Conta hoje o Jornal de Notícias
que, em virtude do comportamento agressivo de um aluno de seis anos, uma escola
em Mangualde foi obrigada a suspender as aulas.
Segundo o jornal, “Estão a enterrar o meu filho. Ele é
hiperactivo e está a ser medicado. Em casa porta-se bem e só na escola é que se
revolta. Não sabem lidar com ele” –responde a mãe.
Por parte da escola, “ao facto de aquele estabelecimento de ensino
acusar o seu filho de comportamentos agressivos, que colocarão em risco a
integridade física de professores, funcionários e alunos. Os frequentes ataques
de fúria do menino já deixaram marcas físicas nos docentes, além dos prejuízos
materiais que tem vindo a causar, sendo que as queixas por parte dos
encarregados de educação são mais do que muitas.”
“A psicóloga Paula
Fongue, ouvida pelo mesmo jornal, indica que “a criança está em perigo e a
sofrer”, pelo que “não deve ser isolada, mesmo que se trate de um caso de
indisciplina”.
Nós pais da geração de meados do
século XX, ao lermos isto, num primeiro momento somos tomados de indignação e
apetece-nos dizer: “ai que valentes palmadas naquele rabo o miúdo precisa!”.
Mas será assim, de forma tão simplista e linear, que se resolve este problema,
que, como se sabe, nem é tão isolado, único, e recente como parece? É apenas
mais um drama vivido no triângulo pais,
filhos, comunidade nos últimos 35 anos.
Vou começar por contar a história
de um meu amigo chegado. Vamos ouvi-lo: “nasci
na década de 1950, em uma aldeia do interior. Os meus pais eram muito pobres
–material e espiritualmente. Passei uma infância muito difícil, dividida entre
a miséria e o sonho de um dia partir para longe. Nunca recebi um único
brinquedo dos meus progenitores. Que me lembre, um abraço ou um beijo a mesma
coisa. A única formação intelectual que recebi deles foram os quatro anos de
escola obrigatória. Mal acabei comecei a trabalhar. Desde muito cedo contei
para mim que, um dia, quando tivesse constituído família e viessem os
herdeiros faria tudo para lhes proporcionar uma vida melhor. Quando
casei, com cerca de 20 anos para fugir ao jugo do meu pai e ter a minha própria
vida, sonhava todas as noites em estabelecer-me por conta própria e poder
ganhar muito dinheiro para lhes poder proporcionar um bem-estar mínimo. Vieram
os filhos e com 25 anos estabeleci-me sem dinheiro próprio, porque não tinha, e
com recurso a empréstimos particulares. Durante vários anos trabalhei noite e
dia, a dormir quatro e cinco horas. Praticamente só ia a casa dormir. Os meus
filhos cresciam praticamente sem conviver com eles. Ia apenas apanhá-los à
escola e transportá-los a casa. Sempre que havia um acontecimento importante
nas suas vidas, passando por cima das minhas preocupações, eu estava lá. Quando
havia uma possibilidade de estarmos juntos eu levava-os à desaparecida loja de
brinquedos A Joaninha, que estava
instalada em frente à Câmara Municipal de Coimbra. O então dono da loja, o
senhor Monteiro, até já os conhecia pelo nome mal os avistava à porta. Estávamos
na década de 1980, estavam a surgir em grande força as marcas no vestuário.
Para que os meus filhos não se sentissem discriminados na escola eu tinha
sempre o cuidado de lhes comprar roupas de marca –não deixa de ser curioso,
pelo facto de eu ter andado descalço e, no mínimo, jamais ter tido acesso a
umas boas calças. Mas a minha preocupação constante era que os meninos não
ficassem traumatizados –como eu fiquei para sempre com as recordações de grande
carência e quase indigência. Quando um deles fazia anos eu tinha sempre o
cuidado de dar uma prenda menor ao que não comemorava. Quando íamos comprar
roupa, perante um universo de escolha, eram eles que optavam. Passado uns
anos largos, a vida começou a correr bem e já tirava duas semanas de férias e
íamos todos para a praia. Brincávamos todos como se fôssemos crianças da mesma
idade. Entretanto ia adquirindo e lendo os livros de Daniel Sampaio que me
transmitiam que a criança deveria ser acompanhada sem contrariedades.
