quarta-feira, 17 de março de 2010

BAIXA: QUEM MATOU A NOSSA IMPÉRIO?






 Em 13 de Março, último, o Diário de Coimbra (DC) contava aos seus leitores: “É com grande tristeza que estamos aqui. Preferíamos estar a trabalhar. Mas chegámos ao ponto de ruptura”. Foi com mágoa e com lágrimas que teimam em sair dos olhos que mais de uma dezena de trabalhadoras da Pastelaria Império, na Baixa, decidiram ontem fazer greve (…) reivindicando o pagamento de subsídio de Natal e de um salário em atraso, mas também uma solução para aquele que já foi um dos espaços mais emblemáticos da cidade (…). Nessa altura eram mais de 100 trabalhadores. Hoje são 12. (…) António Martins, proprietário do estabelecimento há 17 anos, não está mais confiante. “Se não encontrar quem compre, não tenho outra hipótese que não seja fechar. É culpa dos empregados, mas também é minha”.
Continuando a citar o DC, “no entender das trabalhadoras e também do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo e Similares do Centro (…). Por um lado a crise, por outro, o facto de terem aberto outras pastelarias “mais modernas” na zona com as quais a Império, escura, velha, degradada, com mobiliário antigo não tem conseguido concorrer”.
Ora, lendo este extracto da notícia em forma de novela, no seu epílogo, aparentemente, pouco há a acrescentar. Temos o historial da grande pastelaria, é demonstrada a ”mortis-causa” e mais, até temos um culpado confesso: o proprietário, António Martins. E todos podemos dormir descansados –menos ele. Mas será assim? Não haverá mais responsáveis?
Como ressalva de interesses, trabalhei na Império em 1973, no auge da sua popularidade na cidade. Mais ainda: tive o grato prazer de conhecer o António Martins durante a década de 1980 –homem sério, trabalhador e que subiu a corda da vida a pulso-, muito antes de vir a ser o dono desta catedral de memória em 1992.
Nesta data, no princípio da última década do fim do século XX, em que comercialmente Coimbra era ainda o centro do centro, a Império tinha na Baixa sete concorrentes a fabricar pastelaria: A Palmeira, a Sírius, a Aviz, a Central, a Conímbriga e a Briosa e a Marques.
Em 1993, abre o Continente e a Makro. Começa aqui a perda de importância do Centro Histórico e a massiva deslocalização dos consumidores para estas e outras novas centralidades que vieram a ser implementadas na cidade.
Acompanhando este esvaziamento, assiste-se ao derradeiro estertor de toda a actividade industrial da cidade, com pólos fabris na Baixa, que já vinha da década anterior –Fábricas Triunfo, Ideal, etc. Inicia-se o voluntariado na tropa e o Quartel da Sofia começa a ser desactivado e, em consequência, centenas de militares deixam a rua.
Em finais da década de 1980, com a mudança do Hospital da Alta para Celas, e de novas áreas transformadas em pedonais, assiste-se à transferência massiva de todos os consultórios médicos para a área circundante do novo hospital. Ensaia-se a saída da AVIC do Largo do Arnado.
Em contra-ciclo, assiste-se a um fenómeno paradoxal do ponto de vista económico. Quando a procura de consumidores decresce na Baixa, aumenta a oferta comercial e de hotelaria. Este facto anómalo assenta essencialmente na evacuação do sector primário, da agricultura. Com o abandono dos campos, há uma transferência para a indústria (hoteleira), comércio e serviços –este acontecimento é transversal ao país, e essa subsequência também concorre para o minguar da procura interna da cidade. É assim que mesmo ao lado da Pastelaria Império abre a média superfície INÔ, entre outros produtos, com venda de pastelaria e pão. Em frente e lateralmente, abrem dois centros comerciais: o Sofia e o Arnado. Para além disso, progressivamente vão abrindo dezenas de pequenos cafés com venda de pão e pastelaria na Baixa. Perante este cenário de multiplicação como pode a Império resistir? É justo atribuir-se apenas culpas ao meu amigo António Barroso Martins? Será legítimo encostá-lo à parede e lançar-lhe um ultimato? Ou vendes ou entras em insolvência!
Haverá soluções? Tem de haver. Na Baixa (e no país), como este caso, há muitas firmas com funcionários de várias décadas de antiguidade e cuja receita bruta mensal não dá para pagar os salários. Indemnizá-los está fora de hipótese, por impossibilidade financeira das empresas. Recorrer à legislação do “lay-off” também não procede por ineficácia –actualmente apenas é possível este recurso do Código de Trabalho durante 6 meses, prorrogável por igual prazo.
Perante a continuada crise económica que se vive, é preciso salvar estas velhas empresas, expurgando a discriminação a que estão a ser vítimas perante as novas constituídas, dando-lhes possibilidades de sobrevivência. É um desrespeito pela memória e, sobretudo, pelo esforço hercúleo de quem trabalhou tanto para as manter de pé…até agora.

1 comentário:

Victor David disse...

Li o seu artigo com muita atenção e comungo consigo todas as preocupções que manifesta. Mais um café histórico que se vai!!!
QUEM PARARÁ ISTO!
Um abraço
Victor David