O homem
pula e avança. Pegando nesta frase já desgastada por poetas e prosadores
poderia perfeitamente servir-nos de ponto de partida para esta crónica. Claro
que como somos especuladores passamos a interrogar: porque pula e avança o homem? Isto é, sendo o homem um ser
gregário, comunitário e sedentarizado, o que move a sua vontade no pular para a
frente sozinho e seguir um caminho que na maioria das vezes desconhece? Não
haverá respostas unânimes mas poderemos aventar que, entre outros factores, o
humano precisa de mudança. Como não consegue conviver eternamente com a rotina,
tendo em conta a necessidade/interesse
e a causa, é impelido a abandonar uma
segurança que lhe era fundamental. Durante décadas pode dar os mesmos passos,
percorrer a mesma estrada entre o emprego, o lar, o café e o quiosque de
jornais. Um dia, depois de uma noite de insónia e mal dormida, decide que vai
alterar tudo: muda de lar, de família, de cidade e até de País. Tudo isto num
clima de grande estabilidade económica, onde o ramerrão em princípio se
consolida e a mudança só ocorre na vertical, de baixo para cima, no sentido do
melhoramento do bem-estar.
Quando a instabilidade financeira
acontece, como actualmente, pela necessidade de sobrevivência, o homem abandona
os chinelos, o sofá e a telenovela e transforma-se num guerrilheiro da aventura
e do calhar. Altera toda a sua vida, assente em valores dados até aqui como
adquiridos e nunca questionados, e passa a agir em função do extrínseco
–alterando por isso mesmo estes valores que sempre o conduziram. É por isso
mesmo que vemos hoje polícias, advogados e outros profissionais na senda do
crime em profissões consideradas de moral
da Nação. Exactamente porque todo o homem é um potencial ladrão e mata pela
razão mais ínfima nos casos em que estiver em causa a sua sobrevivência ou da
sua prole. Nestes casos de grande perigosidade, perdido por dez, perdido por mil, deixa-se levar na corrente e os
princípios, sentimento intrínseco, passam a meros adjectivos de circunstância,
quando até aqui foram substantivos agregadores de uma condução comunitária.
Poderíamos afirmar que as crises
económicas/financeiras serão o ponto de partida para outras crises sociais.
Darão origem a uma agitação societária, horizontal, onde a colectividade se
envolve e revolve, em voltas e revoltas de individualismo e solidariedade, mergulhando
e revendo nas provações da miséria, depois de expulsar os seus demónios, surge mais
humanizada e purificada mesmo do ponto de vista político.
Apesar de já levarmos uma década
de recessão, é de supor que ainda estamos no início da mudança. Até agora só se
verificaram alterações na base da pirâmide social, constituída pelos mais
desfavorecidos e a designada e desaparecida classe-média.
Mas inevitavelmente irão ocorrer no sentido do vértice da pirâmide,
constituída pelos mais ricos, detentores de poder, banqueiros e decisores
políticos. A questão é sempre saber se esta modificação surgirá por via
pacífica, através da negociação política, ou através de violência social, em golpe
civil curto ou longo –revolução ou guerra- com custos incomensuráveis e cujo
desfecho é sempre uma incógnita. Uma certeza se poderá ter, a solução para esta depressão, contrariamente ao que nos
querem fazer crer, não assenta no aumento da procura interna ou outras
premissas directamente ligadas à macroeconomia, mas sim na passagem para um
sistema mais equilibrado na distribuição de riqueza. Não é admissível que um
jogador de futebol de renome mundial ganhe por minuto, ininterrupto, o mesmo
que um trabalhador especializado ganhe por um dia de trabalho, efectivo. Do
ponto de vista da equidade, o que está acontecer na Europa –para não falar do
mundo inteiro- é um contra-senso. As classes trabalhadoras estão a ser
espezinhadas pelos governos eleitos democraticamente, diz-se, com estes a
retirar-lhes sistematicamente os rendimentos do trabalho e a aumentar, em
confisco, taxas e impostos. Como se a asfixia não fosse eminente, meia dúzia de
grandes grupos económicos, actuando em oligopólio, fornecedores de serviços essenciais, entre
electricidade, comunicações e combustíveis, fazem o resto. Se nada for alterado, a
curto prazo, como já tantas vezes foi chamado a atenção por entidades de grande
responsabilidade, a situação irá descambar em guerra civil –basta apenas tomar
atenção ao passado histórico recente. Curiosamente, como tudo indica, em
paradoxo, começará na Grécia, no berço da Democracia.
Voltando às rotinas, estas podem
ser alteradas mas sempre em regime de compensação –ou seja, uma perda terá de
ser sempre finita; ter começo e fim, saber-se que a seguir ao período de
carência virá sempre um outro de melhoramento. Pelo contrário, se a perda for
contínua, infinita, conduzirá a uma sensação de que nada vale a pena e
redundará em desespero. É isto que os governos, aparentemente, ainda não
entenderam. O facto dos protestos estarem a subir de tom parece não os
preocupar nem lhes tirar o sono –na semana passada, na Assembleia da República,
ouviram-se apodos de “assassinos”.
Mesmo para quem nada percebe, ou não pensa nestas questões sociais, está de ver
que estamos perante uma reveladora explosão social a qualquer momento.
Estamos a criar uma horda de
descontentes, a começar nos adolescentes e a acabar nos avós reformados –até os
mortos apanham por tabela ao ser-lhes retirada possibilidade de serem
homenageados no seu dia de todos os santos. Aparentemente lida-se com tudo isto
como se as ordens dadas, de cima para baixo, não gerassem ondas de rebelião;
como se toda a sociedade estivesse moribunda. Mas cuidado! Quando em espírito os
mortos se levantarem da tumba, exigindo os seus direitos históricos de memória,
os torcionários, carrascos, vão arrepender-se de estarem vivos.
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