CONDENAI À MORTE TODOS OS COPISTAS

 Eu gosto muito de apreciar os humanos. Gosto mesmo. Adoro quando eles começam a condenar os outros exactamente nos mesmos erros que praticam. Claro que, antes de continuar, devo fazer uma ressalva: eu sou exactamente feito da mesma massa desta espécie que venho criticar agora. E então, perguntará o leitor, porque vem com esta verborreia se é igual? Então eu sei lá?! Digamos que o faço no lugar de observador.

E escrevo estas linhas –porque não tenho mais nada que me ocupe a cachimónia- na razão directa de ter lido agora mesmo, aqui no DN, que o “procurador-geral da República, Pinto Monteiro, que o copianço de futuros magistrados num teste é “eticamente censurável, lamentável e desprestigiante”.

Ora vamos lá por partes. O senhor procurador-geral tem razão? Tem muita. Carradas! Então porque estou eu para aqui a “chover no molhado”? Interrogará o leitor. Bom, por várias razões, mas a principal é que tenho mau feitio e dá-me para embirrar com pessoas que ocupam as cadeiras do poder e mandam assim uns tiros de pólvora seca para a assistência. Não é que não se aceite. Nada disso. Estes espectáculos cénicos ficam sempre bem a estes actores. Fazem-me lembrar aquelas representações das invasões francesas, no Buçaco, em que os figurantes ricamente vestidos na memória da época, apontam as espingardas pederneira para o céu e… pum! Lá vai uma saraivada de barulho para o ar.

Então é assim, porque continuo eu a implicar com o senhor doutor Pinto Monteiro? Olhe porque tenho a certeza que declarações como estas não remedeiam nada. São uma perda de tempo, vazias, ocas como um ovo de avestruz que, depois de lhe fazerem um furo de agulha, não tem nada lá dentro.

Começo por perguntar se haverá alguém que nunca tivesse copiado? Tenho a certeza de que todos, mas todos, nem que fosse inconscientemente, já o fizeram, pelo menos, uma vez na vida. E, através da censura social e da lei, deve-se conter este vício? Deve, sim senhor! Então porque continuo para aqui a malhar em ferro frio? Interrogará o leitor amigo e paciente com os meus disparates.

Eu vou explicar -dê um salto aqui. Um dos problemas da nossa sociedade hodierna é não ir ao fundo das coisas, ao âmago, à alma de todas as nossas motivações. Ou seja, como neste caso, em vez de se analisar a razão deste comportamento, dissecando tudo até ao tutano, não senhor, aplica-se uma nuvem de poeira, uma aspirina em forma de declarações e já está. O orador fica satisfeito, porque despejou o saco, a imprensa publica, porque quer é matéria nem que sejam bacoradas, e o povo bate palmas alegremente. E tudo continua na mesma, na paz dos anjos, por obra e graça de Nosso Senhor Jesus Cristo. Para o ano, provavelmente, mais uns tantos alunos do CEJ, Centro de Estudos Judiciários, serão apanhados a copiar.

Porque sejamos razoáveis e objectivos o que na maioria das vezes leva as pessoas a fugir à lei ética ou doutrinada é exactamente por as regras caírem no absurdo. São de tal modo incompreensíveis e o seu grau de exigência é tão metafísico que o que resta é percorrer um atalho para chegar ao objecto. Poderia dar dezenas de exemplos, mas vou apenas restringir-me ao ensino. É lógico que haverá sempre um campo neutro que não caberá aqui.

Tenho de fazer uma outra ressalva, há poucos anos frequentei a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Entrei através do exame “ad hoc”. Poucos saberão o que significou para mim ter transposto a Porta Férrea. Se, naquele dia, alguém me tivesse vindo oferecer cem mil euros para eu desistir tenho a convicção profunda de que não aceitaria. Depois do nascimento dos meus filhos, foi a coisa mais importante que me aconteceu na vida. Ora, passados poucos anos, com um terrível complexo de burrice, acabei por abandonar e transpor o portão pequeno na parte lateral, sem honra, sem glória e com pouco proveito –embora, saliento, do ponto de vista intelectual, aprendi imenso.

Nunca cheguei a saber, verdadeiramente, o que queriam os professores. Também nunca me foi explicado, nem aos outros alunos. Correcção de frequências nunca vi nenhuma. Na minha forma de sentir –e aqui, sem contraditório, terá de se ter em conta que é apenas a minha opinião e valerá o que valer- o ensino era formal –demasiado elitista-, monástico, pesado, pouco motivador e sem qualquer alento para nos mantermos ali naquelas salas de aula a ouvir o professor a pregar para todos mas para ninguém. Em metáfora, era como se lançasse milho num galinheiro para dezenas de galinhas. As mais ágeis colheriam, as menos velozes ficariam pelo caminho.

Vi alguns colegas com grandes capacidades intelectuais terem de abandonar os sonhos das suas vidas. Muitos deles com esgotamentos psíquicos, deixando-lhes mazelas para toda a vida.

Outros camaradas já com idade, como eu, que em tempo útil não puderam estudar e que nesta altura entraram na universidade, a maioria deles desistiu numa completa razia. Estou a lembrar-me do Faustino, um empresário de sucesso ali da Pampilhosa, que entrou na faculdade para realizar o seu sonho de adolescente. Senhor de uma memória que me fazia inveja, depois de vários 3 e 4 em Constitucional e Introdução ao Direito, acabou por abandonar antes de mim. Quando eu tentava demovê-lo a não claudicar, disse-me: “andamos aqui a perder tempo. Esta gente –referindo-se aos professores- olham para nós mais velhos como um burro olha para um palácio. Interrogam-se, especulando, o que andamos, já com a vida económica feita, aqui a fazer. Eles olham para nós como invasores. Alguém que vem tirar o lugar aos mais novos. Por outro lado, nós que trabalhámos a vida inteira, carregados de experiência empírica, questionamos nas aulas e eles não gostam… porque não têm conhecimento do que se passa lá fora. Estão habituados a falar com os jovens que nunca contestam. Mesmo que não percebam nada do que escrevem nas frequências, o que interessa é que, como copistas egípcios, plasmem no papel tudo o que decoraram antes à pressão e mesmo que levem um copianço do tamanho dos Arcos do Jardim.

Vou-me embora. Não tenho paciência para aturar isto!”

Depois de me alongar, como sempre, quero dizer é que é preciso reformular todo o ensino, Básico, Secundário e Superior. É preciso transformar as escolas em jardins de prazer em aprender e não em campos de concentração de saber, em que este entra à bruta, a cem à hora e, depois do exame, sai a duzentos e sem deixar rasto desse adquirir de conhecimento, sobretudo, quando no futuro será tão necessário.

Um professor deveria ficar muito mais preocupado com um “marrador” do que um aluno médio. É urgente analisar profundamente esta massificação do ensino em Portugal. Tem de se entender que o adquirir conhecimentos será para a vida, profissional e pessoal, e não unicamente para ser o melhor da turma, do bairro, ou da cidade. A educação, para além de ser um investimento social futuro, terá de ter uma elevada contribuição para a felicidade individual. Ora não é o que está acontecer nos últimos anos. As universidades estão a produzir cidadãos amorfos, sem pensamento crítico, e completamente frustrados.

Não sei se consegui ser claro na minha discordância com o procurador-geral. Pelo menos tentei.


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