Para além do texto "O MISTÉRIO DO BECO DAS CANIVETAS", deixo também as crónicas "NATA LISBOA... EM COIMBRA"; e "POR SEIS PLANTAS DE CANNABIS".
O MISTÉRIO DO BECO DAS CANIVETAS
Em meados de 2010 um prédio, propriedade da Câmara
Municipal de Coimbra, ruiu no Beco das Canivetas, uma transversal da Rua
Adelino Veiga. Mais tarde, pela autarquia, foi construído um passadiço em túnel
de modo a proteger os transeuntes para danos futuros. Ainda hoje, passados três
anos, lá se encontra no beco da facaria.
Segundo vizinhos, que pediram o
anonimato, há cerca de quatro semanas começou a ser erigida uma estrutura em
barras de ferro no agora vazio espaço e que outrora foi uma habitação de três
pisos. Conforme me foi transmitido pelos confinantes, e pressenti, a indignação
é grande. Dizia um: “onde é que se viu
uma coisa destas? Olhe que gastaram aqui sete toneladas de ferro
provisoriamente. Então não seria mais fácil e barato reconstruir o edifício tal
como estava anteriormente?”. Corroborava outro, “andaram a colocar o ferro à “chucha-calada”, até parecia que tinham
medo de falar connosco. Se esta propriedade fosse de um particular poderia
estar três anos assim? Mais, poderia colocar este ferro todo, assim, sem mais
nem menos?” –interrogava.
Pelos meus olhos de leigo, olho
aquela simetria de aço e vejo ali uma obra de arte, um projeto inteligente. Ou
seja, em vez de se utilizarem os materiais tradicionais, cimento e tijolo,
optou-se pelo ferro em todo o seu interior e, penso cá com meus botões, só a
fachada será reconstruída conforme o existente original. E disto mesmo, nesta
dúvida, dei conta aos dois vizinhos que me vieram trazer os seus queixumes.
“Não senhor! Estas toneladas de ferro foram apenas utilizadas transitoriamente
para impedir o desabamento do prédio vizinho. Qualquer dia voltarão a retirá-lo
para reconstruir a obra definitivamente. Há muito dinheiro para gastar naquela
Câmara. É o que é! Andamos nós a eleger esta gentinha!” –enfatizaram em coro.
PELA SANTA MADRE, FALEM COM OS
CIDADÃOS
Repetindo,
acredito que esta obra é muito mais do que parece. Ou seja, se for certo o que
imagino, está muito bem concebida em termos de racionamento e contenção de
custos. Depois de se reconstruir a fachada igual ao original o interior deixa
de ser visível e, creio, até ficará simples e bonito. Má há aqui uma premissa
que interessa salientar: por que não se digna a edilidade, através dos
técnicos, informar os vizinhos da obra? É preciso não esquecer que estas
pessoas estão há três anos a sofrer toda aquela carga negativa da estrutura em
madeira, sobretudo pela ambiência de degradação, e que está a contribuir para a
permanência de toxicodependentes na zona.
Estamos a entrar num novo ciclo,
acabaram de tomar posse os corpos-gerentes no paço, era bom que os novos
escolhidos tivessem em conta que foram eleitos representantes dos cidadãos e,
no seu dia-a-dia na Administração Pública, devem satisfações aos representados.
Se assim fosse, tal como neste caso, não haveria especulações que, tantas
vezes, deturpam bons planos e criam animosidade contra o poder autárquico.
NATA LISBOA… EM COIMBRA
Abriu a semana passada, mais exatamente
na quarta-feira, a Nata Lisboa, na
Rua Ferreira Borges, em frente ao Arco da Traição e no antigo espaço do Último Figurino. Com uma decoração
moderna e sóbria, entre o rústico e o revivalismo de vanguarda, o ambiente é
deveras convidativo e acolhedor.
A Nata Lisboa é um conceito franchisado da Nata-Mundo, marca com sede na capital e com vários pontos de venda
no País. Como se adivinha é uma aposta forte no celebérrimo pastel de nata. Não
igual a um qualquer vendido num café de bairro. Nada disso! O docinho do Céu que aqui provei,
quentinho e com um sabor nunca ensaiado por mim, é assim como usufruir de uma
viagem aos confins do paraíso pantagruélico. O palato bate palmas, o estômago
sorri e a barriga agradece. É um sonho realizado de duas jovens amigas, a Ana
Ribeiro e a Raquel Bento. Contrariamente ao comum não estavam desempregadas. A
Ana, de Pombal, foi até há pouco docente em design
de moda. A Raquel, de Castelo Branco, é licenciada em Ciências da educação.
Ambas estavam a trabalhar nas suas áreas de cursos e abandonaram os seus lugares
para abraçarem este projeto. Confessam não perceber muito do universo
hoteleiro, mas estão muito bem assessoradas pelo João Gerardo, que sabe muito
bem quantas gramas de café são necessárias para tirar uma bica. Além disso, referem em coro, com a vontade férrea que as
impele tudo rapidamente se aprende.
Então, com um sorriso enorme da
Ana, da Raquel e do João, façam o favor de visitar o seu bonito estabelecimento,
que muito vem engrandecer e valorizar a Baixa de Coimbra, e provar aquela
maravilha de bolinho encantado. As
maiores felicidades e toda a ventura são os nossos desejos sinceros.
