer, é que fui muitas vezes enganado ao longo da vida por gentalha como esta que ainda não identifiquei, mas lá irei. Vou só contar uma história para exemplificar. Comecei a trabalhar na Baixa, no comércio, em 1973, com 16 anos. Passando a imodéstia, para além de ser muito aplicado, era um miúdo cheio de ideias de vencer a pobreza e muito trabalhador. Sabia que só através do trabalho conseguiria dar o salto. Durante os dias úteis atendia clientes ao balcão, à noite ia estudar e ao fim-de-semana ia para um café servir à mesa. Penso que o meu afinco deveria ser perceptível. De tal modo que havia na Rua Eduardo Coelho um comerciante, com uma ourivesaria, o senhor Rider, que quando me via fazia-me um festim de elogios, assim no género: “hás-de ir muito longe, rapaz! És muito trabalhador e tens muito jeito para o negócio!”. Talvez por tantas vezes esta mensagem ser repetida, ou porque se alongasse ainda mais nos louvores, acabei a acreditar que um dia poderia contar com a sua ajuda para me estabelecer por conta-própria.
Quando saí do Serviço Militar, em 1978, com 22 anos, já casado, lembro-me de me deitar, à noite, e acordar, de manhã, com o mesmo desejo: ter a minha própria loja. A procura estava no auge e não havia mercadorias para vender. Havia muito dinheiro em circulação. Por essa altura surgiu o que eu considerava um bom negócio, mas havia um problema: não tinha dinheiro. Então, quando o desejo extravasa a razão deixamos de considerar as dificuldades e achamos que não há fronteiras até ao impossível. E fui falar com o meu alegado amigo Rider a sua casa, na Rua do Brasil. Nesta tentativa de investimento estava em causa dois mil contos –dez mil euros, hoje-, uma pequena fortuna para a época. Cheio de entusiasmo, expus o meu plano e completei com a frase: será que o senhor Rider pode ser meu avalista neste negócio? Em face desta interrogativa qualquer homem considerado normal teria dito ali mesmo que não podia. Poderia apresentar razões variadíssimas como, por exemplo, que me faltava experiência e que não deveria arriscar. E a história, para ele enquanto garante, acabava ali. Mas o Rider era muito inteligente e de “normal” tinha pouco. Era um tipo muito esperto. Em vez de desmotivar, pelo contrário, incentivou e disse que era um bom plano. Para complementar a farsa garantiu-me o aval de um empréstimo nesse valor e remeteu-me para o BESCL, Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, na Rua Visconde da Luz. Colocou-me um cartão seu na minha mão e enviou-me para o gerente do banco, o senhor Silvano. Nessa noite não dormi. Já me via na minha loja e a vender as minhas malhas e camisas. Eram favas contadas. O negócio estava no papo, pensava dando voltas na cama. No dia seguinte, logo ao abrir da instituição bancária –nessa altura, antes de se tornarem especuladores, chamávamos assim a estas casas de crédito- estava ao balcão a pedir para falar com o gerente. Mandou-me entrar para um pequeno gabinete. Depois de acomodado e de lhe entregar o bilhete, cheio de força nas palavras e ampliando o lucro visualizado, tratei de convencer o homem dos empréstimos. Apesar do meu manancial de argumentos que saiam em catadupa o funcionário bancário estava sempre a dar-me para trás. Ora porque não era boa altura, ora porque viriam tempos melhores, ora que aguardasse mais uns tempos. Andava ali às voltas mas nunca dizia que não financiava. Foi de tal modo cerceador que às tantas, porque já me estava a passar com aquela encenação, perguntei abruptamente: diga-me de uma vez por todas, empresta-me o dinheiro ou não?
Foi então que o homem atirou o xeque-mate: não poderia financiar porque o senhor Rider tinha um grande investimento em mãos e, em face disso, não poderia ser meu avalista. Quando saí a porta percebi tudo. O espertalhão do Ríder, sem se desmanchar, mandou-me para o banco mas, quase certo e antes disso, ligou ao Silvano com a recomendação: “vai aí aparecer um puto sonhador. Despache-o o mas tente convencê-lo de que a culpa não é minha.”
Nunca me esqueci desta história. É por isso mesmo que sou terra-a-terra. Pão, pão, queijo, queijo. Não posso com gente mentirosa, fingida. Refiro alguns políticos da nossa praça. Provocam-me asco, vómitos, para ser mais exacto.


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