LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Esta semana deixo o textos "A NOVA PRAÇA DO CHOCOLATE"; "REFLEXÃO: "SEPARAR O TRIGO DO JOIO"; e "DÁ-ME UM ABRAÇO".
A NOVA “PRAÇA DO CHOCOLATE”
No último 9 de Dezembro a Praça do Comércio
ficou mais rica e adocicada com um novo estabelecimento dedicado à mais antiga
marca de chocolate a operar em Portugal: a Avianense –esta etiqueta, fabricante
do alimento com base na amêndoa fermentada e torrada do cacau, iniciou a
produção em 1914. Segundo a página da empresa fabricante de tabletes, “Ao longo de quase um século de existência,
passou por várias vicissitudes, mas sempre manteve a sua atividade e os
compromissos comerciais, respondendo aos critérios de exigência de legalidade e
qualidade dos seus produtos”.
Os responsáveis por este projeto
são o Pedro Espírito Santo, de 36 anos, e a esposa Olga. Com alguma humildade
mas também à defesa –afinal nem me conhece, saberá ele o que vou escrever?-, o
Pedro, licenciado em engenharia civil, confessa não ter experiência comercial
mas muita vontade de aprender. O espaço do novo estabelecimento está inserido
no edifício que é pertença do avô –aqui funcionou até há cerca de uma vintena
de anos a “Casa Figueiredo”, com artigos
de retrosaria-, de modo que, como estava encerrado, era preciso fazer alguma
coisa para rentabilizar a loja e, por inerência, revitalizar a área envolvente,
ou seja a Baixa da cidade. Mas porque é
que escolheu o ramo dos chocolates? Interroguei, quase em provocação.
Respondeu o Pedro:
“Esta história começa por ser muito engraçada. Os avós da minha mulher,
a Olga, tiveram uma mercearia em Barcelos. Sempre que via um chocolate da
Avianense era tocada por uma saudade que me envolvia totalmente. Pela enésima
vez enfatizava: “ai, tantas vezes comi chocolates tradicionais, destes,
oferecidos pelo meu avô!”. Aos poucos fui interiorizando que a recordação da
nossa meninice está sempre presente dentro de nós. Foi assim, na hora de
escolher um ramo diferente dos que já existiam, que caímos na interrogação: “e
se fôssemos para uma loja de chocolates Avianense?”
Gosto muito desta zona velha, porque tal como a minha esposa, também
estou muito ligado à desaparecida retrosaria do meu familiar. Acredito que a
Baixa enquanto tiver comércio terá pessoas. É certo que é preciso criar hábitos
para inverter esta tendência para a desertificação, mas é também por isso, por esta
mudança, que estamos cá. Embora acredite que o tempo, na sua incomensurável
virtude de eterno retorno, de fazer reviver a memória, tudo normaliza. E
basta-me olhar para mim, durante alguns anos eu vinha cá apenas ao
fim-de-semana matar saudades. Não vinha mais vezes pela comodidade de ter junto
à minha residência uma grande superfície Comercial. Lá, na grande área de
vendas, eu tinha tudo, sem precisar de andar à chuva, como o dia de hoje, por
exemplo. Paulatinamente, comecei a cansar-me de todo aquele aparato de
artificialismo e ar rarefeito. Como um cordão umbilical invisível, comecei a
sentir uma necessidade de voltar aos meus tempos de criança, à loja do meu avô
Figueiredo.
Abrimos o estabelecimento há cerca de um mês. Felizmente, as vendas no
período de Natal correram relativamente bem, e dentro das nossas expectativas,
tendo em conta que é uma ideia nova e sem haver aqui nada no género. Foi esta
singularidade que nos motivou. Temos tido muita adesão por parte dos nossos
clientes e, aliás, já temos alguns fidelizados. Proximamente, neste mesmo
espaço, contamos apresentar exposições de pintura, escultura e arte vária.
Todos os meses teremos uma montra temática diferente, tendo por objeto o chocolate
Avianense. Sinto-me muito feliz por estar aqui. Tenho a certeza de que o meu
avô Figueiredo, felizmente de boa saúde, está muito feliz pelo nosso
contributo.”
REFLEXÃO: SEPARAR O TRIGO DO JOIO
O Diário de Noticias (DN) deste último domingo
repetia o plasmado do JN do dia anterior: “Fichas
falsas do PS de Coimbra investigadas pela Judiciária”. Citando o DN, “Pessoas a viver nas Escadas Monumentais ou
noutras falsas residências, caves com hipotéticas dezenas de moradores,
inexistentes empresas onde os aderentes trabalhariam (…) as situações das
falsas fichas do PS de Coimbra parecem não ter fim (…) já estão a ser
investigadas pela PJ. (…) Na origem da situação estará o súbito aumento de
militantes e a denúncia feita pela coordenadora da Secção da Sé Nova, Catarina
Martins, alertando António José Seguro e outros dirigentes nacionais que detetara,
apontando para mais de 600 falsas inscrições”.
Segundo o Diário as Beiras, no último fim-de-semana,
em Coimbra, quando instigado pelos jornalistas, António José Seguro, escusou-se
a responder remetendo o caso para a justiça.
