quinta-feira, 21 de novembro de 2013

A MULHER QUE MAIS ME AMOU



 Hoje, enquanto esperava pelo almoço, no pequeno snack-bar, porque não o tinha lido durante a manhã, deu-me para desfolhar o Diário de Coimbra. Já há uns tempos para cá que dou sempre uma vista de olhos no obituário –dizem os mais sérios que esta inclinação é ocasionada pela percepção de que estamos a caminhar para o fim da nossa vida e, por isso mesmo, passamos a ver qual dos nossos conhecidos ou amigos partiu à nossa frente. Os mais brincalhões afirmam que esta preocupação de visionar a página da necrologia é para verificar se encontramos lá a nossa foto plasmada.
Foi então que levei um murro no estômago pela notícia acompanhada de foto: “Elvira Martins Maurício faleceu subitamente com 58 anos”. Eu conheci muito bem esta mulher que, partindo à nossa frente, agora nos deixa. A Elvira foi a minha segunda namorada. Teria eu cerca de 17 anos quando nos conhecemos no salão de baile do “Bacana”, na Lameira de São Geraldo, próximo do Luso. Era uma mulher linda, de intensos olhos azuis. Ela trabalhava na desaparecida Pensão Lusa, no Luso, e eu numa loja da Baixa de Coimbra. Aos sábados, eu ia de propósito ao bailarico para dançarmos e acompanhá-la a pé, juntamente com outras miúdas da nossa idade e percorrendo uma distância de cerca de 3 quilómetros, até à vila das águas encantadas por Deus.
Estávamos em 1973. Não sei quantos meses namorámos. O que sei é que, talvez fruto da idade, eu era um galo doido. Sem saber o que queria, eu procurava uma garota linda e toda virada para a frente, modernaça e com ideias avançadas. Nessa altura conheci uma outra –que já não recordo o nome- também nascida na zona do Luso e que residia e estudava no Liceu Dona Maria, em Coimbra. Talvez pela acessibilidade, uma vez que eu laborava na cidade dos estudantes, a verdade é que acabei o namoro com a Elvira. No dia em que lhe comuniquei o desenlace esta bela rapariga chorou desalmadamente no meu ombro. Ela era uma mulher incrível, assertiva, pés no chão e cabeça no lugar. Lembro-me perfeitamente do seu abraço envolvente. Nunca esqueci o seu olhar terno e dedicado. No ano seguinte, e largos meses depois de termos rompido, quando fiz anos, em Agosto, recebi pelo correio uma encomenda dela. Lá dentro um single com a versão de Sharif Dean “Do you love me?”. Por incrível que pareça, ao longo da minha vida, tive sempre a sua imagem presente na minha cabeça. Eu nunca tive dúvidas de que ela fora a mulher que mais me amou. Ela foi o meu símbolo do amor. Aquele afecto que idealizamos em sonhos e acreditamos nunca encontrar no caminhar da existência. Dois anos depois, em 1976, sem nunca me esquecer dela, casei. Senti de tal forma o seu amor por mim que no dia do meu casamento receei vê-la entrar pela igreja dentro e interromper o padre quando ele interrogava se alguém se opunha ao enlace. Imaginei-a a gritar do fundo da sala: “esse homem é meu!”
Ao longo do meu casamento de 35 anos, e já com a Elvira casada com outro homem, quando naquelas fases más que todos os casais passam, lá sentia a interrogação: porque deixei a Elvira? Pela forma como me amava, eu nunca teria problemas com ela e teria sido muito feliz!
Neste percorrer estrada da minha vida perguntei-me sempre porque, em face daquela paixão única, porque não ficámos juntos? Nunca encontrei uma resposta objectiva. Embora não acredite nos ditames do destino –ele é apenas uma subsequência de acções anteriores-, achei sempre que estava escrito nas estrelas que não estávamos fadados um para o outro. Não encontro outra explicação racional.
Já depois de ela estar divorciada, ao longo das nossas vidas encontramo-nos, por acaso, duas ou três vezes nas ruas da cidade, em Coimbra. Conversámos e nada mais. Nunca passou de um encontro fortuito. Éramos duas pessoas que nos conhecíamos bem –cada um a guardar a sua memória nos gavetões da mente-, mas nada mais do que isso. Neste presente, éramos dois estranhos em face do passado. O tempo alagou a nossa proximidade e petrificou o que de bom ficou.
Segundo um vizinho, nesta última sexta-feira, durante a manhã, a hora indeterminada –já que a Elvira vivia sozinha- teve um derrame cerebral. Só depois do almoço, em telefonema de um familiar, como não respondesse, este deu o alerta. Encontraram-na ainda com vida e foi transportada para o hospital mas já não recuperou do coma. E lá faleceu.
Hoje, no lugar de Trezoi com a bonita capela completamente cheia de amigos, na missa de corpo-presente, a mulher que mais me amou, tenho a certeza, esteja onde estiver, sentiu todo aquele calor humano de tantos que lhe queriam bem.
Não sei se consigo mostrar que este meu texto pretende ser uma reverência à Elvira Martins Maurício. Não pretendo de modo nenhum reabrir feridas que possam magoar alguém. É apenas a minha sentida homenagem; o tributo de alguém que teve a honra de a ter conhecido e o quanto, mesmo no silêncio, ela foi importante na sinuosidade da vida.
Ao seu único filho, à sua restante família, as minhas mais sinceras condolências nesta hora de consternação e dor. Até sempre Elvira! Gostei muito de te ter conhecido. Até um dia! Descansa em paz!

4 comentários:

Unknown disse...

Lindo...antonio..mais uma vez um depoimento sentido, um reviver de emoçoes que mexeram com os seus sentimentos, nao deixa de nos contagiar tambem pelas nossas/ de outras pessoas os momentos marcantes de cada um doa dias da nossa vida. A elvira partiu, sim, como essa Elvira muitas outras "elviras" partiram, e certamente todas nos deixaram marcas, positivas outras talvem nem tanto...mas faz parte da vida!

LUIS FERNANDES disse...

Muito obrigada!

Lurdes Pedroso disse...

Amores desencontrados,mas que fica sempre registado no nosso coração!Magoa sempre a partida de quem um dia nos disse muito. Bela mensagem.

LUIS FERNANDES disse...

Lurdes Pedroso Obrigada!