segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

LEIA O DESPERTAR...


LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Esta semana deixo o textos "A NOVA PRAÇA DO CHOCOLATE"; "REFLEXÃO: "SEPARAR O TRIGO DO JOIO"; e "DÁ-ME UM ABRAÇO".


A NOVA “PRAÇA DO CHOCOLATE”

No último 9 de Dezembro a Praça do Comércio ficou mais rica e adocicada com um novo estabelecimento dedicado à mais antiga marca de chocolate a operar em Portugal: a Avianense –esta etiqueta, fabricante do alimento com base na amêndoa fermentada e torrada do cacau, iniciou a produção em 1914. Segundo a página da empresa fabricante de tabletes, “Ao longo de quase um século de existência, passou por várias vicissitudes, mas sempre manteve a sua atividade e os compromissos comerciais, respondendo aos critérios de exigência de legalidade e qualidade dos seus produtos”.
Os responsáveis por este projeto são o Pedro Espírito Santo, de 36 anos, e a esposa Olga. Com alguma humildade mas também à defesa –afinal nem me conhece, saberá ele o que vou escrever?-, o Pedro, licenciado em engenharia civil, confessa não ter experiência comercial mas muita vontade de aprender. O espaço do novo estabelecimento está inserido no edifício que é pertença do avô –aqui funcionou até há cerca de uma vintena de anos a “Casa Figueiredo”, com  artigos de retrosaria-, de modo que, como estava encerrado, era preciso fazer alguma coisa para rentabilizar a loja e, por inerência, revitalizar a área envolvente, ou seja a Baixa da cidade. Mas porque é que escolheu o ramo dos chocolates? Interroguei, quase em provocação. Respondeu o Pedro:
“Esta história começa por ser muito engraçada. Os avós da minha mulher, a Olga, tiveram uma mercearia em Barcelos. Sempre que via um chocolate da Avianense era tocada por uma saudade que me envolvia totalmente. Pela enésima vez enfatizava: “ai, tantas vezes comi chocolates tradicionais, destes, oferecidos pelo meu avô!”. Aos poucos fui interiorizando que a recordação da nossa meninice está sempre presente dentro de nós. Foi assim, na hora de escolher um ramo diferente dos que já existiam, que caímos na interrogação: “e se fôssemos para uma loja de chocolates Avianense?”

Gosto muito desta zona velha, porque tal como a minha esposa, também estou muito ligado à desaparecida retrosaria do meu familiar. Acredito que a Baixa enquanto tiver comércio terá pessoas. É certo que é preciso criar hábitos para inverter esta tendência para a desertificação, mas é também por isso, por esta mudança, que estamos cá. Embora acredite que o tempo, na sua incomensurável virtude de eterno retorno, de fazer reviver a memória, tudo normaliza. E basta-me olhar para mim, durante alguns anos eu vinha cá apenas ao fim-de-semana matar saudades. Não vinha mais vezes pela comodidade de ter junto à minha residência uma grande superfície Comercial. Lá, na grande área de vendas, eu tinha tudo, sem precisar de andar à chuva, como o dia de hoje, por exemplo. Paulatinamente, comecei a cansar-me de todo aquele aparato de artificialismo e ar rarefeito. Como um cordão umbilical invisível, comecei a sentir uma necessidade de voltar aos meus tempos de criança, à loja do meu avô Figueiredo.
Abrimos o estabelecimento há cerca de um mês. Felizmente, as vendas no período de Natal correram relativamente bem, e dentro das nossas expectativas, tendo em conta que é uma ideia nova e sem haver aqui nada no género. Foi esta singularidade que nos motivou. Temos tido muita adesão por parte dos nossos clientes e, aliás, já temos alguns fidelizados. Proximamente, neste mesmo espaço, contamos apresentar exposições de pintura, escultura e arte vária. Todos os meses teremos uma montra temática diferente, tendo por objeto o chocolate Avianense. Sinto-me muito feliz por estar aqui. Tenho a certeza de que o meu avô Figueiredo, felizmente de boa saúde, está muito feliz pelo nosso contributo.”



REFLEXÃO: SEPARAR O TRIGO DO JOIO

O Diário de Noticias (DN) deste último domingo repetia o plasmado do JN do dia anterior: “Fichas falsas do PS de Coimbra investigadas pela Judiciária”. Citando o DN, “Pessoas a viver nas Escadas Monumentais ou noutras falsas residências, caves com hipotéticas dezenas de moradores, inexistentes empresas onde os aderentes trabalhariam (…) as situações das falsas fichas do PS de Coimbra parecem não ter fim (…) já estão a ser investigadas pela PJ. (…) Na origem da situação estará o súbito aumento de militantes e a denúncia feita pela coordenadora da Secção da Sé Nova, Catarina Martins, alertando António José Seguro e outros dirigentes nacionais que detetara, apontando para mais de 600 falsas inscrições”.
Segundo o Diário as Beiras, no último fim-de-semana, em Coimbra, quando instigado pelos jornalistas, António José Seguro, escusou-se a responder remetendo o caso para a justiça.
Ora, sabendo nós que esta vitória da Federação Distrital do PS levou a nomeações políticas para importantes cargos públicos na cidade, os cidadãos, na modorra do costume, olhando para isto como não lhes dissesse respeito, não se importam e assobiam para o lado. Por seu lado, António José Seguro, líder do maior partido da oposição e futuro candidato a primeiro-ministro, lava as mãos do incêndio que deflagra na sua própria casa. Por outro ainda, os militantes socialistas de Coimbra, a maioria que o são por convicção –conheço alguns- e não aspiram a tachos e acreditam que é possível lutar por uma sociedade mais justa e equitativa, tal como os restantes aqui citados, vão ficar de braços cruzados sem exigirem transparência? Ainda que a coberto do necessário princípio da presunção de inocência, “in dúbio pro reo”, a tal expressão latina de que na dúvida decida-se a favor do réu, até se clarificarem os factos aduzidos de suspeição, os implicados deveriam imediatamente cessar funções por sua iniciativa ou obrigados pela hierarquia.
Deixo duas interrogações. A primeira, porque é que quando se trata de pessoas ligadas ao Governo, todos, oposição e cidadãos não conotados partidariamente, exigem imediatamente as suas cabeças e quando se referem figuras gradas da contraposição socialista o critério é diferente?
Perante estes comportamentos como é que a sociedade civil –se é que de facto ainda existe mesmo esta tal reserva moral da nação-, continua a acreditar que os partidos merecem alguma credibilidade?