Ora, sabendo nós que esta vitória da Federação
Distrital do PS levou a nomeações políticas para importantes cargos públicos na
cidade, os cidadãos, na modorra do costume, olhando para isto como não lhes
dissesse respeito, não se importam e assobiam para o lado. Por seu lado,
António José Seguro, líder do maior partido da oposição e futuro candidato a primeiro-ministro,
lava as mãos do incêndio que deflagra na sua própria casa. Por outro ainda, os
militantes socialistas de Coimbra, a maioria que o são por convicção –conheço
alguns- e não aspiram a tachos e
acreditam que é possível lutar por uma sociedade mais justa e equitativa, tal
como os restantes aqui citados, vão ficar de braços cruzados sem exigirem
transparência? Ainda que a coberto do necessário princípio da presunção de
inocência, “in dúbio pro reo”, a tal
expressão latina de que na dúvida decida-se a favor do réu, até se clarificarem
os factos aduzidos de suspeição, os implicados deveriam imediatamente cessar
funções por sua iniciativa ou obrigados pela hierarquia.
Deixo duas interrogações. A primeira, porque é
que quando se trata de pessoas ligadas ao Governo, todos, oposição e cidadãos
não conotados partidariamente, exigem imediatamente as suas cabeças e quando se
referem figuras gradas da contraposição socialista o critério é diferente?
Perante estes comportamentos como é que a
sociedade civil –se é que de facto ainda existe mesmo esta tal reserva moral da nação-, continua a
acreditar que os partidos merecem alguma credibilidade?
“DÁ-ME UM ABRAÇO!”
Decorria a tarde a meio, deste dia de Ano
Novo, quando passei por ela na Praça do Comércio, junto à Igreja de São
Bartolomeu. Chovia na cidade velha, como se São Pedro, o senhor de todas as
águas do mundo, quisesse avisar que o ano que se acabara de entrar iria ter
muitas inundações nas nossas vidas. De olhos pregados no chão, caminhava como
um autómato em esgotamento de pilha. Os seus passos eram vacilantes como se
temesse que o chão fugisse a qualquer momento dos seus pés. Num repente de um
olhar fugidio, reparei no seu rosto carregado, esticado pela pressão, e
impressionou-me a solidão que emanava. Boa tarde, Maria! Atirei de supetão. Ela
não ligou, mais que certo por não me ter ouvido, e continuou a andar. Maria,
Maria! Insisti. Foi então que ela estancou. Lentamente levantou os olhos, como
se as suas pálpebras pesassem uma tonelada, ensaiou um sorriso que não saiu, e
disse baixinho: “Boa tarde, Luís!
Desculpa! Ia embrenhada nos meus pensamentos. Ando para aqui, de trás para a
frente, a queimar tempo. A ver se decido o que fazer da minha vida. Se acabo
com ela ou se continuo –e as lágrimas, como se apenas pretendessem um motivo
para se soltarem, como rio em busca da margem perdida, começaram a cair por
aqueles socalcos rugosos daquela face precocemente envelhecida. Abalei de casa logo de manhã, daquela casa
que conheces bem –porque tu conheces a minha vida! Estou farta da minha
existência! Estou saturada de ser uma coisa que apenas serve para trabalhar! O
João continua sem trabalho, mas também não se importa muito com isso. Ninguém
me dá valor! Preciso de carinho! Preciso de um abraço! Os meus dois filhos,
como sabes, são como são! Nunca têm uma palavra para a mãe. Eu trabalho lá na
superfície comercial. Uma parte do ordenado é descontada a mando do tribunal
para pagar dívidas do João, o meu marido. Recebo cerca de 500 euros, que são
para alimentar quatro adultos e duas crianças –os meus netos. Sabes o que é
precisar de comer e não ter? Sabes? Sabes mesmo? São três da tarde e ainda não comi nada –e não estou a dizer isto para
te pedir alguma coisa. Nada disso! Nem tenho apetite! Sabes o que é comer um
pão cheio de bolor? Eu já comi um há dias. Chorei tanto, tanto! Eu tive uma
infância tão feliz! Nada me faltou, do essencial. Só mesmo o que era imprescindível,
porque quando pedia ao meu pai uma camisola bonita que via numa montra
levava-me lá e, com os meus olhos colados no vidro, dizia: “queres aquela
camisola, Maria? Queres? Mas eu não ta compro! Tens de aprender a conviver com
o não. As frustrações ajudam-nos a crescer. Esta não ta compro, porque é muito
cara, mas vou dar-te uma mais barata. E oferecia-me uma baratinha. Nunca me
deixou faltar nada. É certo que não havia luxos mas sempre tive tudo novo a
estrear. Olha que, quando andava na escola, às vezes os vizinhos levavam lá os
livros usados para mim. O meu pai ralhava logo com a minha mãe: “agradece, mas
devolve. Que deem a quem precise mais do que nós! Para a minha princesa não
quero coisas que tivessem passado por outras mãos. Quero tudo novo”. E ia
comprar os manuais a prestações à Coimbra Editora. Tenho tanta saudade do meu
pai! Mesmo já casada e com filhos continuava a ajudar-me em todos os campos.
Quando chegava a casa do trabalho, por vezes, cansada e não queria ouvir
ninguém, lá vinha ele dos fundos a soletrar: “anda cá, Maria! Deixa-me olhar os
teus olhos. Sabias que os olhos são o espelho da alma? Hoje não te correu bem o
dia, pois não? Dá cá um abraço!”. E eu, enfastiada com tanto apego, dizia para
mim: fogo! O meu pai é uma grande melga! É demais! Acreditas que hoje, que não
tenho nenhum, sonho com os seus abraços?
Mesmo já velhinho, dizia-me tantas vezes: “enquanto eu for vivo nada te
faltará, mas olha que quando eu morrer vais sofrer muito. Eu sei que vais!
Terás de ser muito forte, filha!”
Hoje, neste dia de Ano Novo, ando para aqui perdida no tempo como uma
folha seca que esvoaça ao vento. Tenho tanta saudade do meu pai!”
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