Há mais de dois anos que ando a persegui-la
pelas ruas do Centro histórico. Confesso aqui o assédio descarado que lhe movi.
Desde o cumprimento meloso com beijinho no dorso da mão até ao convite para um
café, nos vários encontros que ocorreram nas ruas da Baixa, tentei tudo para
que a Teresinha me desse um pouco de
atenção, uma réstia do seu tempo, para eu poder escrever alguma coisa sobre a
sua encantadora figura e a sua história de vida. Mas qual quê? Do alto dos seus
olhos negros, fixando-me, parecia dizer: “faz-te jornalista, homem, e depois
vem falar comigo! Não passo cartão a genéricos!”. É certo que educadamente,
quase em despacho sumário, lá saía a proclamação: “hoje não, que não tenho
tempo! Quem sabe outro dia?!”. E eu desesperava para conquistar a confiança da
Teresinha.
Foi então que, num destes dias de sol a
espreitar pelas frinchas da chuva, a encontrei dentro da loja da Lena, na Rua
de Sargento-mor. E rapidamente, num silogismo prático e interesseiro, dei por
mim a pensar com os meus botões: eureka! Estou
salvo! É hoje! Vou pedir à Lena que mova a sua influência perante a minha diva e
personagem desta crónica. E foi o que aconteceu. A Lena falou e a Teresinha
imediatamente confiou. E contou. Obviamente que não vamos falar de quantas
primaveras já passaram na sua vida –porque os anjos são eternos. Tem os anos desde que nasceu até hoje. E desde
que trintou nunca mais lembrou. Vamos então ouvir a Dona Maria Teresa Pena:
“Nasci
na Bairrada, numa quinta. Era ainda uma menina quando vim para Coimbra. A
cidade dos estudantes é a minha segunda alma. É por ela que versejo: penso, começo a pensar, quando estou fora
da cidade e volto dá-me vontade de chorar! Estava a fazer o curso de
enfermagem quando conheci o amor da minha vida, o meu marido. Eu era muito
linda! Por ele interrompi a formação, casámos e fomos para Lourenço Marques -hoje
Maputo-, Moçambique. Ele era médico
militar. Com ele conheci toda a África Austral, a Ásia e a Europa.
Sou viúva e uma pessoa muito simples. Há certas coisas que não gosto.
Estou representada em fotografias pelo mundo inteiro. Juntamente com o meu
falecido esposo, estive em Macau. Fui a mais linda de Macau! Aqui pratiquei
Karaté e fui cinturão negro. Ai de quem se chegar a mim –e mostra uns
movimentos rápidos com as mãos. Eu era
muito linda! Até a Amália Rodrigues, que foi lá cantar, parou para me ver. Um
dia, lembro-me bem, ia na rua e chocaram dois carros por causa de mim. Eu era
muito linda! Um dia entrei num campo de futebol, com as duas minhas filhas pela mão, e
as bancadas levantaram-se para me ver. Eu era muito bonita! Queriam que
concorresse a um concurso de beleza mas, para além do meu homem ser muito ciumento,
eu nunca quis. Sempre fui uma excelente dançarina. Tudo parava quando eu
rodopiava na roda. Ficava tudo de pé, a olhar-me, como se eu fosse uma
princesa. Eu era muito linda! Em 1965 cantei o fado no Teatro Gil Vicente, em
Lourenço Marques. Estava a sala cheia quando cantarolei “eu vi a Amélia no arvoredo…”. Regressei a Coimbra por alturas do 25
de Abril de 1974. Eu era muito linda!!
Hoje,
qualquer homem me tem muito respeito. Os turistas pedem-me para tirar
fotografias. A minha imagem está em todo o lado. Estou representada na China,
nos Estados Unidos, no Brasil e no Japão. É demais!! Há dias, em frente à Brasileira, ali na rua de cima, estiveram sete repórteres a fotografar-me. Tudo com muito respeito! Fui rainha
da Rua de Sargento-mor em 2011. As escadas do Gato estavam cheias de gente para
me ver. Todos bateram palmas. Tive lá na rua um poster grande com a minha foto –você
não viu? Agora as pessoas dizem-me que sou a rainha de Coimbra inteira. Sou
feliz! Respeito toda a gente, desde o sem-abrigo ao mais alto na sociedade.
Vivo só porque quero. Por opção! Sou muito independente. À noite nunca saio.
Não há ninguém que tenha alguma coisa a apontar-me. Sou muito seletiva não dou
confiança a ninguém –não gosto dessas coisas! A Rua de Sargento-mor é o meu
paraíso. Aqui está a minha família. Gosto muito da Leninha! Se passar um dia
sem cá vir, liga-me logo e sempre. O que é que você está a escrever? Veja lá!
Está a ouvir? Olhe que eu sou uma senhora de muito respeito!”
3 comentários:
nÃO ERA ESTA SENHORA QUE HÁ MAIS DE 20 ANOS ANDAVA PELAS RUAS DA BAIXINHA DANDO COMIDA A CÃES E GATOS ABANDONADOS? NESSA EPOCA EU TINHA UM CÃO E CONHECI UMA SENHORA COM UMA HISTORIA MUITO IDENTICA,QUE NUNCA MAIS VI.GOSTAVA MUITO DE A VOLTAR A VER , ERA UMA SIMPATIA DE SENHORA.
Olá, bom dia. Sim, quase garantidamente que é esta senhora a pessoa de quem fala. Embora eu não aflorasse no texto, a Dona Teresa sempre foi muito ligada aos animais.
Olá, boa tarde. Essa senhora é uma simpatia. Atendi-a algumas vezes, quando eu trabalhava na Briosa, e mesmo quando andava pelas ruas próximas, cheguei a conversar com ela. Muito educada e simpática. Deus a abençõe sempre.
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