POR SEIS PLANTAS DE CANNABIS
O Diário de Coimbra (DC) de
sexta-feira, dia 25, em título de primeira página, dava à estampa: “Moradores de república de estudantes
arguidos por cultivo de cannabis”. No interior do jornal, em subtítulo, foi
escrito que “PSP de Coimbra apreendeu
seis plantas adultas de cannabis e ainda quantidade desta droga suficiente para
5400 doses no interior da residência”. E em desenvolvimento “Cinco indivíduos (de ambos os sexos)
residentes numa república de estudantes localizada na zona da Sé Velha foram
constituídos arguidos e estão sujeitos a termo de identidade e residência, por
serem suspeitos de cultivo e posse de estupefacientes, nomeadamente cannabis”.
Continuando a citar o DC, “(…) No
interior da residência, em zonas comuns a todos os moradores da casa, foram
encontrados pelos mesmos agentes seis vasos com outras tantas plantas adultas
(….). No decorrer das buscas, e já no quarto de um dos moradores, foi
encontrada uma caixa de papelão que a PSP de Coimbra confirma que continha “diversas
cabeças de cannabis, prontas para secar e embalar” e ainda “uma saca em
plástico com sementes de cannabis e um moinho próprio para o produto”. A
conclusão a que chegaram as autoridades é que o material encontrado no interior
da residência dava para cerca de 5400 doses.”
Depois da transcrição do
periódico, demos uma vista de olhos na Internet sobre as consequências do
haxixe, ou maconha como também é conhecida esta planta no mundo. Ficamos a
saber que “Os efeitos variam se a droga é
fumada ou tomada, e dependem da quantidade usada. Com vários efeitos
comportamentais, consoante a quantidade usada, tem várias consequências para a
saúde como por exemplo: “fumar maconha traz os mesmos problemas
que fumar cigarro de tabaco: bronquite, asma, faringite, enfisema e cancro; há
maior risco de sofrer acidentes de trânsito; diminui a imunidade, aumentando a possibilidade
de ocorrerem infeções; se for usada durante a gravidez, existe a possibilidade
de prejudicar o feto. A dependência pode ocorrer por uso repetido, durante
bastante tempo.”
A talhe de foice convém referir
os ventos que sopram da América Latina, mais propriamente do Uruguai. Vamos
espreitar: “No mês que vem, o Uruguai
pode se tornar o primeiro país das Américas a legalizar o cultivo, a
distribuição e a venda da maconha. O Senado, de maioria oficialista, deve
transformar em lei a legalização da maconha, já aprovada pela Câmara de
Deputados no final de julho. Esse pioneirismo pode representar um modelo para
os demais países do mundo, especialmente aos vizinhos (…). Os consumidores vão
poder cultivar até seis mudas de maconha em casa, com uma produção de até 480
gramas. O cultivo também poderá ser coletivo nos chamados "clubes do auto-cultivo",
cujo limite será de 45 sócios. Também se poderá adquirir a maconha plantada,
distribuída e vendida pelo Estado por meio das farmácias, numa quantidade
mensal de até 40 gramas. Haverá um registro de usuários com identidade
protegida, que impede a compra por estrangeiros, para evitar o "turismo da
maconha". Depois de aprovada a lei em novembro e depois do plantio e da
colheita, a maconha deve começar a ser vendida no segundo semestre do ano que
vem. O chanceler uruguaio Luís Almagro explica que o objetivo final da lei será
asfixiar financeiramente o tráfico de drogas e preservar os usuários que não
vão mais precisar ir até uma boca de fumo, expondo-se à delinquência de
traficantes.
Antes de prosseguir, vou fazer
ressalvas de interesses: afirmo que não conheço as pessoas indiciadas; juro
solenemente que nunca consumi o vulgar charro
–embora, saliento, conto não morrer sem experimentar; nada tenho contra a
PSP. Entendo que os agentes se limitam a cumprir a prescrição legislativa –no
entanto, é minha convicção que, para mostrar trabalho feito à comunidade, há uma tendência natural para a
especulação, quer na quantidade apreendida que resultará em n doses, quer partindo do princípio de
que, instigados pelo espírito da lei, a produção tem sempre por objeto a comercialização
futura, o tráfico. Na quarta emenda, não sou um patrocinador acérrimo da
legalização da plantação de cannabis. O que defendo é que, de uma vez por todas,
se clarifique a legislação vigente, se coloque em cima da mesa os danos e os
proveitos para a sociedade. É um paradoxo, a cair no absurdo, o consumo de drogas
leves estar despenalizado e ser sancionado o cultivo de plantas para o gasto
pessoal. Ou seja, na lei, estamos perante um apriorismo bacoco de que um
produtor é sempre um eminente traficante –lembremos, por exemplo, que os
agentes da PSP estão sempre vinculados
ao mesmo procedimento de inquérito, quer sejam 200 plantas apreendidas ou
apenas uma.
Gostaria ainda de apelar à
reflexão no sentido dos custos. Comecemos pelos financeiros; terá lógica levar
a julgamento arguidos primários cujo desfecho se sabe, em princípio, que será a
absolvição? E os Sociais? Será justo a comunidade –ignorante e sádica, sempre
ávida de um legalismo e justicialismo radicais- lançar um estigma de “criminosos” em cima destes e de outros
jovens?
De uma vez por todas, era bom
assumir que não devemos continuar a enterrar a cabeça na areia. O consumo de
haxixe não existe apenas no nosso vizinho. Ainda que algumas vezes por
ignorância tácita e confortável e outras por desconhecimento legitimador do não conflito, não vale a pena esconder: ele está
mesmo dentro de nossa casa.
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