sábado, 7 de fevereiro de 2015

A FEIRA SEM REGRAS



Está um frio de rachar a alma em fanicos. A temperatura adormece-nos as pontas dos dedos dos pés e enregela-nos a ponta do nariz. No relógio da torre da Universidade os ponteiros preparam-se para se encavalitarem um em cima do outro para dividir o dia e multiplicar a noite. Faltam, portanto, poucos minutos para a meia-noite, da passagem desta sexta para Sábado. Apesar do silêncio da área envolvente ser apenas entrecortado pelo barulho de um ou outro automóvel, o terreiro junto ao Convento de Santa Clara-a-Velha já está com várias bancas montadas e com muitos panos no chão de pedra. A razão de tais fantasmas feitos matéria é o facto deste Sábado ali mesmo se realizar a Feira sem Regras e onde dezenas largas de pessoas, uns vendedores profissionais, outros cidadãos anónimos, vão tentar fazer uns cobres que tornem os dias da próxima semana mais compridos e alegres.
Olho na direcção do mosteiro e lá ao fundo vejo uma carrinha estacionada e um homem e uma mulher, pelos movimentos, preparam o seu espaço para o dia que romperá daí a umas seis ou sete horas. É a senhora Luz Alves, empregada de laboratório, e o marido, Telmo Alves, bate-chapas mas cuja profissão e serviço que vai aparecendo já viu melhores dias. Ambos com aparentes idades entre os cinquenta e os sessenta não dão mostras de receio de enfrentar a nevada. Com tanto frio, porque não estão na cama e vêm só de manhã? Interrogo. “Tenho de marcar o meu ponto de venda muito cedo, caso contrário, ao amanhecer terei muita dificuldade em conseguir um bom lugar, responde a senhora Luz. É a segunda vez que venho. Foi uma vizinha que me desafiou. No mês passado, na minha estreia, trouxe uns "cacarecos", que tinha abandonados lá por casa, e ainda fiz à volta de cinquenta euros. Fez jeito, sabe? Foram inteirinhos para a minha filha e para a minha nora. Tudo o que eu realizar aqui é para as ajudar. Agora é assim! Nós pais estamos mal mas, mesmo assim, temos de auxiliar os nossos filhos! E o que é que não fazemos por eles? Você também os deve ter e deve saber do que falo. Desta vez trago mais coisas, sapatos, roupas e tudo o que tinha para lá esquecido. Gostei muito da minha primeira experiência. Passa-se aqui um bom bocado. Apesar de se vender as coisas muito baratinhas, entre um euro e cinquenta cêntimos, sempre se faz um dinheirinho. Não se paga nada para comercializarmos. Temos de nos esforçar muito para aguentarmos esta crise. As coisas estão muito difíceis, o senhor não acha?”



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