quinta-feira, 7 de novembro de 2013

A NECESSIDADE DE SOBREVIVÊNCIA



 O homem pula e avança. Pegando nesta frase já desgastada por poetas e prosadores poderia perfeitamente servir-nos de ponto de partida para esta crónica. Claro que como somos especuladores passamos a interrogar: porque pula e avança o homem? Isto é, sendo o homem um ser gregário, comunitário e sedentarizado, o que move a sua vontade no pular para a frente sozinho e seguir um caminho que na maioria das vezes desconhece? Não haverá respostas unânimes mas poderemos aventar que, entre outros factores, o humano precisa de mudança. Como não consegue conviver eternamente com a rotina, tendo em conta a necessidade/interesse e a causa, é impelido a abandonar uma segurança que lhe era fundamental. Durante décadas pode dar os mesmos passos, percorrer a mesma estrada entre o emprego, o lar, o café e o quiosque de jornais. Um dia, depois de uma noite de insónia e mal dormida, decide que vai alterar tudo: muda de lar, de família, de cidade e até de País. Tudo isto num clima de grande estabilidade económica, onde o ramerrão em princípio se consolida e a mudança só ocorre na vertical, de baixo para cima, no sentido do melhoramento do bem-estar.
Quando a instabilidade financeira acontece, como actualmente, pela necessidade de sobrevivência, o homem abandona os chinelos, o sofá e a telenovela e transforma-se num guerrilheiro da aventura e do calhar. Altera toda a sua vida, assente em valores dados até aqui como adquiridos e nunca questionados, e passa a agir em função do extrínseco –alterando por isso mesmo estes valores que sempre o conduziram. É por isso mesmo que vemos hoje polícias, advogados e outros profissionais na senda do crime em profissões consideradas de moral da Nação. Exactamente porque todo o homem é um potencial ladrão e mata pela razão mais ínfima nos casos em que estiver em causa a sua sobrevivência ou da sua prole. Nestes casos de grande perigosidade, perdido por dez, perdido por mil, deixa-se levar na corrente e os princípios, sentimento intrínseco, passam a meros adjectivos de circunstância, quando até aqui foram substantivos agregadores de uma condução comunitária.
Poderíamos afirmar que as crises económicas/financeiras serão o ponto de partida para outras crises sociais. Darão origem a uma agitação societária, horizontal, onde a colectividade se envolve e revolve, em voltas e revoltas de individualismo e solidariedade, mergulhando e revendo nas provações da miséria, depois de expulsar os seus demónios, surge mais humanizada e purificada mesmo do ponto de vista político.
Apesar de já levarmos uma década de recessão, é de supor que ainda estamos no início da mudança. Até agora só se verificaram alterações na base da pirâmide social, constituída pelos mais desfavorecidos e a designada e desaparecida classe-média. Mas inevitavelmente irão ocorrer no sentido do vértice da pirâmide, constituída pelos mais ricos, detentores de poder, banqueiros e decisores políticos. A questão é sempre saber se esta modificação surgirá por via pacífica, através da negociação política, ou através de violência social, em golpe civil curto ou longo –revolução ou guerra- com custos incomensuráveis e cujo desfecho é sempre uma incógnita. Uma certeza se poderá ter, a solução para esta depressão, contrariamente ao que nos querem fazer crer, não assenta no aumento da procura interna ou outras premissas directamente ligadas à macroeconomia, mas sim na passagem para um sistema mais equilibrado na distribuição de riqueza. Não é admissível que um jogador de futebol de renome mundial ganhe por minuto, ininterrupto, o mesmo que um trabalhador especializado ganhe por um dia de trabalho, efectivo. Do ponto de vista da equidade, o que está acontecer na Europa –para não falar do mundo inteiro- é um contra-senso. As classes trabalhadoras estão a ser espezinhadas pelos governos eleitos democraticamente, diz-se, com estes a retirar-lhes sistematicamente os rendimentos do trabalho e a aumentar, em confisco, taxas e impostos. Como se a asfixia não fosse eminente, meia dúzia de grandes grupos económicos, actuando em oligopólio, fornecedores de serviços essenciais, entre electricidade, comunicações e combustíveis, fazem o resto. Se nada for alterado, a curto prazo, como já tantas vezes foi chamado a atenção por entidades de grande responsabilidade, a situação irá descambar em guerra civil –basta apenas tomar atenção ao passado histórico recente. Curiosamente, como tudo indica, em paradoxo, começará na Grécia, no berço da Democracia.
Voltando às rotinas, estas podem ser alteradas mas sempre em regime de compensação –ou seja, uma perda terá de ser sempre finita; ter começo e fim, saber-se que a seguir ao período de carência virá sempre um outro de melhoramento. Pelo contrário, se a perda for contínua, infinita, conduzirá a uma sensação de que nada vale a pena e redundará em desespero. É isto que os governos, aparentemente, ainda não entenderam. O facto dos protestos estarem a subir de tom parece não os preocupar nem lhes tirar o sono –na semana passada, na Assembleia da República, ouviram-se apodos de “assassinos”. Mesmo para quem nada percebe, ou não pensa nestas questões sociais, está de ver que estamos perante uma reveladora explosão social a qualquer momento.
Estamos a criar uma horda de descontentes, a começar nos adolescentes e a acabar nos avós reformados –até os mortos apanham por tabela ao ser-lhes retirada possibilidade de serem homenageados no seu dia de todos os santos. Aparentemente lida-se com tudo isto como se as ordens dadas, de cima para baixo, não gerassem ondas de rebelião; como se toda a sociedade estivesse moribunda. Mas cuidado! Quando em espírito os mortos se levantarem da tumba, exigindo os seus direitos históricos de memória, os torcionários, carrascos, vão arrepender-se de estarem vivos.

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