“DÁ-ME UM ABRAÇO!”

Decorria a tarde a meio, deste dia de Ano Novo, quando passei por ela na Praça do Comércio, junto à Igreja de São Bartolomeu. Chovia na cidade velha, como se São Pedro, o senhor de todas as águas do mundo, quisesse avisar que o ano que se acabara de entrar iria ter muitas inundações nas nossas vidas. De olhos pregados no chão, caminhava como um autómato em esgotamento de pilha. Os seus passos eram vacilantes como se temesse que o chão fugisse a qualquer momento dos seus pés. Num repente de um olhar fugidio, reparei no seu rosto carregado, esticado pela pressão, e impressionou-me a solidão que emanava. Boa tarde, Maria! Atirei de supetão. Ela não ligou, mais que certo por não me ter ouvido, e continuou a andar. Maria, Maria! Insisti. Foi então que ela estancou. Lentamente levantou os olhos, como se as suas pálpebras pesassem uma tonelada, ensaiou um sorriso que não saiu, e disse baixinho: “Boa tarde, Luís! Desculpa! Ia embrenhada nos meus pensamentos. Ando para aqui, de trás para a frente, a queimar tempo. A ver se decido o que fazer da minha vida. Se acabo com ela ou se continuo –e as lágrimas, como se apenas pretendessem um motivo para se soltarem, como rio em busca da margem perdida, começaram a cair por aqueles socalcos rugosos daquela face precocemente envelhecida. Abalei de casa logo de manhã, daquela casa que conheces bem –porque tu conheces a minha vida! Estou farta da minha existência! Estou saturada de ser uma coisa que apenas serve para trabalhar! O João continua sem trabalho, mas também não se importa muito com isso. Ninguém me dá valor! Preciso de carinho! Preciso de um abraço! Os meus dois filhos, como sabes, são como são! Nunca têm uma palavra para a mãe. Eu trabalho lá na superfície comercial. Uma parte do ordenado é descontada a mando do tribunal para pagar dívidas do João, o meu marido. Recebo cerca de 500 euros, que são para alimentar quatro adultos e duas crianças –os meus netos. Sabes o que é precisar de comer e não ter? Sabes? Sabes mesmo? São três da tarde e ainda não comi nada –e não estou a dizer isto para te pedir alguma coisa. Nada disso! Nem tenho apetite! Sabes o que é comer um pão cheio de bolor? Eu já comi um há dias. Chorei tanto, tanto! Eu tive uma infância tão feliz! Nada me faltou, do essencial. Só mesmo o que era imprescindível, porque quando pedia ao meu pai uma camisola bonita que via numa montra levava-me lá e, com os meus olhos colados no vidro, dizia: “queres aquela camisola, Maria? Queres? Mas eu não ta compro! Tens de aprender a conviver com o não. As frustrações ajudam-nos a crescer. Esta não ta compro, porque é muito cara, mas vou dar-te uma mais barata. E oferecia-me uma baratinha. Nunca me deixou faltar nada. É certo que não havia luxos mas sempre tive tudo novo a estrear. Olha que, quando andava na escola, às vezes os vizinhos levavam lá os livros usados para mim. O meu pai ralhava logo com a minha mãe: “agradece, mas devolve. Que deem a quem precise mais do que nós! Para a minha princesa não quero coisas que tivessem passado por outras mãos. Quero tudo novo”. E ia comprar os manuais a prestações à Coimbra Editora. Tenho tanta saudade do meu pai! Mesmo já casada e com filhos continuava a ajudar-me em todos os campos. Quando chegava a casa do trabalho, por vezes, cansada e não queria ouvir ninguém, lá vinha ele dos fundos a soletrar: “anda cá, Maria! Deixa-me olhar os teus olhos. Sabias que os olhos são o espelho da alma? Hoje não te correu bem o dia, pois não? Dá cá um abraço!”. E eu, enfastiada com tanto apego, dizia para mim: fogo! O meu pai é uma grande melga! É demais! Acreditas que hoje, que não tenho nenhum, sonho com os seus abraços?
Mesmo já velhinho, dizia-me tantas vezes: “enquanto eu for vivo nada te faltará, mas olha que quando eu morrer vais sofrer muito. Eu sei que vais! Terás de ser muito forte, filha!”
Hoje, neste dia de Ano Novo, ando para aqui perdida no tempo como uma folha seca que esvoaça ao vento. Tenho tanta saudade do meu pai!”



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