Hoje, enquanto esperava pelo
almoço, no pequeno snack-bar, porque não o tinha lido durante a manhã, deu-me
para desfolhar o Diário de Coimbra. Já há uns tempos para cá que dou sempre uma
vista de olhos no obituário –dizem os mais sérios que esta inclinação é
ocasionada pela percepção de que estamos a caminhar para o fim da nossa vida e,
por isso mesmo, passamos a ver qual dos nossos conhecidos ou amigos partiu à
nossa frente. Os mais brincalhões afirmam que esta preocupação de visionar a
página da necrologia é para verificar se encontramos lá a nossa foto plasmada.
Foi então que levei um murro no
estômago pela notícia acompanhada de foto: “Elvira
Martins Maurício faleceu subitamente com 58 anos”. Eu conheci muito bem
esta mulher que, partindo à nossa frente, agora nos deixa. A Elvira foi a minha
segunda namorada. Teria eu cerca de 17 anos quando nos conhecemos no salão de baile
do “Bacana”, na Lameira de São Geraldo, próximo do Luso. Era uma mulher linda,
de intensos olhos azuis. Ela trabalhava na desaparecida Pensão Lusa, no Luso, e
eu numa loja da Baixa de Coimbra. Aos sábados, eu ia de propósito ao bailarico
para dançarmos e acompanhá-la a pé, juntamente com outras miúdas da nossa idade
e percorrendo uma distância de cerca de 3 quilómetros, até à vila das águas
encantadas por Deus.
Estávamos em 1973. Não sei
quantos meses namorámos. O que sei é que, talvez fruto da idade, eu era um galo doido. Sem saber o que queria, eu
procurava uma garota linda e toda virada para a frente, modernaça e com ideias
avançadas. Nessa altura conheci uma outra –que já não recordo o nome- também
nascida na zona do Luso e que residia e estudava no Liceu Dona Maria, em
Coimbra. Talvez pela acessibilidade, uma vez que eu laborava na cidade dos
estudantes, a verdade é que acabei o namoro com a Elvira. No dia em que lhe
comuniquei o desenlace esta bela rapariga chorou desalmadamente no meu ombro.
Ela era uma mulher incrível, assertiva, pés no chão e cabeça no lugar.
Lembro-me perfeitamente do seu abraço envolvente. Nunca esqueci o seu olhar
terno e dedicado. No ano seguinte, e largos meses depois de termos rompido, quando
fiz anos, em Agosto, recebi pelo correio uma encomenda dela. Lá dentro um single com a versão de Sharif Dean “Do you love me?”. Por
incrível que pareça, ao longo da minha vida, tive sempre a sua imagem presente
na minha cabeça. Eu nunca tive dúvidas de que ela fora a mulher que mais me amou.
Ela foi o meu símbolo do amor. Aquele afecto que idealizamos em sonhos e
acreditamos nunca encontrar no caminhar da existência. Dois anos depois, em
1976, sem nunca me esquecer dela, casei. Senti de tal forma o seu amor por mim
que no dia do meu casamento receei vê-la entrar pela igreja dentro e interromper
o padre quando ele interrogava se alguém se opunha ao enlace. Imaginei-a a
gritar do fundo da sala: “esse homem é
meu!”
Ao longo do meu casamento de 35
anos, e já com a Elvira casada com outro homem, quando naquelas fases más que todos
os casais passam, lá sentia a interrogação: porque
deixei a Elvira? Pela forma como me amava, eu nunca teria problemas com ela e
teria sido muito feliz!
Neste percorrer estrada da minha
vida perguntei-me sempre porque, em face daquela paixão única, porque não
ficámos juntos? Nunca encontrei uma resposta objectiva. Embora não acredite nos
ditames do destino –ele é apenas uma subsequência de acções anteriores-, achei
sempre que estava escrito nas estrelas que não estávamos fadados um para o
outro. Não encontro outra explicação racional.
Já depois de ela estar
divorciada, ao longo das nossas vidas encontramo-nos, por acaso, duas ou três
vezes nas ruas da cidade, em Coimbra. Conversámos e nada mais. Nunca passou de
um encontro fortuito. Éramos duas pessoas que nos conhecíamos bem –cada um a
guardar a sua memória nos gavetões da mente-, mas nada mais do que isso. Neste
presente, éramos dois estranhos em face do passado. O tempo alagou a nossa
proximidade e petrificou o que de bom ficou.
Segundo um vizinho, nesta última
sexta-feira, durante a manhã, a hora indeterminada –já que a Elvira vivia
sozinha- teve um derrame cerebral. Só depois do almoço, em telefonema de um
familiar, como não respondesse, este deu o alerta. Encontraram-na ainda com
vida e foi transportada para o hospital mas já não recuperou do coma. E lá
faleceu.
Hoje, no lugar de Trezoi com a
bonita capela completamente cheia de amigos, na missa de corpo-presente, a
mulher que mais me amou, tenho a certeza, esteja onde estiver, sentiu todo
aquele calor humano de tantos que lhe queriam bem.
Não sei se consigo mostrar que
este meu texto pretende ser uma reverência à Elvira Martins Maurício. Não
pretendo de modo nenhum reabrir feridas que possam magoar alguém. É apenas a
minha sentida homenagem; o tributo de alguém que teve a honra de a ter conhecido
e o quanto, mesmo no silêncio, ela foi importante na sinuosidade da vida.
Ao seu único filho, à sua
restante família, as minhas mais sinceras condolências nesta hora de
consternação e dor. Até sempre Elvira! Gostei muito de te ter conhecido. Até um
dia! Descansa em paz!
4 comentários:
Lindo...antonio..mais uma vez um depoimento sentido, um reviver de emoçoes que mexeram com os seus sentimentos, nao deixa de nos contagiar tambem pelas nossas/ de outras pessoas os momentos marcantes de cada um doa dias da nossa vida. A elvira partiu, sim, como essa Elvira muitas outras "elviras" partiram, e certamente todas nos deixaram marcas, positivas outras talvem nem tanto...mas faz parte da vida!
Muito obrigada!
Amores desencontrados,mas que fica sempre registado no nosso coração!Magoa sempre a partida de quem um dia nos disse muito. Bela mensagem.
Lurdes Pedroso Obrigada!
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