Isaura Mendes está indignada. Isaura já tem alguma idade, e mora na Rua do Corvo nº 86, 2º andar. Com as palavras a atropelarem-se umas às outras, meio nervosa de ansiedade, atira: “Venho falar consigo, senhor Luís, para ver se pode escrever sobre aquela chaga de Cristo que se passa à minha volta e à minha porta. Estive a falar com o Armando, da casa de desporto, e ele é que me disse para vir ter consigo. Já pensei em ir lá à Câmara Municipal, mas, sabe?, não tenho à-vontade para falar. Tem de se fazer alguma coisa. Todos os dias levo com um fedor, que não sou senhora de ter uma janela aberta. Olhe que, nestes dois últimos meses, todos aqueles andares à volta ficaram vagos –e aponta para o lado esquerdo e em frente. Ainda há dias saíu daqui um grupo de estudantes que morava ao meu lado. Quando se vieram despedir disseram: “ó dona Isaura, temos muita pena de ir embora mas não podemos aguentar este cheiro e o barulho que se faz por aqui durante a noite. Não conseguimos estudar com estas condições”. E lá foram eles embora para outra qualquer parte da cidade.
Há dias alguém retirou o que restava dos painéis de madeira à volta para ver se se evitava que fossem para aí dormir. Não valeu de nada. Continuam aí a pernoitar. São drogados, bêbados, prostitutas e mendigos. Todos aí se rebolam, dormem e fazem as necessidades fisiológicas onde calha. O cheiro é insuportável. O lixo é aos montes. As moscas andam para aí que parecem fazer disso um campo de aviação. Isto é um largo maldito. Acredite, senhor Luís, o Largo da Maracha é um largo de maldição.”
Nem mesmo o facto de lhe dizer que a reparação da fachada, através de obra coerciva, já está consignada pela autarquia a deixa descansada. “Ó senhor Luís, não acredito que ponham cobro a esta miséria. Isto já está assim há quase uma dezena de anos. Olhe que os turistas estão sempre aí a tirar fotografias, imagino o que irão fazer com estas imagens recolhidas aqui. Se calhar vão dizer para a terra deles que estiveram na Índia, nos subúrbios de Nova Deli.”
Ao lado está Luís Madeira. Vendo e ouvindo que estamos a falar do prédio ao lado do seu negócio, não resistindo a entrar na conversa, replica: “é uma miséria. Cheira mal de mais. Olhe que às vezes é insuportável. Se ao menos a edilidade mandasse cá alguém limpar o lixo que está à frente… olhe ali –e aponta um monte de papéis e dejectos-, já viu aquilo? Como é que acha que uma pessoa se sente ao lado destes escombros? Dá mau aspecto e provoca muito mal ao negócio. É uma vergonha o que se está a passar com o nosso largo. Os estrangeiros estão sempre a tirar fotografias. Às vezes até me pergunto para que quererão eles imagens desta desgraça?!”
(TEXTO E FOTOS ENVIADOS PARA OS SERVIÇOS CAMARÁRIOS ATRAVÉS DO E-MUNÍCIPE)
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NOTA DO EDITOR:
Acabei agora mesmo de ser contactado telefonicamente pelo senhor comandante da Polícia Municipal, Euclides Santos -a quem, acima de tudo por não ser comum, agradeço a gentileza-, a comunicar-me que irá mandar limpar o largo com brevidade.
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