sexta-feira, 22 de novembro de 2013

LEIA O DESPERTAR...



LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto "BAIXA: EM BUSCA DA DIVERSIDADE PERDIDA", deixo também a crónica "O FANTASMA DO DIA DOS MORTOS"



BAIXA: EM BUSCA DA DIVERSIDADE PERDIDA

 Nos últimos dias abriram duas frutarias na Rua das Padeiras. Perante este facto perfeitamente normal, numa zona comercial que teima em não se deixar abater, poderemos interrogar: mas o que terá isto de especial? Em face destes dados disponibilizados, diremos, absolutamente nada. Mas se informar que a vinte metros há três estabelecimentos de venda de fruta instalados há décadas talvez já venha baralhar os dados. Se escrever que no ano passado mudou de ramo um ponto de venda destes produtos na Rua do Paço do Conde talvez venha complicar ainda mais a questão. Ou se calhar não! Provavelmente o leitor estará a pensar onde quero chegar com este arrazoado. Para piorar mais as coisas, vou ainda dizer que nestas últimas semanas abriram duas lojas de artesanato numa zona já sobrelotada com oferta; um estabelecimento de roupas para criança; uma sapataria no lugar de outra que não se estava a tornar rentável; e, nos últimos meses, abriram dois cafés –em junho tinha encerrado um. E também duas lojas de chineses –uma delas por motivo de mudança.  Claro que no oceano da mimética há sempre quem sopre ventos de leste: deu à luz um novo estabelecimento de cigarros eletrónicos na Rua Visconde da Luz.
Talvez já se consiga antever onde quero chegar. O que pretendo mostrar é que a oferta nesta zona histórica continua anárquica e sem qualquer planeamento das entidades competentes. Quem se lembra da outrora Baixa comercial desaparecida saberá que a sua atratividade residia essencialmente na extensa oferta. Aqui havia de tudo. Desde uma pilha até ao objeto mais difícil de encontrar no mercado nacional –já para não recordar a pequena oficina de pequenos arranjos de recuperação de objetos. Tudo isso se esfumou na bruma da modernidade. Para quem não conhecer, agora, tentar adquirir uma simples pilha pode ser um problema de difícil solução. Salvo exceções, hoje a oferta nesta zona é uma repetição cansativa, de mais do mesmo, que não procura servir o público consumidor mas antes o desejo de quem não quer arriscar muito e aposta no facilitismo. A consequência desta falta de planeamento é a destruição de todos: os que já estão instalados, os que vêm de novo e, para piorar, a degradação comercial acentua-se cada vez mais.
Sabemos todos que é legítimo a procura de uma vida melhor e não se contesta. Aliás é de valorizar as pessoas negarem o ócio a favor de um negócio. Indo até mais longe, é um direito constitucional consagrado, na liberdade de cada um poder eleger o seu caminho profissional –e aqui incluo os estudantes universitários. Sou absolutamente contra cláusulas-barreiras que dificultem a vontade individual de cada um escolher o seu futuro. O que defendo é que na hora de entrar num qualquer curso profissional ou universitário, investimento comercial, industrial, ou de serviços, o Estado, buscando a diversidade social na razão de defender os interesses de todos, tem uma obrigação redobrada de informar os candidatos das consequências de escolherem uma área cuja oferta exceda a procura.
Voltando à Baixa, nesta chamada de atenção procurando evitar o mal menor, a autarquia deveria chamar a si este alerta. Na hora em que os serviços de atendimento tomem conhecimento de que alguém pretende abrir uma loja numa qualquer rua, ou através do pedido prévio de licenciamento, deveria imediatamente ser contactado o investidor e, de uma forma franca, mostrando-lhe outras opções, dizer-lhe que se pretende abrir uma frutaria numa zona onde já existem três com largas décadas de experiência pode ser um mau passo para todos. Este acautelamento será sempre e apenas um esclarecimento e no sentido da prevenção. Se o proponente persistir na ideia, paciência! Salvo melhor opinião, legalmente não se poderá fazer mais do que um aconselhamento formal. Mas terá mesmo de se fazer. Agora que começou uma nova era autárquica, com novo executivo, não será altura de se perguntar: o que se quer fazer da Baixa?


O FANTASMA DO DIA DOS MORTOS

Passou o dia primeiro de novembro. Morreu o Dia de Todos os Santos. Desde sempre que se considerou esta data como feriado nacional, tendo como objeto fazer uma visita aos cemitérios e relembrar os amigos e familiares que partiram na grande viagem. Pela primeira vez, talvez em mais de um século, este dia santo não foi comemorado este ano. Foi simplesmente apagado do calendário.
Antes de prosseguir, como ressalva de interesses, declaro que defendo um cada vez maior recurso à cremação –com preços mais acessíveis, o que não se verifica atualmente. Apesar disso, tenho o maior respeito pelo costume de depositar os defuntos nos cemitérios. Somos um povo maioritariamente Católico-apostólico-romano e, por isso mesmo, todos temos obrigação de reverenciar a prática popular. E quando escrevo todos considero que tal deferência deve começar pelos governos. Retirar este dia à população portuguesa é muito mais do que um atentado à sua dignidade, é, acima de tudo, mostrar um desconhecimento brutal pela nossa memória. Em silogismo, é caso para interrogar, se o Governo desconsidera os mortos como há-de ter alguma estima pelos vivos? Nas últimas décadas, numa apregoada democracia, e não falo apenas dos últimos executivos, os governos comportam-se como tiranos inimigos do cidadão. Devo clarificar que concordo que alguns feriados não faziam sentido –como, por exemplo e salvo melhor opinião, o do Corpo de Deus, sendo nós assumidamente um Estado laico. Porém há outros, como o do 5 de Outubro, cuja extinção apenas contribuem para o apagamento da nossa história recente.
O argumento invocado para obliterar este Dia de Todos os Santos foi o de que estamos em crise e é preciso trabalhar mais. Acontece que, no dia de homenagem aos desaparecidos, embora poucos mas alguns estabelecimentos comerciais na Baixa não abriram portas. Mais ainda, os que estiveram abertos, salvo exceções, contaram silêncios nas poucas pessoas que entraram na jorna. Esta zona histórica, apesar de ser um dia normal de trabalho, esteve como se realmente fosse feriado. Teria valido a pena este corte? Penso que não.

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