sábado, 14 de fevereiro de 2015

LEIA O DESPERTAR...

LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto "REFLEXÃO: COMO É QUE SE FALA COM ESTA GENTE?", deixo também as crónicas "A FEIRA SEM REGRAS";  e "ADEUS, ~"CANTINHO DA ANITA"".



REFLEXÃO: COMO É QUE SE FALA COM ESTA GENTE?

O encontro foi recentemente mas, confesso, a irritação ainda não me passou. Fiquei tão incomodado que, desconfio, não voltarei a falar com esta gente. Antes de me alongar, como ressalva, devo clarificar que o defeito é meu. Não é deles. Sou um tipo esquisito. Tenho a mania que sou incorruptível, que sou diferente, para melhor, de certa tralha que para aí anda. Claro que é pura arrogância, a raiar a estupidez e autoconvencimento, mas adiante. Não posso com pessoas embusteiras, com malabaristas que querem estar bem com Deus e com o diabo. Provocam-me uma comichão maior que uma dose massiva de urticária. Sempre fui assim, mas com a idade fiquei muito pior. E o problema é que não me consigo conter e digo na cara dos intrujões o que penso deles. Se é certo que fico aliviado –em boa verdade este prazer que sinto não tem preço-, por outro lado, constato, os sujeitos, perante a minha frontalidade, olham para mim como se olha para um louco, ou talvez como um animal que se pode tornar perigoso a qualquer momento. E, no mínimo, evitam-me como se esquiva de um aranhão.
Às vezes pergunto-me porque sou assim. Por que não sou polido, cheio de boas maneiras, controlado perante a hipocrisia latente e presente e dizer o que certa gentinha quer ouvir. Porque tenho de ser assim? Interrogo tantas vezes. Provavelmente, a razão é que, ao longo da vida, fui muitas vezes enganado por gentalha como esta que fez de mim “gato-sapato”. Vou só contar uma história para exemplificar. Comecei a trabalhar na Baixa, em 1973, no comércio, com 16 anos. Passando a imodéstia, para além de ser muito aplicado, era um miúdo cheio de ideias de vencer a pobreza e muito esforçado. Sabia que só através do trabalho conseguiria dar o salto. Durante os dias úteis atendia clientes ao balcão, à noite ia estudar e ao fim-de-semana ia para um café servir à mesa. Penso que o meu afinco deveria ser percetível. De tal modo que havia na Rua Eduardo Coelho um comerciante, com uma ourivesaria, o Rider, que quando me via fazia-me um festim de elogios, assim no género: “hás de ir muito longe, rapaz! És muito trabalhador. Tens muito jeito para o negócio!”. Talvez por tantas vezes esta mensagem ser repetida, ou porque se alongasse ainda mais nos louvores, acabei a acreditar que um dia poderia contar com a sua ajuda para me estabelecer por conta-própria.
Quando saí do Serviço Militar, em 1978, com 22 anos, já casado, lembro-me de me deitar, à noite, e acordar, de manhã, com o mesmo desejo: ter a minha própria loja. A procura estava no auge e não havia mercadorias para vender. O dinheiro circulava a rodos. Por essa altura surgiu o que eu considerava um bom negócio, mas havia um problema: não tinha dinheiro. Então, quando o desejo extravasa a razão deixamos de considerar as dificuldades e achamos que não há fronteiras até ao impossível. E fui falar com o meu alegado amigo Rider a sua casa. Nesta tentativa de investimento estava em causa dois mil contos –dez mil euros, hoje-, uma pequena fortuna para a época. Cheio de entusiasmo, expus o meu plano e completei com a frase: será que o senhor Rider pode ser meu avalista neste negócio? Em face desta interrogativa qualquer homem considerado normal teria dito ali mesmo que não. Mas este ourives era muito inteligente e de “normal” tinha pouco. Era um tipo muito esperto. Em vez de desmotivar, pelo contrário, incentivou e disse que era um bom investimento. Para complementar a farsa garantiu-me o aval de um empréstimo nesse valor e remeteu-me para o BESCL, Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, na Rua Visconde da Luz. Colocou-me um cartão seu na mão e enviou-me para o gerente do banco. Nessa noite não dormi. Já me via na minha loja e a vender as minhas malhas e camisas. Eram favas contadas. O negócio estava no papo, pensava dando voltas na cama. No dia seguinte, logo ao raiar do dia, estava ao balcão a pedir para falar com o gestor. Tratei de convencer o homem dos empréstimos. Apesar do meu manancial de argumentos que saiam em catadupa o funcionário bancário estava sempre a dar-me para trás. Ora porque não era boa altura, ora porque viriam tempos melhores, ora que aguardasse mais uns tempos. Andava ali às voltas mas nunca dizia que não financiava. Às tantas, porque já me estava a passar com aquela encenação, perguntei abruptamente: diga-me de uma vez por todas, empresta o dinheiro ou não? Foi então que o homem atirou o xeque-mate: não poderia financiar porque o Rider tinha um grande investimento em mãos e, em face disso, não poderia ser meu avalista. Quando saí a porta percebi tudo. O espertalhão do ourives, sem se desmanchar, mandou-me para o banco mas, quase certo e antes disso, ligou ao Silvano com a recomendação: “vai aí aparecer um puto sonhador. Despache-o o mas tente convencê-lo de que a culpa não é minha.”
Nunca me esqueci desta história. É por isso mesmo que sou terra-a-terra. Pão, pão, queijo, queijo. Não posso com gente mentirosa, fingida. Refiro alguns políticos da nossa praça.


