“Estou
sentada sobre o meu passado,
sobre os meus olhos, em frente, a catedral,
o tempo, como eu, está acinzentado,
atrás de mim, passa gente, gente boçal,
sou uma sombra, um pombo ajanotado
procuro um ombro, que possa ser um beiral,
um porto de abrigo, pode até ser acanhado,
pouco me importa a condição material,
olho mais à forma e menos ao estado,
preciso de atenção, um carinho existencial,
alguém que fale comigo, sem ser agastado,
que não me tome por um qualquer animal,
já ninguém escuta ninguém, está tudo tão mudado,
da minha geração restam poucos, estão num edital,
num assento do registo civil meio abreviado,
ou, sei lá, num anúncio da necrologia do jornal,
na minha idade, a vida é um peso de chumbo dobrado,
é com as pedras que falo sobre o meu funeral,
da minha meninice resta um esboço acalorado
que me dá alento e me recorda o campo de cereal,
o vento a soprar, a brisa a coçar-me o rosto agarotado,
o ganir do cão, um cordeiro a balir, um mocho a piar,
é triste ser velho, não ser respeitado, ser espezinhado,
triste sociedade esta que nem um sorriso dá para alegrar
quem tanto deu, sem receber, e agora pede, abandonado,
estendendo mão, com olhar de súplica, tristonho e a lamentar."
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