Conheci-o pela primeira vez no início da década de 1980,
quando me estabeleci por conta própria no Largo da Sé Velha, em Coimbra, com o
café com o mesmo nome do ancestral largo. Nessa altura, o Eduardo Mamede era
ainda um rapaz de vinte e poucos anos e também meu cliente diário.
O Mamede era um cronista de
excelência, sobretudo de História de Portugal e então sobre Coimbra sabia tudo,
ou, como observador atento, pouco lhe teria escapado. O nosso conhecimento
aproximou-se também porque eu, de vez em quando, querendo imitar analistas como
ele, mandava uns desabafos para a “Página do Leitor”, do Diário de Coimbra (DC).
E algumas vezes, depois da publicação no jornal, de forma directa, sem rodeios –ele
falava o que tinha a falar sem pedir licença-, lá vinha o Eduardo, com o DC na
mão, rectificar o meu português aprendido nos socalcos da existência: “olhe que esta frase aqui está mal construída.
Deveria ter escrito desta maneira!”. E escrevia ao lado.
Durante treze anos que permaneci
no Café Sé Velha quase todos os dias trocávamos impressões. Não que fosse
fácil, porque o Mamede, com a sua costela monárquica, como se afirmava amiúde,
era uma pessoa difícil na aproximação. Na sua idiossincrasia, fazia lembrar um
fidalgo brasonado da monarquia. Sempre erecto, de cabeça levantada, no caminhar
da vida, não admitia réplica. Era senhor de uma profunda convicção que
incomodava, numa quase arrogância implícita, para os simplórios como eu.
Durante muitos anos escreveu para
o Diário de Coimbra onde, se a memória não me atraiçoa, chegou a ter uma coluna
semanal. Pelo que sei, colaborou em várias revistas sobre história e incluindo
heráldica. Sobre a cidade dos estudantes não teria havido nada que não deixasse
nota. Desde a guitarra de Coimbra ao fado, desde o Paço de Sub-Ripas passando pelo
Jardim Botânico, até à Casa de Domingos
Vandelli em Coimbra, pouco da monumentalidade conimbricense lhe teria
passado ao lado.
Curiosamente, como professor e
aluno, desde há cerca de dois anos, como seu discípulo, vim a emparceirar com
ele como colaborador, n’O Despertar –o mais antigo semanário da cidade.
Na semana passada o jornal deu
à estampa a sua última crónica, como sempre assinada “Eduardo Proença-Mamede”. O título era já póstumo e impregnado de
saudade: “Lembrar a Igreja de São Pedro”.
O Eduardo Mamede deixou-nos. Partiu sem avisar. Tal como a sua última narração,
este meu texto tem a presunção de o lembrar também como um excepcional
historiador, que a cidade perdeu, e um excelente cronista que, creio, a direcção
d’O Despertar não substituirá facilmente.
À sua mãe e restante família,
nesta hora de luto e dor, os meus sentidos pêsames. Até um dia, Mamede.
3 comentários:
Obrigado pelas suas doutas palavras e pela sua modéstia.
Poucos conseguem fazer uma descrição tão precisa do nosso querido amigo Eduardo Proença Mamede, Bem Acha por suas palavras.
Fui colega em Mação e ficámos muito amigos tendo trocado correspondência durante alguns anos que ainda guardo...hoje lembrei-me dele, li as suas cartas e os artigos que me mandava com elas e senti saudade até dos conselhos triviais que me dava. Combinámos muitos encontros a que ora um ora outro falhava, por acaso conversámos um dia em Coimbra e nova promessa não cumprida...mas este texto recorda-me bem o Eduardo.
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