Iniciou-se hoje a época de saldos. Dando uma volta pela Baixa, verifica-se que a maioria das lojas, largando a designação secular, ostenta nas suas montras o anúncio de “Promoções”.
Nos tempos que correm, estas acções de revitalização comercial, que visam essencialmente o emagrecimento de stocks, não surte qualquer efeito no consumidor. E não se poderá dizer que tem a ver com a falta de poder de compra. É antes pela contínua oferta de abaixamento de preços ao longo do ano. O comprador para adquirir barato, não necessita de esperar pela época de saldos, compra em qualquer altura do ano.
Por outro lado, pela deflação contínua de preços no consumidor e oferta maior que a procura, provocadas pela importação maciça de têxteis da China, tem levado a um desinteresse crescente da classe média pela chamada “moda”. Como tudo, quando os produtos embaratecem e se tornam corriqueiros, se, por um lado, teoricamente, pela democratização no acesso, é bom para as massas, por outro, do ponto de vista económico, perdem valor e levam ao desinteresse. Não é por acaso que as grandes marcas de luxo, não enveredam por esta filosofia de embaratecimento dos seus produtos. Estas cadeias sabem bem que, vendendo muito barato, a curto e médio prazo, a procura excederá a oferta. Porém a longo prazo, o artigo perderá o interesse e ninguém quererá saber mais da marca… nem oferecida. O ser humano é muito complexo. Sabe-se bem que a dificuldade em obter algo –e este paradigma estende-se também às relações pessoais-, para além de estimular o desejo, leva à estima do objecto adquirido e a querer perpetuá-lo no tempo como cunho de conquista difícil. Este usar e deitar fora, de que todos estamos possuídos, tem levado a uma falta de respeito pelo que se usa e se obtém de modo fácil. E, sobretudo, para os mais jovens, a ideia de que é possível ter tudo a qualquer preço, sem levar em conta o esforço que foi dispendido por quem o produziu –pelos baixos custos de produção da China e Índia e que todos já estamos a começar a pagar com língua de palmo-, exactamente porque o sistema económico está viciado, dando a parecer que tudo cai lá do céu oriental e sem custos. A ideia que perpassa é que todo o produto é passível de ser adquirido sem grande dificuldade. Todos, independentemente da sua condição financeira, temos direito a ter. Nada tem valor que suscite importância em guardar para memória futura. Tudo é imprestável –no sentido de que é facilmente substituível.
É óbvio que ao longo das últimas décadas temos vindo a lavrar num oceano de falácias. A curto prazo, quando a China for dona de todo o saber-fazer, por força do seu poderio económico -concentrando praticamente todas as matérias-primas do globo-, e o Mundo estiver completamente nas suas garras, estabelecerá o preço a seu bel-prazer e que bem entender. Ficando refém da sua política económica geo-estratégica, resta-nos a submissão. Do nosso lado, sobretudo europeu, não haverá a mínima possibilidade de conseguir seja lá o que for com facilidades. Teremos apenas e só aquilo que o grande país de Mao quiser.
É óbvio que ao longo das últimas décadas temos vindo a lavrar num oceano de falácias. A curto prazo, quando a China for dona de todo o saber-fazer, por força do seu poderio económico -concentrando praticamente todas as matérias-primas do globo-, e o Mundo estiver completamente nas suas garras, estabelecerá o preço a seu bel-prazer e que bem entender. Ficando refém da sua política económica geo-estratégica, resta-nos a submissão. Do nosso lado, sobretudo europeu, não haverá a mínima possibilidade de conseguir seja lá o que for com facilidades. Teremos apenas e só aquilo que o grande país de Mao quiser.
Voltando aos saldos, que começam hoje, porque me afastei do tema, vou recordar como eram há 25 anos atrás. Quem vai contar é Francisco Veiga, comerciante, hoje com loja na Rua Eduardo Coelho e nessa altura com as “Modas Veiga”, na Rua Adelino Veiga.
“No dealbar da década de 1980 havia apenas duas épocas de saldos: a de Janeiro e a de Setembro. A lei era cumprida escrupulosamente. Ai de quem a violasse. Hoje um dos factores deste desinteresse é o facto de as grandes superfícies fazerem promoções em qualquer altura. São elas as grandes culpadas desta “desregularização” –porque lhes convém. Esta lei da selva actual é um dos instrumentos privilegiados usados e que contribui para o empobrecimento do comércio tradicional.
Nessa altura, mesmo as promoções só eram permitidas por motivo de obras ou cessação de actividade. Nós, comerciantes, sabíamos que poderíamos arriscar no ano anterior a comprar as colecções para a época seguinte que a margem de comercialização seria respeitada por todos. Os saldos eram mesmo para colocar fora os “restos de colecção” do ano em curso. Não eram um expediente somente para realizar “caixa”, eram também uma forma de renovação de um estabelecimento.
Três dias antes de começar oficialmente a venda especial, as “Modas Veiga” faziam anunciar os seus saldos em toda a Baixa com um grupo de gaiteiros e acompanhados de um agenciado para distribuir panfletos. Para além disso, era feita também publicidade na rádio e nos jornais locais.
No dia em que começavam os saldos, as pessoas, imitando um pouco o que se passava com os grandes armazéns europeus e americanos, começavam a juntar-se à porta da loja logo de madrugada. Como entupiam completamente a artéria e o acesso automóvel para a Praça do Comércio era, em dois sentidos, pela Rua Adelino Veiga, nesta altura, era suspenso temporariamente e vinham dois agentes da PSP, enviados pelo comando, para manter a paz.
Assim que abríamos ao público a loja enchia completamente. Éramos obrigados a manter, durante todo o dia, as portas semi-cerradas com um funcionário a controlar os ingressos. Saíam dez pessoas e entravam outras tantas. Isto até ao meio-dia e meia hora. Encerrávamos das 13 às 15h00 para almoço. Durante esse lapso de tempo as pessoas mantinham-se à porta em magote compacto para não perderem a vez.
Os produtos esgotavam-se completamente. Tudo se vendia. Havia pessoas que compravam ainda com peças por estrear do ano anterior.
Éramos 7 funcionários só naquela loja. Enquanto viva, jamais me esquecerei dessa época extraordinária da minha vida de comerciante e memória de um tempo comercial que não voltará mais. Bons tempos!”
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