sexta-feira, 19 de março de 2010

BAIXA: ESTA AMBIÊNCIA QUE TODOS OS DIAS CAI






 Esta noite, bocados de uma varanda em pedra caíram sobre a Rua do Almoxarife. Curiosamente, e saliente-se, foi num prédio restaurado há poucos anos. Neste edifício, que faz frente para a Rua Eduardo Coelho, no rés-do-chão, durante largas décadas, funcionou o armeiro Carlos de Almeida. Hoje é uma loja de roupas. Depois do encerramento da velha loja emblemática, todo o edifício, veio a ser adquirido por um proprietário de mais dois estabelecimentos de pronto-a-vestir na Rua Eduardo Coelho.
Por sorte, e ainda bem, estes pequenos desmoronamentos vão acontecendo sempre de noite. Até um dia em que inevitavelmente morrerão pessoas.
Se neste caso o prédio até está restaurado e foi mesmo um acidente, o mesmo não se passa com dezenas e dezenas de imóveis do Centro Histórico, que, todos os dias vão caindo aos poucos.
Este prédio, como muitos outros, exceptuando a loja, está vazio de pessoas. A razão não sei mas calculo. Enquanto o governo não entender que este Regime de Arrendamento Urbano (NRAU) está a ser o principal garrote para a revitalização do miolo das cidades, estas vão-se tornando terras de ninguém, onde os que mais se vêem são vagabundos, pedintes, toxicómanos e loucos. É este o cenário da Baixa de Coimbra. O facto de os tornar mais salientes é exactamente porque o número de transeuntes diminui drasticamente todos os dias. E mais: basta parar um pouco numa qualquer rua e constata-se que esta zona velha é maioritariamente frequentada por pessoas acima dos quarenta anos. Quase não há jovens a passar nestas artérias. Se não há jovens, que futuro se espera?
Há dias, um grupo de estudantes de jornalismo perguntava-me se alguma vez a Baixa voltaria a ser o que foi. Não, nunca mais! Respondi. Mas isso também não é importante. A história nunca se repete. Nos seus acontecimentos subsequentes há similitudes, sem dúvida, mas nem o tempo nem a circunstância são iguais. Lá diz o povo que a mesma água nunca mais voltará a passar debaixo da ponte. É preciso olhar em frente e, com coragem, juntarmos os cacos e partir para uma nova vivência. O problema é que parece que o poder político, num autismo incompreensível, parece não se aperceber do que está acontecer às zonas velhas das cidades. Para mim, a principal causa é de facto o NRAU que, através de uma legislação anacrónica, anterior à época iluminista, está a evitar que os centros urbanos se revitalizem com novos moradores. Basta consultar o primeiro Código Civil Português, de 1867, para ver que, comparativamente, as leis concernentes ao arrendamento eram muito mais dinâmicas.
Depois do “boom” comercial da década de 1990, em que o comércio se descentralizou dos grandes centros urbanos, agora, olhando para a frente, é fácil de ver que o seu “modus vivendi” residirá apenas e só nos seus próprios habitantes. Serão estes novos residentes que irão desencadear um novo tipo de comércio mais estratificado, menos massificado, e cada vez mais virado para um novo segmento de mercado. Não tenho dúvida que o mapa comercial destas zonas velhas vai ser profundamente alterado num futuro próximo. Em vez de, demasiados, pronto-a-vestir, sapatarias, irão ressurgir novamente as pequenas mercearias de bairro, com produtos endógenos, e casas de vanguarda, como por exemplo, pequenos cafés e galerias de arte, velharias, alfarrabistas, etc. Serão estes novos negócios que trarão uma nova vivência a estes centros de história…se forem acompanhados com a urgente flexibilização do arrendamento urbano.
Aparentemente ninguém nota, mas os comerciantes e os proprietários –ambos empobrecidos, desmoralizados e sem força anímica, e que é preciso apoiar com políticas sérias- são as duas faces da moeda que representam os centros das cidades. É nesta moeda –tratada pelo poder político com desvalor- que reside o futuro de todas as Baixas das cidades. Sem esta moeda, podem fazer programas de Recria, Urbcom, posses administrativas, que nunca se chegará a lado nenhum. É uma riqueza turística –englobando o cultural- que se está a perder todos os dias. Haja alguém que quebre esta apatia infernal!

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