No Domingo passado, dia de Natal, fui visitar o Anildo Monteiro ao Hospital dos Covões.
Para quem não souber, o Anildo Monteiro foi um sem-abrigo que, durante dois anos, deambulou aqui pela Baixa. No primeiro ano pernoitou num anexo junto a uma tasca. Depois foi “enxotado” e acabou a pernoitar em entradas de prédios e onde calhava.
Em Junho, último, começou a dormir no meio do lixo, num quadro de completo abandono, num prédio em decomposição, no Largo da Maracha. Foi aí que “uma campainha se me acendeu” e achei que tinha de se fazer alguma coisa –saliento que já tinha sido sinalizado pelo Gabinete de Acção e Família da Câmara Municipal de Coimbra uns meses antes e estava a ser acompanhado pela Associação Integrar. Aquele quadro de miséria social era demasiado intenso, ostensivo e mexia com qualquer um. Saliento que este homem tinha um discurso desconexo e sem fio condutor. Ou seja, pela nossa experiência comum, facilmente se verificava que este sujeito não “batia bem da bola”.
Foi então que escrevi um texto e enviei para a Segurança Social e para a Câmara Municipal de Coimbra. Desta segunda, passados 5 dias, recebi resposta a dizer-me que o assunto tinha sido encaminhado para o pelouro respectivo e aguardei.
O tempo foi passando, fui escrevendo mais uns quantas crónicas, incluindo uma que foi publicada no Diário de Coimbra, e resposta dos serviços sociais não havia. Algumas vezes apanhei o Anildo a comer directamente de um contentor de lixo, assim como, isto quase diariamente, a apanhar água conspurcada num pequeno lago para beber.
Em Setembro fui ao Ministério Público tentar fazer uma participação, com base numa declaração de ofensa à saúde pública. Quer a funcionária do departamento desta entidade no Palácio da Justiça, em Coimbra, quer a procuradora não aceitaram a minha comunicação. A razão invocada era de que uns meses antes, com um mandado de um juiz e acompanhado de dois agentes da PSP, tendo por objecto o internamento compulsivo, o Anildo fora conduzido ao Hospital da Universidade de Coimbra (HUC) e fora consultado por dois psiquiatras, e um deles, o que assinou o relatório médico, “diagnosticara que o Monteiro estava pleno das suas faculdades mentais, com perfeito raciocínio lógico e detentor da sua vontade, fala fluentemente e, na consulta, até brincou com a situação”.
Neste relatório foi escrito pelo médico-psiquiatra que “estamos perante um costume social associado à vontade do próprio”.
A procuradora do Ministério Público que, apesar da minha argumentação em torno da necessidade de uma segunda avaliação mental, mostrando-me o processo, limitou-se a constatar a sua impossibilidade de fazer mais alguma coisa pelo Anildo. À minha pergunta se comer do lixo é um costume social, a procuradora engelhou o nariz.
Como me indignou toda esta impotência, tentando através da denúncia pública, escrevi para as televisões e pedi ajuda a quase todos os jornais nacionais e um de Cabo Verde, este na tentativa de encontrar familiares. Apenas recebi uma resposta do Jornal Liberal de Cabo Verde, que no dia 26 de Setembro fez uma reportagem sobre o Anildo Monteiro. Para além disso, escrevi para o presidente da Câmara Municipal de São Vicente –de onde o Anildo é natural- e para um vereador. Enviei também um e-mail ao Presidente da República de Cabo Verde e outro para a Embaixada de Cabo Verde, em Lisboa. De nenhuma destas entidades recebi uma única resposta.
Perante este pingue-pongue, no dia 10 de Outubro contactei alguns comerciantes e outros amigos mais sensíveis para estas questões humanitárias para juntos irmos ao executivo municipal pedir ajuda para este caso dramático de um homem, aparentemente senil, que todos-os-dias morria um pouco nas ruas da cidade. Se dos amigos mais sensíveis nem um apareceu na edilidade coimbrã, já por parte dos comerciantes responderam à chamada uma vintena.
Perante o executivo municipal, dando eu voz à vontade dos presentes, pedimos ajuda para um caso que, na omissão, a nosso ver, extrapolava qualquer caso semelhante. Não só na parte humana como também na parte estética, uma vez que o Anildo tresandava a pútrido e defecava onde calhava.
No dia 16 de Novembro, finalmente, o Monteiro foi internado compulsivamente no Hospital Sobral Cid, onde esteve internado até há cerca de uma semana. Neste entretanto tentei uma vez visitá-lo naquela unidade hospitalar. Quis o acaso que, mesmo junto à portaria, tivesse um pequeno acidente automóvel. Bati numa mota com poucos dias de uso e acabei por não o ver.
Então no dia de Natal fui visitá-lo ao Hospital dos Covões. Estava amarrado à cama, numa enfermaria das “Infecto-contagiosas”. O seu estado psíquico era –tal-qualmente como sempre constatei que fora aqui na Baixa- o de uma pessoa perturbada. Não me reconheceu. Só dizia: “tenho fome! Não me dão de comer! Quero ir-me embora! –ao mesmo tempo que fazia muitos esforços para se libertar. Tentei falar com um enfermeiro sobre o seu estado clínico, mas, diplomaticamente, fui despachado para o médico assistente.
No dia seguinte, na Segunda-feira, durante a manhã, fui falar com a médica responsável. Numa conversa simpática, foi-me adiantando que o Anildo foi transferido do Sobral Cid –de onde tentou a fuga várias vezes- para aquele hospital visando fazer exames que diagnosticassem o seu alheamento mental. Segundo a médica, o Monteiro não respondia às questões formuladas. Disse-me também que este homem tinha marcas de ter sofrido vários traumatismos cranianos –sem mo dizer claramente, deduzi que a recuperação psíquica futura do doente será muito difícil.
Se tal se verificar, quer dizer que será desencadeado o processo de interdição, porém, mesmo diante deste previsível cenário, surge uma pergunta: para onde vai ser encaminhado o Monteiro? Para a rua outra vez?
Outra pergunta que deixo no ar: quantos relatórios clínicos, iguais ao que foi elaborado nos HUC, acontecem, levianamente, serem exarados com completa irresponsabilidade médica? Não deveria o Ministério Público, enquanto encarregado máximo pela segurança jurídica do cidadão, preocupar-se?
4 comentários:
Boa Noite! Sei que este post já é antigo, mas só agora o encontrei. Faço parte da Cruz Vermelha e já tive oportunidade de levar o Anildo ao hospital dos Covões, vindo do Sobral Cid. Foi um caso que me tocou bastante! Por acaso não sabe como está a situação dele ?
Bom dia, Rita. Fui uma vez vê-lo ao Hospital dos Covões e não voltei lá. Depois disso não sei mais nada. Espero, pelo menos, que esteja internado em alguma instituição psiquiátrica, já que o seu estado mental era irreversível -segundo o médico com quem falei.
Muito obrigada.
varias pessoas me disseram que ele acabou por falecer
tambem para ter a certeza do que se passou com ele e telefonar para os covoes
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