Estou triste. Muito acabrunhado.
Num daqueles dias que nem escrever me apetece. Tenho receio de que se escrever
vá longe de mais; conte coisas que são minhas e que não quero exteriorizar. Tem
a ver com o amor? Sim, claro! Uma pessoa pode viver na mais extrema miséria,
sem nada para comer, mas se tiver um ombro onde se apoiar, tudo se aguenta,
mesmo que tudo à sua volta se desmorone como um castelo de areia destruído pela
onda vadia, e juntos, com a pessoa de quem se gosta, continua avistar-se o Sol
redentor, a luz da esperança. O amor é o combustível que alimenta a alma e
esta, por inerência, dá propulsão ao corpo e, pelo alento, nos empurra para a
concretização das coisas, para o bem ou para o mal. Sinto-me só. Sim, é isso
mesmo: sinto-me só! A solidão hoje tomou conta de mim. Claro que amanhã será
outro dia, eu sei. Não fique preocupado comigo. Sei suportar esta amargura que
me consome agora.
O problema é sempre o mesmo: conseguirmos
viajar nesta estrada, que é a vida, ao lado de outra pessoa. Somos todos tão
diferentes, tão desiguais –apesar de se apregoar a igualdade a torto e a
direito. Somos sempre duas personalidades diferenciadas, mesmo que gostemos da
mesma música, do mesmo filme e do mesmo mar. Por mais que nos entrosemos um no
outro a mistura nunca é total; é sempre opaca e indefinida. Se não houver muito
amor, muita compreensão, muita partilha, e sobretudo coragem, a qualquer altura
essas diferenças podem implodir. Nunca ninguém se julgue seguro numa relação de
anos ou décadas. Os enlaces contemporâneos –e aqui junto também os mais
antigos- estão cimentados por argamassa que o tempo se encarregou de fragilizar
e tornar de pouca consistência. Basta um abanão para o edifício do casamento
cair estrondosamente. A que se deve esta vulnerabilidade? Tanta coisa que nem
vou descrever. Todos sabemos as razões. Todos conhecemos de cor e salteado as
vulnerabilidades que enfermam as afinidades dos nossos dias.
Com cada um a procurar o seu
espaço de confirmação –ou o contrário, porque também é assim. Tantas vezes que
nos dedicamos a pessoas vencidas, que tudo aceitam –até serem maltratadas por
quem lhe está próximo e que tinha obrigação de tudo fazerem para os verem
felizes-, que, ao invés de lutarem pela sua felicidade, preferem se enterrar
pelo comodismo da invisibilidade. Como Cristos cruxificados em defesa de falsos
cristãos, preferem morrer na solidão, na dor lancinante do sofrimento. São
sombras das sombras. Fantasmas de si mesmos. São projecções de espíritos
errantes que, apesar de nos marcarem, se cruzam connosco sem deixarem história.
São filhos da angústia maculada. Em vez de defenderem uma verdade –a verdade,
enquanto símbolo de liberdade e convicção de afirmação única enquanto pessoas
que nos diferenciamos dos animais pela consciência dos nossos actos- aceitam
passivamente serem enxovalhados, humilhados, feridos no corpo e na alma, e
reduzidos à mais ínfima expressão de vontade por aqueles que lhe deveriam
querer bem. Estão convencidos que aceitando passivamente o insulto e
desrespeito nunca vão ser abandonados. São carentes crónicos, inseguros, divididos entre o
conflito do ser ou não ser, do fazer ou não fazer? Tristeza das tristezas! Não vêem que gente que humilha vive do padecimento
alheio e alimenta-se do estertor do outro. E quanto mais a vítima se baixar mais
o torcionário aumenta a pressão.
A vida, enquanto história vivida
a dois, é mesmo muito complicada. O problema é que, enquanto seres humanos que
somos sociais e associais ao mesmo tempo, não conseguimos viver sozinhos. Se
fosse possível era tudo tão mais fácil!
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