terça-feira, 9 de março de 2010
EDITORIAL: O QUE QUEREM "ELES" FAZER DA BAIXA?
O recente episódio das abusivas taxas, prestes a serem praticadas pela autarquia de Coimbra –que escrevi aqui-, e que, após denúncia pública no Diário de Coimbra (DC), “in extremis”, foram travadas pelo presidente Carlos Encarnação (CE), deixam várias questões no ar.
Vou começar pelas declarações de CE ao jornal: “o que se passou foi que o prédio onde está instalada a loja tem como destino a habitação e, portanto, a quantia pedida é a que a autarquia cobra ao comerciante que solicita a alteração de uso de um imóvel. De habitação para comércio, neste caso. Só que, como explicou Encarnação, tal não será aplicado neste caso concreto, uma vez que o prédio em causa já tem uso comercial há muitos anos”, in DC, de 6 de Março, último.
Para perceber melhor, vamos situar este prédio. Pensará o leitor: bom, certamente, este edifício, ficará muito longe da câmara e, portanto, está de ver, os serviços, em concreto, não sabiam do que se tratava. Ou seja, o lapso, a ter acontecido, foi pelo desconhecimento. Pois! Aqui é que a porca torce o rabo. Este edifício está situado na Praça 8 de Maio, a, mais ou menos, cinquenta metros da edilidade coimbrã. Provavelmente, durante quase um século, naquele espaço da agora “Coisas e Sabores, funcionou sempre a Loja de Ferragens “Ganilho”, uma das mais importantes da cidade até à década de 1980. Os funcionários da Câmara de Coimbra, ali ao lado, não sabiam?
E aqui, em juízo de valor, podemos levantar três questões. A primeira, ainda que sendo tremendamente injusto, dá para pensar: será que os serviços da autarquia querem tramar o presidente CE? Obviamente que não. No entanto, o que posso dizer, pelo que ouço aqui na Baixa, é que os comerciantes sentem-se profundamente perseguidos pela administração camarária. Admito que possa haver exagero. Há com toda a certeza. Mas o sentimento é quase transversal.
Ainda há dias, em conversa com um comerciante, que me pediu o anonimato, me dizia, de voz embargada, que já não sabia o que havia de fazer mais. A máquina burocrática da autarquia, não parava de lhe pedir papéis. Estavam sempre a surgir novos pedidos. Disse mais: “se eu soubesse que ia ser assim, já tinha fechado há muito tempo!”.
A segunda questão, que surge, é a seguinte: o presidente CE tem ou não tem mão nos serviços que superintende? E mais: se neste caso CE aparece como bombeiro a apagar fogos, quem manda na autarquia de Coimbra? O presidente ou os directores de serviço?
Para a terceira questão, vou socorrer-me da minha experiência de há dias. Fui a um serviço desta câmara, expor uma situação que considero iníqua. Fui falar com a directora de serviço. Perante a minha exposição, acerca de uma injustiça que está plasmada na lei e que deveria ser levada em conta, ouvi várias vezes a funcionária retorquir que “isso não interessa nada. É a lei. É lei!”. Perante a sua visão petrificada e estática da legislação que nos rege, tive de desistir de argumentar.
Ora, é aqui que, quanto a mim, reside o busílis da questão. Não é preciso frequentar a Faculdade de Direito para saber que um agente que utiliza um código, obrigatoriamente, tem de ser dotado de margem de discricionaridade –é a possibilidade de escolha, a opção, entre várias alternativas válidas perante o direito (entendamos aqui o direito como o “maxime” amplo do tecto jurídico, e não se restringindo unicamente à lei), entre várias hipóteses legais e constitucionais possíveis ao caso em análise. Esta escolha terá de ser feita de acordo com critérios de oportunidade, conveniência, justiça, equidade, razoabilidade, mas sempre, sempre, tendo em conta o interesse público. Ou seja, tendo sempre em conta o melhor para o cidadão.
Por conseguinte, levando à frente o exposto, nestes dois casos, o que se entende que a administração faz da Lei? Simplesmente isto: para casos idênticos na forma, soluções iguais. Isto é: fazem da lei escrita uma régua. Sem pensar muito, põem a regra (a lei) no caso em apreço e já está! Sem atenderem a atenuantes ou outros motivos atendíveis, ditam a sentença. A isto chamou-se até há cerca de quatro décadas “positivismo jurídico”. Hoje, sendo a mesma coisa, utilizando o mesmo critério, podemos chamar-lhe legalismo –excesso de dureza, ou zelo, na aplicação da lei, sem levar em conta as condições que propiciaram a infracção. É a obediência cega do aplicador à lei, retirando-lhe a moral –o espírito que transcende o “corpo” e a transporta como um raio divino até à justiça- de que falava Kant.
Não deixa de ser irónico: o Direito Romano – o ventre de onde provém o direito português- criou a Lei para sermos respeitados como pessoas, individual e colectivamente, e para nos protegermos do jugo do próprio homem. Paradoxalmente, somos cada vez mais escravos e vítimas desse instrumento criado para nos libertar. A Lei é notoriamente o nosso verdugo.
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1 comentário:
Tem toda a razão no que escreve. As desculpas do Sr. Presidente da CÂMARA, são engraçadas.
Quando se executa algo de bem, lá está ele assumir. Quanto acontece algo de anormal, arranja de imediato soluções para tapar a incompetência de muita boa gente que levou para a CÂMARA.
Sinceramente, situações como estas estão acontecer quase todos os dias.Simplesmente o desespero já começa a ser demais e os comerciantes falam ou pelo menos manifestam a sua discordância.
Agora gostava eu de saber que explicação deu o funcionário ao Sr. Presidente.
É verdade que este estabelecimento se encontra a menos de 50 m da C.M.C.. Mas já agora do Dr. Carlos Encarnação não nasceu em Coimbra?
É que o "GANILHO", já existia naquele local há mais de 50 anos!!!
De facto a memória é curta ou então para safar as asneiras usa formas simpáticas.
Seja como fôr os problemas foram resolvidos e bem.
Reafirmo ser necessário os Comerciantes continuarem atentos a atitudes de alguns iluminados que vegetam nos Paços do Concelho.
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