A propósito do que se está a passar esta semana na Rua Ferreira Borges, em Coimbra, e em que uma livraria, muito antiga na cidade e de reconhecido mérito, presumivelmente enviou, e continua a enviar, muitas camionetas carregadas com livros antigos e recentes para o lixo –ou para a reciclagem, que fica mais bonito!- deveria dar que pensar a todos nós.
É certo que, infelizmente, no género, não é original –isto para não falar nas toneladas de alimentos que por toda a Europa são deitadas ao contentor pelas grandes áreas comerciais. Neste Portugal, a braços com uma crise económica/financeira sem precedentes, em que se apela diariamente para poupar todos os recursos, é normal as editoras mandarem para o lixo milhares e milhares de livros não vendidos e arrumados nos seus imensos armazéns?
Dizer que é um ultraje ao autor do livro, ao escritor, é uma constatação, mas não é o essencial. O que indigna mais é esta lógica dos interesses serem superiores ao altruísmo, à boa-vontade de distribuir pelos mais carenciados, e obrigação de partilha. Não podemos esquecer que o livro é um instrumento que faz a ponte entre a ignorância e o conhecimento. Por isso deveria granjear mais respeito. Mas não merece, nem mereceu até agora –talvez fosse tempo de se dar protecção jurídica ao livro. Quem sabe se houvesse uma lei que reconhecesse o seu talento imaterial –enquanto portador de informação e erudição-, factos como o que se descreve não acontecessem. –Salvo melhor opinião, a protecção ao “património cultural” cai apenas no âmbito da Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 78, mas é de tal maneira vago que nem se sabe muito bem o que é “património cultural”. Ora enquanto não houver lei a proteger o livro, naturalmente, não haverá direito penal que puna o acto de lesa-cultura. O que se assiste perante uma obra escrita –sobretudo depois de prescritos os direitos de autor-, por parte do legislador, é de uma insensibilidade atroz. Todo o livro é uma obra de arte. Assim sendo por que razão não tem a mesma protecção? Se ninguém é dono de coisa alguma, somos apenas usufrutuários, como é que se pode compadecer com actos que visam a sua destruição gratuita? É lógico que tudo o que estou a escrever é filosofia. O lóbi do lucro transcende toda a racionalidade. Talvez, também, este comportamento explique o fosso social e cultural em que, sobretudo, Portugal se encontra.
Ainda voltando à protecção jurídica, por exemplo, se uma pintura não pode ser molestada ou alterada pelos seus vários possuidores –constitui violação dos direitos autorais-, porque razão um livro pode ir directamente para o lixo?
Por esta displicência geral, realmente não fazia sentido manter a “Formação Cívica” na reforma curricular do ensino. Por mais que se estrebuche, com manifestações e outras demais, temos o país que merecemos! Não há nada a fazer!
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