(Imagem da Web)
Pouco passa das duas e meia da manhã desta
noite de já Sábado, dia 18 e a entrar no fim-de-semana, quando cheguei ao
cruzamento da Casa do Sal, em Coimbra. A conduzir a minha viatura com 13 anos
de idade –se fosse pessoa, diria que está na pré-adolescência e será daqui para
a frente que, nos problemas a emergir, me vai pôr os cabelos em pé-, calmamente
parei no semáforo que entretanto passou a vermelho. Olhando em redor, reparei
que não se via vivalma, aliás, como todos os dias que ali passo por volta desta
mesma hora. Enquanto esperava pelo verde, naqueles momentos de introspecção, pensava
na minha vida. Naquele bem-estar que já tive e perdi e na existência estúpida,
agora, que me atropela e todos os dias me dá rugas de consumição. Com máquina
de uma qualquer fábrica da era industrial, quase sem paragem, como tantos
portugueses, trabalho durante o dia e, como se não tivesse destino, à noite
continuo na labuta para fazer face a compromissos. Antes do semáforo passar
para verde, ainda tive um pensamento breve para o meu carro, o companheiro leal
que me transporta diariamente: espero que
não me deixes mal, que não te dê uma qualquer solipampa, que preciso muito de
ti, meu amor!
O verde surgiu no lusco-fusco e eu continuei sozinho.
Isto é, sem outros automóveis ao meu lado ou no horizonte visual. Engrenei a
primeira velocidade e avancei. Foi então que vi um homem a correr,
presumivelmente, saído de um agacho fora de vistas e seguido de outro. Trazia
um colete amarelo e um bastão sinalizador e fez-me sinal para entrar para o
lado direito, debaixo do aqueduto. Num segundo olhar às suas vestes, verifiquei
que envergavam uma farda e seriam agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP).
Acatei a ordem e entrei numa espécie de teatro
de guerra –num espaço que durante o dia será estacionamento público-, onde
eram mais as viaturas policiais e agentes da PSP que viaturas a serem inspecionadas,
e senti-me uma espécie de partícula minúscula sem existência física. Era tal o
ambiente carregado de tensão –na minha
opinião quase a parecer uma caça ao assassino ou terrorista que naquela noite
consumara um terrível atentado de consequências trágicas para a comunidade.
Não os contei mas, se calhar mais de meia dúzia de carros da força e mais de
uma dúzia de agentes masculinos e femininos a verificarem tudo o que diz
respeito à condução. Carta, identificação, seguro, inspecção e teste de
alcoolemia.
Num tempo, e numa medida que não compreendo,
em que a PSP publicita previamente nas redes sociais os locais onde vai
instalar os radares fiscalizadores de velocidade –como a dar a entender que se
trata de uma medida profilática e que está mais interessada na prevenção social-,
como entender que esta força de polícia pública, de Coimbra, utilize a táctica
do vulgar assaltante de estrada para fiscalizar quem conduz? A PSP, ao longo da
sua história recente e como outros corpos de polícia nacional, desde o Estado
Novo passou de um quadro negro onde era um dos braços armados, e arregimentado,
do Antigo Regime, onde grassavam cívicos sem formação e, muitas vezes, o álcool
corria a jorros, para uma polícia especializada no trato com o cidadão. Nas
últimas quatro décadas o respeito pela lei, na igualdade e na equidade, impera
aos olhos do homem comum. Mesmo com manchas que borram a pintura, aliás igual
a todas as classes profissionais, contrariamente a tempos ainda recentes, salienta-se
a elevada estatura moral e formação cívica dos seus agentes que desagua numa competência
de nível superior. Sem favor, como cidadão minimamente atento, pelo exemplo de
alguns polícias que conheço, considero a PSP uma polícia necessária à
comunidade e muito digna.
Ora o que assisti ontem na Casa do Sal, no procedimento do escondidinho, é um acto
que diminui o cidadão comum e retira dignidade à PSP. A obrigação desta ordem,
mesmo correndo o risco de desvio e fuga de muitos automobilistas, é apresentar-se
garbosamente na via pública à vista de todos e não esconder-se atrás de uma
moita numa descarada e vergonhosa caça à multa. A meu ver, no que assisti esta
noite, foi uma indignidade que retira valor a este corpo de agentes. Não
contesto o fim, no caso a fiscalização, mas sim a forma como foi organizada –que,
ressalvo, comigo estava tudo bem.
Embora não por culpa da PSP que se limita a
cumprir a prerrogativas legais, poderia escrever também que, por força das leis
vigentes que não leva em conta as desigualdades crescentes nos utilizadores que
conduzem, actualmente assistimos a uma espécie de Eugenia
–busca de uma classe social orientada
para a depuração física ou mental e onde os mais débeis, pobres ou ineficazes, são
arredados e discriminados- e cujos desempregados ou pessoas sem rendimentos
sofrem uma escandalosa discriminação negativa. Nesta obsessão igualitária, que atravessa
esta nossa sociedade hodierna sem levar em conta as fragilidades de cada um, estamos
num regresso ao Positivismo Jurídico que cruzou quase todo o século XX. Num
manto de propaganda perniciosa, em que o securatismo
assentou arraiais e passou a ser uma religião, se apregoa que todos somos
iguais perante a lei, está-se a espezinhar e a trucidar o direito individual à
posse e utilização, no caso a ser condutor de um automóvel. Se não fosse cá por
coisas, diria que há uma intenção deliberada em empurrar uma parte da nossa
população para o transporte de carroça e burro. Um regresso às origens e que
nem foi há tanto tempo como isso, acrescentaria. Onde só alguns têm direito a
carro com motor.
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