(Imagem da Web)
Antigamente, no tempo em que tudo era real e, sempre que
possível, se procurava falar olhos-nos-olhos, os cristãos, diariamente ou
semanalmente, antes de comungar, iam confessar-se ao presbítero, à igreja da
zona. Este procedimento do sacramento da confissão para a Igreja Católica e
outras religiões, a nível psicológico, ao dividir a transgressão esta torna-se
mais leve e por isso sofrível. É como construir uma ponte a ligar duas margens
de um rio, em que de um lado está o Inferno da depressão e do outro lado a redenção,
a aceitação de que somos seres erráticos, finitos e imperfeitos. Confessar
algo, que nos martela a cabeça continuamente e nos põe loucos, a alguém que
tenha paciência para nos escutar é como um náufrago procurar no meio do oceano
uma boia de salvação; é uma busca de compreensão para o facto consomado do delito
e uma tentativa de reconciliação do ego, enquanto mediador que organiza a mente
consciente, uma busca da paz interior e um encontro com a remissão, o perdão
para uma consciência em conflito. Por outro lado, para o praticante religioso é
o sentimento de, em pecado assumido, procurar o indulto e receber a bênção de
Cristo –enquanto Pai e entidade que transcende o humano na piedade e na
omnipotência- e aceitar uma penitência, uma reparação de danos causados pelo
acto ou pagar um tributo –que, quando leve, pode ser com orações-, que será
recomendada pelo confessor, o sacerdote, se acontecer na religião
apostólica-romana. Por outro lado ainda, para o vigário, o segredo da confissão
é obrigatório pelo direito canónico.
Nos nossos dias, para os seguidores profanos que se
religam entre si numa cadeia de elos invisíveis, o Facebook passou a ser o
confessionário público diário. Por conseguinte, nesta forma de se abrir ao
mundo, a substância deixou de ser algo íntimo e pessoal e passou a ser a forma
de levar tudo ao conhecimento geral –e aqui, assiste-se a dois tipos de
assistentes: os mais chegados que, com ternura e afecto, aceitam o facto
passivamente e dão alento ao delator, e os mais afastados que, ostensivamente e
sem sensibilidade, são mais duros na apreciação, gozando às vezes, e provocam
mais dor. Numa rede translúcida, cujos objectos nem sempre são nítidos, em que
se adivinha o confidente pela exposição de imagem, o confessor, normalmente sem
rosto, passou a ser todo o planeta. Quem quiser opinar, na maioria dos casos,
julgando arbitrariamente, pode fazê-lo sem restrições. Nesta página aberta ao
mundo, consoante seja homem ou mulher, se expõem a actualidade e um tempo de
lembranças gravadas a fogo.
Se for mulher, as fotos são a essência da sua
afirmação. Se for de meia-idade, são mostradas imagens com trinta anos, em que
aparece um rosto sem pregas, um colo de fazer ressuscitar um morto e umas
pernas de fazer um mudo assobiar. Volta e meia mudam as fotografias de perfil e
lá está a pose numa longa viagem num local paradisíaco para sempre recordar.
São também frequentes as citações de filósofos e escritores mundiais
contemporâneos e da antiguidade sobre o amor. A paixão é o combustível sem
lastro que move o coração de uma mulher. A benquerença ressalta em montanhas de
adoração. E, como não poderia deixar de ser, lá vem a música romântica, sempre,
para embalar o espírito e a esperança num amor novo de encantar que, saído das
trevas, há-de surgir um dia montado num cavalo branco -creio, não haverá
estudos sobre o impacto que as redes sociais deixam na psique de cada uma, mas
é bem possível que actue em sentidos distintos. Num, pela desconfiança
implícita assente no medo, é bem possível que provoque um fenómeno de
desvalorização rotineira; noutro, pela carência de afecto, qualquer uma se
torne vítima fácil de um qualquer energúmeno.
