(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
Sobre um reporte acerca das novas alterações ao
Código da Estrada, recebi um comentário anónimo no blogue que dizia o seguinte:
“Boa Noite. Depois de uma grande noite de
passagem de ano em Coimbra a melhor desde 1974, quem diz o contrário? Mas da
qual não há fotos nem palavras, vamos falar agora de rotundas, passo a
palavra.”
Contrariamente ao que parece não garatujo este
texto para responder ao incógnito. No entanto, servindo-me de introdução, acabo
por satisfazer a sua curiosidade pelo facto de não ter escrito nada acerca da
passagem de ano na Baixa da cidade.
Antes de continuar, para evitar insultos
alheios desnecessários, tenho de fazer uma ressalva, estou transformado num velho do Restelo mais azedo do que o outro,
o personagem símbolo dos pessimistas, de que falava Camões, no Canto IV, d’Os
Lusíadas.
E agora sim vou explicar porque não me
apeteceu escrever sobre a festa de Fim de Ano. É que tenho duas opiniões
divergentes –assim dividido entre o pró
e contra- sobre esta alegoria e sobre
outras construções que foram anunciadas.
Primeiro, aflorando a festa no pró, entendo que é preciso fazer alguma
coisa para quebrar a rotina de modorra da vida ensimesmada que levamos e animar
a alma. Se assim não for, os tristes ficarão mais tristes e os sós cada vez
mais sós. Cada vez mais se pregará os olhos no chão com desalento e desejo de
fugir daqui depressa, a sete pés, e emigrar para nunca mais voltar. Depois,
ainda no pró, estas festas do ponto
de vista económico são boas. Fazem mexer a economia, e alguém ganhou, graças a
Deus! Deram trabalho pelo menos a dois meus amigos, artistas, que participaram
–quero dizer, ex-amigos. Depois de lerem esta crónica deixaram de o ser.
E agora vamos divagar no contra. Primeiro, mesmo sabendo que esta comemoração foi realizada
em parceria entre a Câmara Municipal de Coimbra (CMC) e a APBC, Agência de
Promoção da Baixa de Coimbra, e que esta agência inevitavelmente tinha de
gastar as verbas atribuídas por programa público para o efeito, faz sentido, em
tempo de contenção orçamental e cortes constantes nos rendimentos, fazer uma
festividade do tamanho anunciado? Ou seja, como diz o anónimo-conhecido, a
melhor desde 1974? Deixo a pergunta no ar. A seguir, ainda no contra, começo logo na interrogativa.
Será que para além do circo montado na cidade, o que trouxe esta solenidade
grandiosa para o desenvolvimento da Baixa? Será que as pessoas que participaram
nesta noite voltarão mais vezes? É uma pergunta de retórica, é possível e
talvez não. Uma coisa se sabe, os projectos realizados nas “Noites Brancas”,
que incluíam animação, estão esgotados. Já há muito que se sabe que este género
de revitalização social é localizada e apenas incide no dia. O visitante acorre
à Baixa da mesma forma que se vai à festa anual da aldeia. Vai apenas nesse dia
do Santo Padroeiro e não volta mais. O comum, por parte dos analistas freelancer do comércio, é dizer que os
comerciantes não alinham porque não se querem esforçar. Não é verdade! –pelo
menos neste caso. O problema reside essencialmente no facto dos lojistas já se
terem apercebido há muito que, nessa noite e nos dias subsequentes tendo em
conta o público visitante desse dia, não vendem. É um custo acrescido, em
energia eléctrica e esforço físico. Estes festins só trazem mais-valias à hotelaria.
Eu avisei em cima que estou transformado em
ave de mau agoiro. Já só me faltam as asas, porque a alma negra já cá está. Não
estranhem o que vou escrever a seguir. Apesar de termos um novo timoneiro na
autarquia e um novo executivo –e que, saliento, nada me move de pessoal- a Baixa
continua sem rumo certo. Em metáfora, é uma espécie de tronco à deriva no meio
de escolhos, num rio a extravasar as margens. Por parte de Machado, presidente
da CMC, até agora só vimos uma acção de facto -que foi a aprovação por
unanimidade do Estudo de Impacto Ambiental da futura grande superfície IKEA,
que vai destruir mais umas dezenas de pequenas lojas e, pelos vistos, ninguém
sentado na cadeira do hemiciclo vê-, e duas promessas: a construção de um
funicular entre a Rua da Alegria e a Universidade e uma linha para
circulação de um eléctrico turístico. Pegando nestas propostas políticas,
interrogo, fazem sentido? Fazem! Mas não no tempo de vacas magras que atravessamos de crise financeira. Não é preciso
ser economista para verificar que estes dois projectos, se passados à prática,
serão mais dois elefantes brancos a juntar ao do elevador do Mercado D. Pedro V
–que foi agora restaurado. A meu ver bem, já que o dinheiro da sua construção
foi gasto, ao menos que funcione. Mas os munícipes, como eu, gostariam de saber
quanto custa por mês à edilidade manter aquele monstro a operar -segundo o jornal O Despertar, só a manutenção ascende a 5,387.40 euros, incluindo IVA. Quantas
pessoas são transportadas mensalmente, em média?
Porque sejamos práticos e
objectivos, para quem quiser ser verdadeiro e colocar de parte o seu interesse
egoísta, o Centro Histórico está sem vida; quase vegecta. Então novamente
utilizando uma metáfora, terá lógica oferecer um fato Armani a um homem que
está em coma induzido? Primeiro deve-se assegurar a sua sobrevivência e só
depois preocupar-se com a sua aparência. Ora, como já se viu, se estas obras
megalómanas forem executadas, trata-se de começar a casa pelo telhado. A meu
ver, que não risco nada e tenho a certeza de que não influencio quem quer que
seja –aliás, porque sou assumidamente parvo e tenho a mania de escrever o que
penso, por não ter mais nada para fazer- estamos no reino do disparate. Ainda
também contrariamente ao que se diz à boca cheia, a culpa da Baixa estar no
estado letárgico em que se encontra não é dos comerciantes. Estes, nas últimas
duas décadas, têm sido vítimas de políticas inconsequentes por parte dos
governos mas, essencialmente, dos executivos municipais. E o grave é que esta
classe comercial continua a ser espezinhada e maltratada por pessoas eleitas
que não sabem nada do que se passa dentro de portas de uma loja comercial. Sem
ofensa para ninguém em particular, estes políticos hodiernos são uma espécie de
nefelibatas, seres que andam permanentemente com a cabeça nas nuvens, e que olham lá de cima
cá para baixo. Já há muitos anos escrevi que um dia viria a acontecer ser
a edilidade a pagar a funcionários para manter as centenas de lojas abertas nas
ruas e com isso manter as cidades vivas. Em Lisboa, segundo creio, já se estão a dar os
primeiros passos.
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