sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

EDITORIAL: MEU BOM POVO QUE LAVRAS NO RIO!

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)


Sobre um reporte acerca das novas alterações ao Código da Estrada, recebi um comentário anónimo no blogue que dizia o seguinte: “Boa Noite. Depois de uma grande noite de passagem de ano em Coimbra a melhor desde 1974, quem diz o contrário? Mas da qual não há fotos nem palavras, vamos falar agora de rotundas, passo a palavra.”
Contrariamente ao que parece não garatujo este texto para responder ao incógnito. No entanto, servindo-me de introdução, acabo por satisfazer a sua curiosidade pelo facto de não ter escrito nada acerca da passagem de ano na Baixa da cidade.
Antes de continuar, para evitar insultos alheios desnecessários, tenho de fazer uma ressalva, estou transformado num velho do Restelo mais azedo do que o outro, o personagem símbolo dos pessimistas, de que falava Camões, no Canto IV, d’Os Lusíadas.
E agora sim vou explicar porque não me apeteceu escrever sobre a festa de Fim de Ano. É que tenho duas opiniões divergentes –assim dividido entre o pró e contra- sobre esta alegoria e sobre outras construções que foram anunciadas.
Primeiro, aflorando a festa no pró, entendo que é preciso fazer alguma coisa para quebrar a rotina de modorra da vida ensimesmada que levamos e animar a alma. Se assim não for, os tristes ficarão mais tristes e os sós cada vez mais sós. Cada vez mais se pregará os olhos no chão com desalento e desejo de fugir daqui depressa, a sete pés, e emigrar para nunca mais voltar. Depois, ainda no pró, estas festas do ponto de vista económico são boas. Fazem mexer a economia, e alguém ganhou, graças a Deus! Deram trabalho pelo menos a dois meus amigos, artistas, que participaram –quero dizer, ex-amigos. Depois de lerem esta crónica deixaram de o ser.
E agora vamos divagar no contra. Primeiro, mesmo sabendo que esta comemoração foi realizada em parceria entre a Câmara Municipal de Coimbra (CMC) e a APBC, Agência de Promoção da Baixa de Coimbra, e que esta agência inevitavelmente tinha de gastar as verbas atribuídas por programa público para o efeito, faz sentido, em tempo de contenção orçamental e cortes constantes nos rendimentos, fazer uma festividade do tamanho anunciado? Ou seja, como diz o anónimo-conhecido, a melhor desde 1974? Deixo a pergunta no ar. A seguir, ainda no contra, começo logo na interrogativa. Será que para além do circo montado na cidade, o que trouxe esta solenidade grandiosa para o desenvolvimento da Baixa? Será que as pessoas que participaram nesta noite voltarão mais vezes? É uma pergunta de retórica, é possível e talvez não. Uma coisa se sabe, os projectos realizados nas “Noites Brancas”, que incluíam animação, estão esgotados. Já há muito que se sabe que este género de revitalização social é localizada e apenas incide no dia. O visitante acorre à Baixa da mesma forma que se vai à festa anual da aldeia. Vai apenas nesse dia do Santo Padroeiro e não volta mais. O comum, por parte dos analistas freelancer do comércio, é dizer que os comerciantes não alinham porque não se querem esforçar. Não é verdade! –pelo menos neste caso. O problema reside essencialmente no facto dos lojistas já se terem apercebido há muito que, nessa noite e nos dias subsequentes tendo em conta o público visitante desse dia, não vendem. É um custo acrescido, em energia eléctrica e esforço físico. Estes festins só trazem mais-valias à hotelaria.
Eu avisei em cima que estou transformado em ave de mau agoiro. Já só me faltam as asas, porque a alma negra já cá está. Não estranhem o que vou escrever a seguir. Apesar de termos um novo timoneiro na autarquia e um novo executivo –e que, saliento, nada me move de pessoal- a Baixa continua sem rumo certo. Em metáfora, é uma espécie de tronco à deriva no meio de escolhos, num rio a extravasar as margens. Por parte de Machado, presidente da CMC, até agora só vimos uma acção de facto -que foi a aprovação por unanimidade do Estudo de Impacto Ambiental da futura grande superfície IKEA, que vai destruir mais umas dezenas de pequenas lojas e, pelos vistos, ninguém sentado na cadeira do hemiciclo vê-, e duas promessas: a construção de um funicular entre a Rua da Alegria e a Universidade e uma linha para circulação de um eléctrico turístico. Pegando nestas propostas políticas, interrogo, fazem sentido? Fazem! Mas não no tempo de vacas magras que atravessamos de crise financeira. Não é preciso ser economista para verificar que estes dois projectos, se passados à prática, serão mais dois elefantes brancos a juntar ao do elevador do Mercado D. Pedro V –que foi agora restaurado. A meu ver bem, já que o dinheiro da sua construção foi gasto, ao menos que funcione. Mas os munícipes, como eu, gostariam de saber quanto custa por mês à edilidade manter aquele monstro a operar -segundo o jornal O Despertar, só a manutenção ascende a 5,387.40 euros, incluindo IVA. Quantas pessoas são transportadas mensalmente, em média?
Porque sejamos práticos e objectivos, para quem quiser ser verdadeiro e colocar de parte o seu interesse egoísta, o Centro Histórico está sem vida; quase vegecta. Então novamente utilizando uma metáfora, terá lógica oferecer um fato Armani a um homem que está em coma induzido? Primeiro deve-se assegurar a sua sobrevivência e só depois preocupar-se com a sua aparência. Ora, como já se viu, se estas obras megalómanas forem executadas, trata-se de começar a casa pelo telhado. A meu ver, que não risco nada e tenho a certeza de que não influencio quem quer que seja –aliás, porque sou assumidamente parvo e tenho a mania de escrever o que penso, por não ter mais nada para fazer- estamos no reino do disparate. Ainda também contrariamente ao que se diz à boca cheia, a culpa da Baixa estar no estado letárgico em que se encontra não é dos comerciantes. Estes, nas últimas duas décadas, têm sido vítimas de políticas inconsequentes por parte dos governos mas, essencialmente, dos executivos municipais. E o grave é que esta classe comercial continua a ser espezinhada e maltratada por pessoas eleitas que não sabem nada do que se passa dentro de portas de uma loja comercial. Sem ofensa para ninguém em particular, estes políticos hodiernos são uma espécie de nefelibatas, seres que andam permanentemente com a cabeça nas nuvens, e que olham lá de cima cá para baixo. Já há muitos anos escrevi que um dia viria a acontecer ser a edilidade a pagar a funcionários para manter as centenas de lojas abertas nas ruas e com isso manter as cidades vivas. Em Lisboa, segundo creio, já se estão a dar os primeiros passos.

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