Como a solidão é um casacão que
se envergou e passou a armadura contra as angústias obsessivas, os animais
passaram a ser o companheiro a defender por todos os meios contra a tirania
inumana. Não há mulher que se preze que, através de muitas imagens plasmadas,
não confesse amar um gato ou um cão. Em alguns casos, embora mais raros, lá vêm
as receitas culinárias, acompanhadas de fotos, para uns doces de estalar o
palato. Se for avó, mostra os netos em pose de troféu e orgulho de mulher-mãe
duas vezes. Como projecção do sonho de libertação, o mar, com o seu fundo azul,
está omnipresente. Pode avistar-se uma nau Catrineta ancorada na baía imaginária
da esperança à espera de um homem novo, menos
egoísta e de partilha, que dê carinho sem fingimento –penso, raramente este desejo
será satisfeito. Mesmo se hipotecticamente aparecer algum homem que preencha os
requisitos não será aceite. O factor psicológico procura de resposta impossível torna-se autofágico, passa a alimentar-se a si mesmo. Se
acaso fosse preenchido materialmente perderia o encantamento. Como num círculo
sem retorno, a mulher enreda-se no seu próprio sonho e só excepcionalmente
sairá dele.
Se escrever e tiver veia de
poetiza, imaginariamente serão escritos num barquinho de papel, os versos serão
sempre encaminhados para o amor perdido que, como Lua a iluminar a sua vida,
passará a ser o seu luar. As lágrimas de crocodilo rolarão nas consonâncias em
solavancos de cercanias agora áridas e outrora floridas. Se não tiver jeito
para as rimas, serão copiados poemas de autores bem conhecidos. Estranhamente e
num paradoxo, aqui neste reino das súplicas quase sempre vazias e a caírem em saco roto, serão debitadas orações
destinadas a Deus –como se Ele também estivesse conectado na rede mundial
E OS HOMENS?
Como se confessam os homens no Facebook? Se
for novo posta fotografias onde se
encontra acompanhado com muitas jovens mulheres esculturais para fazer inveja
àquela amiga que traz debaixo de olho. Se for de meia-idade, inevitavelmente
faz da política o sustento da sua alma. Tem permanentemente um canhão apontado
ao Governo, seja ele de direita, centro ou esquerda. É anti-poder por natureza.
Gosta de colar na sua página os recortes de jornais onde circulam longos
desabafos de opinadores generalistas,
habitualmente jornalistas. Se for político de profissão –ou candidato em
ascensão- ou ocupe um bom tacho na administração pública lá vem a defesa do seu
partido na autarquia em que faz parte. Se for empresário ligado ao comércio
tentará vender qualquer coisa, desde uma viagem ao Inferno com paragem curta no
Céu até a uma máquina fotográfica usada. As vendas de objectos, talvez por ainda
não haver tributação, são hoje a praga interesseira, o vírus maléfico da
comunicação. O futebol, naturalmente, estará sempre presente na página de um
homem cinquentão e as fotos dos seus ídolos marcarão presença constante. Como
não poderia deixar de ser umas imagens de mulheres semi-nuas e o link para outros endereços do género
encherão o olho a todos os amigos. Se escrever, utilizará este confessionário
público como catarse para dirimir todas as suas emoções e relações mal
resolvidas. A música fará parte deste seu mundo de retratação e comunicação
mundial. Curiosamente nos dois géneros, masculino e feminino, constata-se o
mesmo procedimento: se for novo, aceita o presente com fotos actuais, e tenderá
a projectar-se para o futuro. Se for de idade já madura, somente plasma o
presente em imagens de festas ou passeios, mostrando que está muito bem de
vida; o recurso a fotografias de uma cidade desaparecida inserida em sopros de déjà vu será uma constante e como se
estivesse petrificado no passado.
Como as coisas mudaram! Quem
diria que, num sentido catatónico e de completa imitação, passaríamos a mostrar
toda a nossa vida ao mundo e, em outro, como se tivéssemos perdido o juízo, o
bom-senso, nos transformaríamos em voyeurs?
Sem comentários:
Enviar um comentário