Um dos meus filhos sempre foi mais difícil. Mesmo na escola já criava
alguns problemas. Eu, como galinha que protege os pintos, lá ia falar com o
professor. O docente dizia-me que o menino era difícil, gostava de dar nas
vistas sendo às vezes arrogante, mas eu não ouvia, para mim a criança era
honesta e dizia o que tinha a dizer. Foi para o secundário a mesma coisa. Era
chamado à escola porque o rapaz tratou mal um professor. Para mim era um caso
da escola mal preparada para lidar com crianças sobredotadas, demasiado
inteligentes, e continuava a dar razão ao miúdo. Quantas vezes eu tinha um
revés e, chegando a ser bruto, dava em cortar a ração, como quem diz, “se não
apresentas resultados não tens direito a prémio”. Logo vinha a mãe, minha
mulher, em sua defesa porque o menino não devia ser contrariado. Ele tinha
necessidade de afecto e eu não lhe dera o suficiente. Eu só soubera trabalhar.
Por isto mesmo o catraio se mostrava tão rebelde, enfatizava ela mesmo à sua
frente. Com notas médias chegou ao 9º. Ano. Passou para o 10.º mas não arrancou
mais. Ou porque o Liceu era assim e assado. Ou porque os colegas eram fritos e
cozidos, a verdade é que andou a saltitar por vários estabelecimentos de ensino. Nesta altura, presumo,
teria começado a fumar uns charros e a fumaça tornou-se o quotidiano de um dia
atrás do outro. Deixou de estudar. Começou a frequentar psiquiatras. Quase à
força, obrigámo-lo a trabalhar mas nunca esteve mais do que três meses no mesmo
emprego. Os vícios pelas drogas leves tomaram conta da sua vida –felizmente nunca
passou para as duras. Algumas vezes, talvez para chamar a atenção ou, sei lá,
para nos chantagear ingeriu comprimidos, ou até deu em fazer cortes nos
braços. Foram tantos e imensos os percalços nos últimos quinze anos, que só
lembrar alguns me fazem chorar como uma Madalena. Como era de prever, este
escorregar pelo cano da criança que nunca cresceu foi desgastando a
relação entre mim e a minha mulher. Para além disso, fazendo um cocktail mortal,
juntou aos charros álcool e hoje não sou senhor de ter uma garrafa em casa.
Presentemente não sai da minha habitação. Há dias, mais uma vez, cortou
os membros em pequenos golpes. Sinto-me impossibilitado, impotente, de fazer o
que quer que seja. Já não quer ir a nenhum psiquiatra e muito menos a um centro
de desintoxicação. Espero o pior.
O outro meu filho, apesar de pequenas diatribes normais para a sua
idade, teve um percurso funcional, licenciou-se e, apesar de ter de ir para o
estrangeiro, organizou lá a sua vida.
Como não poderia deixar de ser, num final anunciado há mais de uma
década, presentemente estou a divorciar-me. Se eu pudesse dar conselhos aos
pais de agora, que têm filhos a dar problemas, advertia-os claramente com o
seguinte aviso: não se deixem embalar no “canto do cisne”. Crianças como o meu
filho precisam de amor, sem dúvida, mas precisam muito mais de disciplina.
Sejam fortes com eles. Pai e mãe unam-se na mesma vontade firme de dizer e
cumprir: NÃO! É preferível eles chorarem em crianças do que já adultos, sem
crescerem e continuando a ser adolescentes, sermos nós pais a sofrer,
incapacitados pelo irremediável; chorarmos desalmadamente e termos a noção de
que, pela nossa benevolência e por dar de mais, facilitando-lhes tudo e
evitando as suas necessárias frustrações, fomos os causadores da sua e nossa
infelicidade. Foi pelo medo de que sofressem, como eu sofri em criança, que acabei a sofrer em dobro.”
1 comentário:
A minha filha mais nova é hiperactiva e tem epilepsia nocturna o que tudo junto provoca deficit de aprendizagem e de concentração e está a ser medicada.
Teve um excelente acompanhamento na Escola São Bartolomeu por parte da Professora Primaria e agora na Escola Silva Gaio, não posso deixar de realçar a excelente equipa médica e de técnicos que a acompanham no Hospital Pediátrico em Coimbra.
A minha filha é o oposto desta criança da noticia, em casa é um "diabinho" e na escola muitíssimo sossegada e tímida.Ela vai para a escola medicada ao pequeno-almoço e volta a tomar a medicação ao almoço isso faz com que ela fique sossegada e não tenha picos de hiperactividade e de agressividade, já em casa da-se o oposto, porque não toma medicação à noite o que leva a exteriorizar todas as energias acumuladas. Ao fim de semana é terrível porque não toma medicação para a hiperactividade e fica em "pulgas", simplesmente não pára um segundo até ficar completamente exausta no final do dia.
Estas crianças precisam de acompanhamento, compreensão,de muito diálogo para não falar de amor.
Jorge Neves
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