Passei à hora do almoço na Praça 8 de Maio e no mural das
recordações necrológicas –no prédio que faz redondo para a Rua da Louça-, que
sistematicamente me habituei a verificar se por lá consta o meu nome, lá vi a
foto e a comunicação pública do falecimento do António de Assunção Cordeiro (Tinoco),
de 79 anos.
O Cordeiro, como sempre, por aqui
pela Baixa, foi conhecido, e que desaparece agora do nosso mundo para o outro,
merece umas palavras de reconhecimento. Durante mais de duas décadas, talvez entre
meados de 1970 e finais de 1990, este homem simples abasteceu, com encomendas,
todas as grandes e pequenas lojas do Centro Histórico. Pareço estar a vê-lo a empurrar
uma carroça de duas rodas carregada de grandes pacotes, provindos das fábricas
de confecção e tendo como destino os grandes estabelecimentos que fizeram história
na cidade. Hoje, ao constatar o desaparecimento do Cordeiro é como um pouco de
todos nós que se vai. É como se um marco simples tão ligado à actividade
comercial partisse e dissesse muito mais do quer dizer pela despedida natural.
Em metáfora, é como se o Deus que protegia toda a classe, aos poucos, deixasse
de o fazer e como se a abandonasse, num esboroar de memória, agora tudo se vá.
O que fica nestas ruelas de recordação, na maioria dos casos, são lojas
encerradas que foram grandes catedrais de compra e venda e, aos nossos olhos,
constituem um dó de alma que faz chorar o mais insensível.
Quem nos vai falar do Cordeiro é o Francisco
Veiga. Diz o Francisco: “lembro-me muito
bem dele. Veio substituir o “Ti" Joaquim, na década de 70. Era um bom homem
amistoso, sempre solícito e de uma educação esmerada –“um homem à moda antiga”, corrobora a Cila, a esposa do Veiga. Diariamente, como estafeta, passava nas
minhas lojas da Rua Adelino Veiga e interrogava: “há alguma coisa para levantar
hoje?”. Se houvesse, lá ia ele com o talão de encomenda para o antigo Cais da
Estação. Levantava e entregava. Pagávamos à peça e no fim do mês. Quando era
preciso ia também aos CTT levantar pacotes mais pequenos. Tenho muita saudade
desse tempo. Ser comerciante nos nossos dias é sentir que se anda por cá porque
tem de ser. Porque somos empurrados pelas obrigações que contraímos. Não há
motivação. Não dá gozo. É o mesmo sentimento que carregar sobre os ombros o peso
de todas as agruras do mundo. Saudade para o Cordeiro. Paz à sua alma!”
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