Nos últimos dias abriram duas frutarias na Rua das
Padeiras. Perante este facto perfeitamente normal, numa zona comercial que
teima em não se deixar abater, poderemos interrogar: mas o que terá isto de especial? Em face destes dados
disponibilizados, diremos, absolutamente nada. Mas se informar que a vinte
metros há três estabelecimentos de venda de fruta instalados há décadas talvez
já venha baralhar os dados. Se escrever que no ano passado mudou de ramo um ponto
de venda destes produtos na Rua do Paço do Conde talvez venha complicar ainda mais
a questão. Ou se calhar não! Provavelmente o leitor estará a pensar onde quero chegar com este arrazoado. Para piorar mais as coisas, vou ainda dizer que
nestas últimas semanas abriram duas lojas de artesanato numa zona já
sobre-lotada com oferta; um estabelecimento de roupas para criança; uma sapataria
no lugar de outra que não se estava a tornar rentável; e, nos últimos meses,
abriram dois cafés –em Junho tinha encerrado um. E também duas lojas de
chineses –uma delas por motivo de mudança. Claro que no oceano da mimética há sempre quem sopre ventos de leste: deu à luz
um novo estabelecimento de cigarros electrónicos na Rua Visconde da Luz.
Talvez já se consiga antever onde
quero chegar. O que pretendo mostrar é que a oferta nesta zona histórica
continua anárquica e sem qualquer planeamento das entidades competentes. Quem
se lembra da outrora Baixa comercial desaparecida saberá que a sua atractividade
residia essencialmente na extensa oferta. Aqui havia de tudo. Desde uma pilha
até ao objecto mais difícil de encontrar no mercado nacional –já para não recordar
a pequena oficina de pequenos arranjos de recuperação de objectos. Tudo isso se
esfumou na bruma da modernidade. Para quem não conhecer, agora, tentar adquirir
uma simples pilha pode ser um problema de difícil solução. Salvo excepções, hoje a oferta nesta
zona é uma repetição cansativa, de mais
do mesmo, que não procura servir o público consumidor mas antes o desejo de quem não
quer arriscar muito e aposta no facilitismo. A consequência desta falta de planeamento
é a destruição de todos: os que já estão instalados, os que vêm de novo e, para
piorar, a degradação comercial acentua-se cada vez mais.
Sabemos todos que é legítimo a
procura de uma vida melhor e não se contesta. Aliás é de valorizar as pessoas
negarem o ócio a favor de um negócio. Indo até mais longe, é um direito
constitucional consagrado, na liberdade de cada um poder eleger o seu caminho
profissional –e aqui incluo os estudantes universitários. Sou absolutamente
contra cláusulas-barreiras que dificultem a vontade individual de cada um
escolher o seu futuro. O que defendo é que na hora de entrar num qualquer curso
profissional ou universitário, investimento comercial, industrial, ou de
serviços, o Estado, buscando a diversidade social na razão de defender os interesses de todos,
tem uma obrigação redobrada de informar os candidatos das consequências de
escolherem uma área cuja oferta exceda a procura.
Voltando à Baixa, nesta chamada
de atenção procurando evitar o mal maior, a autarquia deveria chamar a si este
alerta. Na hora em que os serviços de atendimento tomem conhecimento de que
alguém pretende abrir uma loja numa qualquer rua, ou através do pedido prévio
de licenciamento, deveria imediatamente ser contactado o investidor e, de uma
forma franca, mostrando-lhe outras opções, dizer-lhe que se pretende abrir uma
frutaria numa zona onde já existem três com largas décadas de experiência pode ser
um mau passo para todos. Este acautelamento será sempre e apenas um
esclarecimento e no sentido da prevenção. Se o proponente persistir na ideia, paciência! Salvo melhor opinião, legalmente não se poderá fazer mais do que um aconselhamento formal. Mas terá mesmo de se fazer. Agora que começou uma nova era
autárquica, com novo executivo, não será altura de se perguntar: o que se quer
fazer da Baixa?
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