A FEIRA SEM REGRAS

Está um frio de rachar a alma em fanicos. A temperatura adormece-nos as pontas dos dedos dos pés e enregela-nos a ponta do nariz. No relógio da torre da Universidade os ponteiros preparam-se para se encavalitarem um em cima do outro para dividir o dia e multiplicar a noite. Faltam, portanto, poucos minutos para a meia-noite, da passagem desta sexta para Sábado. Apesar do silêncio da área envolvente ser apenas entrecortado pelo barulho de um ou outro automóvel, o terreiro junto ao Convento de Santa Clara-a-Velha já está com várias bancas montadas e com muitos panos no chão de pedra. A razão de tais fantasmas feitos matéria é o facto deste Sábado ali mesmo se realizar a Feira sem Regras e onde dezenas largas de pessoas, uns vendedores profissionais, outros cidadãos anónimos, vão tentar fazer uns cobres que tornem os dias da próxima semana mais compridos e alegres.
Olho na direção do mosteiro e lá ao fundo vejo uma carrinha estacionada e um homem e uma mulher, pelos movimentos, preparam o seu espaço para o dia que romperá daí a umas seis ou sete horas. É a senhora Luz Alves, empregada de laboratório, e o marido, Telmo Alves, bate-chapas mas cuja profissão e serviço que vai aparecendo já viu melhores dias. Ambos com aparentes idades entre os cinquenta e os sessenta não dão mostras de receio de enfrentar a nevada. Com tanto frio, porque não estão na cama e vêm só de manhã? Interrogo. “Tenho de marcar o meu ponto de venda muito cedo, caso contrário, ao amanhecer terei muita dificuldade em conseguir um bom lugar, responde a senhora Luz. É a segunda vez que venho. Foi uma vizinha que me desafiou. No mês passado, na minha estreia, trouxe uns “cacarecos”, que tinha abandonados lá por casa, e ainda fiz à volta de cinquenta euros. Fez jeito, sabe? Foram inteirinhos para a minha filha e para a minha nora. Tudo o que eu realizar aqui é para as ajudar. Agora é assim! Nós pais estamos mal mas, mesmo assim, temos de auxiliar os nossos filhos! E o que é que não fazemos por eles? Você também os deve ter e deve saber do que falo. Desta vez trago mais coisas, sapatos, roupas e tudo o que tinha para lá esquecido. Gostei muito da minha primeira experiência. Passa-se aqui um bom bocado. Apesar de se vender as coisas muito baratinhas, entre um euro e cinquenta cêntimos, sempre se faz um dinheirinho. Não se paga nada para comercializarmos. Temos de nos esforçar muito para aguentarmos esta crise. As coisas estão muito difíceis, o senhor não acha?”




ADEUS, CANTINHO DA ANITA

No próximo dia 24 de Março o “Cantinho da Anita”, o mais bonito e emblemático estabelecimento de artesanato da Baixa, fará 29 anos de existência. Antes de bater palmas, de parabéns, vale mais ler o que está escrito a seguir: a “Casa Anita” vai encerrar. Para além de, logicamente, já não comemorar as três décadas, no final deste mês de Março fechará as portas para sempre.
Maria Hermínia Matos, a criadora, o mentor, deste ícone turístico e tão representativo da cidade, tal qual um postal ilustrado, embora se pressinta um nó na garganta, é uma mulher conformada com este triste desfecho. “Não me resta outra solução. Há vários meses que, colocando aqui dinheiro da minha reforma, estou a pagar para trabalhar. Naturalmente que não posso manter esta situação. Tenho uma funcionária, a Maria Fernanda, com cerca de 25 anos de casa, e que considero como filha. Ainda lhe ofereci o negócio mas ela não quer –e se quer que lhe diga até fico contente por ela não aceitar. O negócio que se faz atualmente não dá para arriscar. E olhe que não é pela renda. Pago um importância pequena, cerca de 150,00 Euros –aproveito para agradecer ao meu senhorio a sensibilidade que manteve comigo ao longo dos anos e em não me aumentar. É uma imaginação que acaba aqui. Não há hipótese de continuar! É um sonho que se desfaz –e os seus olhos humedecem e a voz sai embargada. Tanto lutei para abrir esta casa! Tudo fiz para a manter. Estive com a loja aberta ao Sábado, à hora de almoço e sempre que necessário mas os clientes não vieram. Abandonaram-nos, pura e simplesmente! Passaram a vir cá apenas para arranjos e para pequenos trabalhos que ninguém mais fazia. As prendas de Natal e de outras épocas do ano passaram a ser feitas nas grandes superfícies. É muito triste! Sinto um grande desconforto. Nem tenho palavras!”
Já escrevi algumas vezes sobre os (viciados) percursos turísticos. Já há muito tempo que os turistas são despejados no Largo da Portagem, percorrem o traçado na Rua Ferreira Borges, até ao Arco de Almedina, e sobem para a Alta. Resultado desta intencional ou falta de estratégia, em que as vias estreitas e até a larga Rua da Sofia praticamente não têm visitantes em trânsito, é o encerramento de vários estabelecimentos comerciais. Alguém se vai importar com isto? A defunta Empresa Municipal de Turismo nunca quis saber.


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